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7 NÚCLEO DE AÇÕES AFIRMATIVAS E ANÁLISE DAS AÇÕES

7.3 SOS PRAIA

Antes de analisarmos a ação realizada pelo clube baiano, é preciso entender o contexto em que ela está inserida. Em 30 de agosto de 2019, foram detectadas extensas manchas de petróleo na costa litorânea brasileira, oriundas de algum crime ambiental. Ao todo, mais de 3 mil quilômetros do litoral do Brasil foram atingidos pelo derramamento. Estima-se que 877 locais, como praias, mangues e, inclusive, áreas protegidas pela Marinha em mais de 127 municípios em 11 estados, foram atingidas. Passados dois meses do acontecido e com uma constante omissão por parte do governo federal, que inclusive foi denunciado pelo Ministério Público Federal (MPF), o Bahia agiu a fim de alertar a todos o que estava acontecendo no país. Foi

então que, no dia 20 de outubro do corrente ano, o clube lançou o manifesto “SOS Praia”. Confira abaixo manifesto do clube baiano:

SOS Praia

Manchas de óleo chegaram às nossas camisas O problema é seu. O problema é nosso.

Quem derramou esse óleo?

Quem será punido por tamanha irresponsabilidade? Será que esse assunto vai ficar esquecido?

O Bahia é você, somos nós, cada ser humano.

É a forma como representamos o amor, o apego, o chamego, o sagrado, a justiça. O Bahia é a união de um povo que vibra na mesma direção, que respira o mesmo ar e que depende da mesma natureza para existir, para sobreviver.

Jogaremos nesta segunda-feira (21), contra o Ceará, em Pituaçu, com a camisa do Esquadrão manchada de óleo.

Um convite à reflexão: o que faz um ser humano atacar e destruir espaços sagrados? O lucro a qualquer custo pode ser capaz de destruir a ética e as leis que regem e viabilizam a humanidade?

A barbárie deve ser tratada como tal, não como algo natural. (SOS PRAIA, 2019, online)

Figura 6 – Camisa do Bahia com representação das manchas de óleo

Fonte: Site do Esporte Clube Bahia10

Figura 7 – Publicação do Bahia no Twitter sobre a ação

Fonte: Conta do Esporte Clube Bahia no Twitter11

A repercussão da ação no Twitter foi positiva. Mais de 2,5 milhões de pessoas viram a imagem. A publicação teve 32 mil retweets, divididos em 21,7 mil retweets automáticos e 11 mil retweets com comentários. Além disso, houve aproximadamente 4 mil respostas e 74,8 mil curtidas. Ao todo, o tweet teve 3,3 milhões de impressões, ou seja, número de vezes que as pessoas viram este tweet na plataforma, gerando 415,8 mil interações.

Os elogios e parabenizações à ação não partiram somente de perfis relacionados ao clube baiano. Outros clubes brasileiros, como o Santos Futebol Clube, personalidades famosas e torcedores adversários também saudaram a campanha.

Figura 8 – Respostas ao tweet do Bahia anunciando a campanha

Fonte: Elaborado pelo autor12

Jogando em casa, o Bahia foi derrotado pelo Ceará pelo placar de 2 x 1, mas muito mais do que o mero resultado esportivo, o jogo trouxe uma vitória humanitária para ambos os clubes. Isso porque, motivado pelo clube baiano, o Ceará também agiu e decidiu se manifestar: os jogadores da equipe cearense entraram em campo com luvas pretas em referência ao episódio.

12 Montagem elaborada pelo autor a partir de postagens publicadas ao Esporte Clube Bahia no Twitter.

Figura 9 – Atletas do Ceará utilizando luvas pretas em referência ao episódio das manchas de óleo

Fonte: Redação Goal (2019)

Após a partida, muitos foram os comentários de torcedores que gostariam de ter o mesmo uniforme. Como não houve tempo hábil para a produção de estoque da peça, o clube decidiu leiloar as camisas utilizadas na partida e destinar a renda para as organizações que estão tentando limpar as praias do nordeste. Ao todo, quatro peças foram ofertadas no leilão, que arrecadou mais de R$7 mil.

A ação positiva do Bahia rendeu ao clube manchetes em diversos veículos de comunicação do Brasil e do mundo, como o Globoesporte.com, Estadão, O Globo e o inglês The Guardian.

Figura 10 – Manchete do portal O Globo

Fonte: BAHIA (2019)

Figura 11 – Manchete do portal The Guardian

Fonte: Law (2019)

Depois disso, o núcleo estava muito forte, constantemente na imprensa, com todo mundo de olho na gente, e então lançamos a camisa manchada de óleo. E, assim, essa, sem dúvida nenhuma, foi a mais avassaladora. Ela nos colocou no The Guardian, o maior jornal da Inglaterra, por exemplo. Tem muita gente que nos conheceu fora do Brasil por causa dessa matéria no The Guardian. (NETO, 2020)

O jornal inglês The Guardian, um dos maiores jornais do mundo, a partir desta ação e relembrando ações anteriores, classificou o Bahia como o clube mais progressista do Brasil. Uma afirmação dessas, vindo de um veículo tão importante e reconhecido, reforça o valor que o Núcleo de Ações Afirmativas trouxe ao Bahia. Um clube de futebol ser manchete em jornal como esse, em algo não relacionado ao resultado esportivo, fortalece a imagem do clube tanto no país como fora dele.

