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SOUZA, Gilda Lúcia Delgado de Três décadas de educação matemática:

No documento APARECIDA RODRIGUES SILVA DUARTE (páginas 128-134)

Dissertação de Mestrado em Educação Matemática. UNESP. Rio Claro, 1998.

Com a pretensão de resgatar a memória da Educação Matemática no Estado de São Paulo, mais precisamente na cidade de Santos, Gilda Lúcia Delgado Souza procurou registrar, por meio de entrevistas e documentos, a atuação de um grupo de professores de matemática vinculados à rede oficial de ensino nas décadas de 1950, 1960 e 1970.

A dissertação encontra-se subdividida em cinco capítulos. No capítulo zero, a autora fez uma narrativa de sua trajetória profissional, como professora de matemática da rede estadual.

A autora comentou ainda, sobre como se deu a mudança da Lei 4024/61 para a Lei 5692/71, o surgimento de órgãos oficiais da Secretaria da Educação do Estado de São Paulo tais como a Coordenadoria de Ensino da Grande São Paulo (COGESP), Departamento de Recursos Humanos Laerte de Carvalho (DRHU/LC) e a Coordenadoria de Estudos e Normas Pedagógicas (CENP), além de suas impressões sobre como essas reformas foram sentidas e apreendidas pelos professores da Baixada Santista.

O capítulo um é dedicado à justificação dos pressupostos teórico- metodológicos que deram sustentação ao estudo. Como o próprio título sugere, “Cotidiano, memória e história”, a autora procurou destacar como a vida cotidiana articula-se com a memória e a história. Nesse sentido, optou por analisar a vida cotidiana, tomando como referência básica a obra “A vida cotidiana” de autoria de Agnes Heller.

A memória foi igualmente tema privilegiado na pesquisa. Sobre esse assunto, Souza delineou um painel histórico da memória, subsidiada por Le Goff,

atentando para os progressos da memória escrita do século XVI aos dias atuais. Destacou a fundação da revista “Annales d’Histoire Économique et Sociale” e a insistência dos historiadores daquela geração em dar uma nova concepção ao documento, abrangendo não apenas o documento escrito, como também o ilustrado, transmitido pelo som, pela imagem ou de alguma outra maneira. A reabilitação da oralidade como fonte de estudos históricos foi sublinhada por Souza, porquanto sua pesquisa se inscreveu na perspectiva da História Oral.

O capítulo dois é dedicado à explicitação dos procedimentos metodológicos adotados durante a investigação.

Para operacionalizar a pesquisa, fundamentada nos princípios da História Oral, Souza recolheu entrevistas de professores de matemática atuantes nas décadas de 1950 a 1970, ligados à cidade de Santos, cuja atuação teve repercussão significativa junto à Secretaria da Educação do Estado de São Paulo.

Utilizando-se de um roteiro de entrevistas com perguntas contextualizadas, embora com a possibilidade de inserir outros questionamentos a partir dos relatos obtidos, foram entrevistados os professores Maria Lucia Martins Demar Perez, Maria Luiza Carmo Neves da Silva, Sylvio Andraus, e Almerindo Marques Bastos.

No capítulo três, a autora apresentou, integralmente, as textualizações das entrevistas realizadas, momento em que buscou “resgatar a memória de um tempo” (SOUZA, 1998, p. 76).

A primeira textualização apresentada diz respeito ao depoimento dado pela professora Maria Lúcia Martins Demar Perez.

Licenciada em Matemática pela Faculdade de Filosofia do Instituto Sedes Sapientiae, Perez destacou alguns de seus professores e as disciplinas ministradas naquele período: Abrahão de Moraes, em Análise Matemática; Benedito Castrucci em Geometria Projetiva e Didática da Matemática; Fernando Furquim de Almeida em Geometria Descritiva.

No início de sua carreira no magistério, a professora Maria Lúcia declarou que precisava de tempo para estudar, uma vez que “matéria ministrada no secundário não fora abordada na faculdade”. O professor, naquela época

formava-se sem nunca ter entrado em uma sala de aula e o programa do Segundo Grau não fazia parte daquele visto na faculdade. A esse respeito, Maria Lúcia conversou com os professores Abraão de Morais e Benedito Castrucci. De Abrahão de Morais, recebeu a seguinte resposta: “... o importante era aprender a pensar muito bem e, se tivéssemos uma estrutura mental muito bem feita, conseguiríamos usá-la em situações diversificadas” (PERES, apud SOUZA, 1998, p. 81-82).

Em 1960, com o início do MMM, a entrevistada teve oportunidade de ministrar alguns cursos de MM. Para ela, os professores entendiam por MM introduzir a Teoria dos Conjuntos, os conceitos de relação e função, como um acréscimo aos conceitos já conhecidos e não como elementos unificadores da matemática. Recordou que o professor Alésio João de Caroli, durante os cursos, “mostrava-se contrário ao fato de se abrir um capítulo especial sobre a Teoria dos Conjuntos. O importante era usar a linguagem da Teoria dos Conjuntos para facilitar a assimilação dos conceitos matemáticos” (PERES, apud SOUZA, 1998, p. 84).

A professora Maria Lúcia participou de um grupo designado pela CENP a fim de estudar e fornecer subsídios para a implementação do Guia Curricular de Matemática, sob orientação de Almerindo M. Bastos e Lydia C. Lamparelli, tendo como assessor de conteúdo Alésio J. de Caroli.

A segunda entrevista textualizada foi a da professora Maria Luiza Carmo Neves da Silva. Licenciada em Matemática pela Faculdade de Filosofia do Instituto Sedes Sapientiae, em 1954, destacou, dentre os professores que ministravam aulas nesse Instituto, os nomes de Fernando Furquim de Almeida, Benedito Castrucci e Abrahão de Moraes.