No futebol, a imagem de um clube está extremamente relacionada aos resultados obtidos por ele dentro de campo. Não há como separar uma coisa da outra. As crises, oriundas de resultados negativos, ocorrem de forma corriqueira e habitual, pois, no futebol, se perde muito mais do que se ganha. Ao perder uma partida na quarta-feira, por exemplo, um princípio de crise pode ser gerado. Conforme vimos anteriormente, também é papel do assessor de imprensa instruir comissão técnica e jogadores para saber lidar com questionamentos deste tipo nas entrevistas coletivas, pois a repercussão disso na imprensa pode aumentar ou diminuir essa suposta crise. Porém, se, na rodada seguinte, o clube demonstrar um bom desempenho e vencer a partida, esse princípio de crise já é estancado.

É justamente por situações como essa, da dependência dos resultados esportivos, que é muito difícil para um clube manter uma imagem positiva 100% do tempo. Este, porém, não é o caso do Bahia hoje. Graças ao Núcleo de Ações Afirmativas, o clube consegue manter essa imagem favorável, principalmente na imprensa, em algo que foge da alçada das quatro linhas do campo. Porém, conforme o conceito apresentado por Argenti (2006) de que a imagem se altera de acordo a percepção do público, o núcleo também passa por isso.

Quando o clube é pautado positivamente na imprensa pelas suas ações, mas dentro de campo não consegue reproduzir os mesmos resultados positivos, é o núcleo um dos pontos mais criticados. Isso porque, conforme já referenciamos, as conquistas do time elevam a sua passionalidade, e, ao não ter este sentimento correspondido, ele irá criticar as ações do clube, afirmando que esqueceu do futebol e está preocupado com o engajamento, indo ao encontro do apresentado por Argenti (2006), quando afirma que um indivíduo pode, em dois momentos distintos, modificar sua percepção sobre a organização, revertendo, de certa forma, a imagem construída anteriormente.

7.4 #NúmeroDoRespeito

Tal qual as ações anteriores, é necessário contextualizar o motivo de lançamento de tal campanha. Em 10 de janeiro de 2020, o Sport Club Corinthians Paulista fez a apresentação para a torcida e imprensa de sua nova contratação, o volante colombiano Victor Cantillo. O jogador, contratado ao Junior Barranquila, da Colômbia, era conhecido por utilizar o número 24 na camisa dos clubes onde passou. Porém, no Corinthians, o atleta foi apresentado com a camisa de número 8. Questionado na coletiva sobre o assunto, Cantillo contou que foi avisado de que “não poderia usar o número 24″.

No momento em que o atleta posou para fotos com a camisa, ao lado dos dirigentes, o diretor Duílio Monteiro Alves fez um comentário homofóbico: “camisa 24 aqui não”. A fala infeliz foi flagrada pelas câmeras de transmissão da coletiva. A relação da piada de Duílio e da explicação dada ao jogador do motivo dele não poder jogar com seu habitual número é de que, no Brasil, no jogo do bicho, o número 24 é representado pelo veado, animal associado, pejorativamente, à homossexualidade.

O assunto, rapidamente, tomou as redes sociais e o diretor corinthiano foi duramente criticado. Não demorou muito para que ele publicasse um vídeo em seu perfil se desculpando pela fala.

Pegando o gancho da situação, e como forma de, mais uma vez, se manifestar contra a homofobia, o Bahia agiu. Em 28 de janeiro, o clube publicou um vídeo com os dizeres #NúmeroDoRespeito. Foram separados, na figura 12, 7 frames deste vídeo. As imagens são representadas pelas letras A, B, C, D, E, F e G. O vídeo mostra a personalização de uma camisa do Bahia.

Figura 12 – Frames da campanha “#NúmeroDoRespeito”

Fonte: Compilação do autor13

Na imagem A, vemos bandeiras do Bahia tremulando em segundo plano, enquanto, no primeiro plano, vemos a mensagem de que o Bahia entrará diferente em campo. Na imagem B, novamente com um fundo desfocado, desta vez mostrando a torcida do Bahia dentro do estádio, vemos, em primeiro plano, a mensagem dizendo que a diferença comentada no frame anterior parece ser só um detalhe.

Na imagem C, vemos um funcionário do clube colocando uma camisa listrada do Bahia na prensa para personalização com o nome e número de algum atleta. Na imagem D, novamente, vemos a torcida do Bahia em um fundo desfocado, enquanto, no primeiro plano, aparece a mensagem dizendo que a diferença comentada nos frames anteriores tem um significado grandioso.

Na imagem E, vemos novamente o funcionário do clube pressionando a chapa onde se personalizam as camisas. Na imagem F, vemos a camisa sendo personalizada com o número 24 e o nome do volante Flávio. Por fim, na imagem G, vemos o símbolo do Bahia com a hashtag #NúmeroDoRespeito.

Junto da publicação do vídeo, o clube anunciou que entraria em campo nas três partidas daquela semana com um jogador vestindo a camisa 24. Pela Copa do Nordeste, na partida contra o Imperatriz-MA, o volante Flávio abriu mão do seu

13 Montagem a partir da captura de telas do vídeo da campanha “#NúmeroDoRespeito”. Disponível em:

tradicional número 5 para utilizar a 24. Além disso, o meio-campista Ramon, camisa 10 do time de transição do clube, utilizou o número ao enfrentar o Bahia de Feira pelo Campeonato Baiano.

Segundo estudo do jornal Folha de São Paulo, que analisou a utilização do número 24 pelos jogadores nas últimas cinco temporadas dos campeonatos nacionais de Alemanha, Argentina, Brasil, China, Coreia do Sul, Espanha, França, Holanda, Inglaterra, Itália, Japão e Portugal, se descobriu que a utilização deste número nas ligas estrangeiras é quatro vezes maior do que na liga brasileira. No Campeonato Brasileiro, a utilização de camisas número 24 representou 0,5% do volume total. Em 2019, nenhum time da primeira divisão do Campeonato Brasileiro começou a temporada usando a camisa 24.

Essa ação se relaciona diretamente ao manifesto divulgado pelo clube em setembro de 2019, a favor da igualdade e do respeito, afirmando que a homofobia nos estádios é apenas uma pequena expressão do que acontece fora deles, de que a homofobia mata, oprime, deprime e provoca muitas feridas.

No Twitter, o vídeo alcançou 467,4 mil visualizações e 5 mil retweets, divididos entre 3,2 mil retweets automáticos e 2 mil retweets com comentários. Além disso, houve 1.078 respostas à publicação e 19 mil curtidas. Ao todo, o tweet teve cerca de 1 milhão de impressões, ou seja, número de vezes que as pessoas viram este tweet na plataforma, gerando 88,4 mil interações.

A ação, novamente, foi muito elogiada nas redes sociais. Mas, infelizmente, também recebeu interações negativas, visto que ainda existem preconceitos quando o assunto é homossexualidade. Os comentários negativos afirmam que o Bahia se importa mais com engajamento nas redes sociais do que com o futebol em si, razão principal do clube existir.

Figura 13 – Comentários criticando a ação

Fonte: Elaborado pelo autor14

O Bahia deu o pontapé inicial. Mas não demorou muito para que outros clubes e empresas aderissem à campanha e entrassem na onda. Na mesma semana, clubes como o Botafogo, Fluminense, Flamengo, Vasco e Santos e empresas como a Brahma também fizeram publicações promovendo a hashtag.

Figura 14 – Captura de telas dos perfis do Fluminense, Botafogo e Brahma no Twitter

Fonte: Elaborado pelo autor15

14 Montagem a partir da captura de telas da publicação da campanha “#númerodorespeito” no Twitter.

Disponível em: <https://twitter.com/ECBahia/status/1222229600178253825>. Acesso em: 5 nov. 2020.

15 Montagem a partir da captura de telas de pesquisas da hashtag #númerodorespeito no Twitter.

A ação, novamente, levou o Bahia às manchetes dos jornais, tanto do Brasil quanto do mundo. Galvão Bueno, famoso narrador da TV Globo, tratou sobre o assunto em seu programa semanal “Bem Amigos”, veiculado no canal fechado SporTV. A campanha também ganhou destaque no The New York Times.

Figura 15 – Manchete do The New York Times

Fonte: Conta do Esporte Clube Bahia no Twitter16

Figura 16 – Twitter do Bahia agradecendo ao Galvão por divulgar a campanha

Fonte: Conta do Esporte Clube Bahia no Twitter17

16 Disponível em: <https://twitter.com/ECBahia/status/1223984576625827842>. Acesso em: 5 nov.

2020.

17 Disponível em: <https://twitter.com/ECBahia/status/1224502886610219009>. Acesso em: 5 nov.

Dias depois, no mesmo caminho, a revista Corner lançou a campanha #pedea24 junto de um manifesto contra a homofobia. Assim como a ação encabeçada pelo Bahia, a campanha da Corner também repercutiu. Programas como o Redação, do SporTV, e Jogo Aberto, da Band, além de diversas manifestações pessoais de jornalistas, se mostraram favoráveis a ela.

Nessa ação, nós podemos observar aquilo que Recuero e Zago (2010) abordam sobre a disseminação de conteúdo no Twitter, quando afirmam que os perfis podem se apropriar das informações e respondê-las ou “retweetá-las”. Nesse caso, diante do lançamento da #NúmeroDoRespeito e da adesão de outros clubes à campanha, ocorre a disseminação da etiquetagem desta publicação, sendo possível observar as conexões entre usuários torcedores de diferentes clubes, adversários dentro dos campos, abraçando a mesma causa. Isso permite a disseminação de uma

hashtag para além de suas próprias publicações, incentivando que outros atores na

plataforma a utilizem e servindo de inspiração para outras ações relativas à mesma causa, como a #pedea24.

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