A entrevistada teceu comentários sobre um curso de Teoria dos Grupos, ministrado pelo professor L. H. Jacy Monteiro: “... foi o curso que ele veio ministrar aos professores daqui de Santos, justamente com a finalidade de ter um grupo que trabalhasse na Faculdade! Foi fabuloso para mim! Aí eu comecei a enxergar mais coisas e a ter confiança em trabalhar na Faculdade” (NEVES DA SILVA, apud SOUZA, 1998, p. 103).

A professora Maria Luiza teve participação efetiva para a criação de um grupo de estudos interessado em reformular o ensino da Matemática, que fora denominado de GEEM’. Esse grupo teve apoio da Secretaria da Educação, de diretores de escolas, prefeituras da Baixada Santista, do professor Luiz Carranca, chefe do Departamento Cultural do jornal “A Tribuna” e ainda, dos professores Almerindo M. Bastos, Sylvio Andraus, Maria Helena Roxo, dentre outros.

A terceira textualização diz respeito à entrevista realizada com o professor Sylvio Andraus. Ingressou, em 1949, na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da USP, formando-se em 1953.

Segundo Andraus, a equipe de professores do Curso de Matemática era composta pelos seguintes professores Benedito Castrucci, Rômulo Pieroni, Fernando Furquim de Almeida, Elza Gomide e André Wataglin Filho, Omar Catunda, Abrahão de Moraes, Luiz Henrique Jacy Monteiro, Marcelo Damy de Souza Santos, Edson Farah, Cândido Lima e Silva. O professor Sylvio Andraus não nomeou os professores que lecionaram no quarto ano. Apenas fez referência às matérias da área pedagógica, ministradas no último ano, que, segundo ele, “não eram muito convincentes”, uma vez que não era disponibilizado estágio para os licenciandos daquela época.

Os cursos e estudos sobre a MM realizados pelos professores da Baixada Santista começaram a partir do curso realizado pelo GEEM, em 1964. O professor Luiz Fernandes Carranca se encarregou da vinda do GEEM para fazer conferências em Santos. Irineu Bicudo, Scipione, Jacy Monteiro, Castrucci e Sangiorgi foram citados como conferencistas. Além disso, naquela época, foi realizado um curso de pós-graduação em Santos, sobre Teoria dos Corpos Comutativos, ministrado pelo professor Jacy Monteiro, nos mesmos moldes como era oferecido na USP.

A última textualização registra a entrevista realizada com o professor Almerindo Marques Bastos, formado em 1954, pela FFCLUSP.

Almerindo Bastos iniciou seu relato apontando os professores que mais o influenciaram durante os anos de graduação. Omar Catunda, Edson Farah, Abrahão de Morais e Mario Schenberg foram lembrados. Destacou, de modo

especial, o professor Jacy Monteiro, observando que “fez falta para as gerações que vieram depois de nós. Ele tinha uma visão completamente distinta da dos outros [professores]”, sem, no entanto, esclarecer sobre essa visão diferenciada [grifo da autora] (BASTOS, apud SOUZA, 1998, p. 147).

Sobre a divisão entre bacharelado e licenciatura na graduação, o professor Almerindo comentou que, para obtenção do título de bacharel, era necessário cursar todas as disciplinas dos três primeiros anos, além de escolher, no quarto ano, duas cadeiras entre todas as disciplinas de todos os cursos da faculdade. Ainda no quarto ano, eram oferecidas as disciplinas pedagógicas, obrigatórias para a obtenção do título de licenciado. As matérias pedagógicas oferecidas eram: Didática Geral, ministrada pelo professor Onofre de Arruda Penteado; Didática Especial da Matemática, pela professora Berenice Correa Gonçalves e Psicologia Educacional, pelos professores Arrigo Leonardo Angelini e Noemi da Silveira Rudolf.

Em 1955, Almerindo Bastos prestou concurso para o magistério público estadual, tomando posse numa escola em Ibitinga. Nessa cidade, observou que os professores de Matemática eram todos contratados. O ensino de Matemática resumia-se em repetir “ipsis literis”, durante a aula, o livro de Osvaldo Sangiorgi.

Segundo Bastos, uma das mais importantes conseqüências do MMM foi a mudança de enfoque do ensino da Matemática. O Movimento proporcionou uma mudança de atitude do professor em relação ao aluno, passando a dar maior importância à atividade do aluno, que anteriormente não era levada em consideração (BASTOS, apud SOUZA, 1998, p. 167).

Em julho de 1961, Bastos fez um curso promovido pela CADES46 em Santos, quando o professor Sangiorgi ministrou Teoria dos Conjuntos e Lógica, o professor Jacy Monteiro, um curso de Álgebra Moderna e o professor Ruas, um curso de Prática de Ensino. Para o entrevistado, esse foi o primeiro passo para

46 A Campanha de Aperfeiçoamento e Difusão do Ensino Secundário – CADES, criada pelo governo federal

em 1955, tinha como atribuições a formação de professores, o incentivo à elaboração de material didático, a assistência pedagógica e administrativa às escolas. Realizava cursos em períodos de férias, destinados a professores que não tinham o diploma de curso superior, que dava direito a esses professores de realizar os exames de suficiência para obtenção do registro permanente (BÚRIGO, 1989, p. 37).

dar início ao MMM em Santos. Em seguida, vieram os cursos promovidos pelo jornal “A Tribuna”, por iniciativa do professor Carranca.

Sobre uma possível influência do grupo Bourbaki nos trabalhos desenvolvidos pelos professores secundaristas, Bastos considerou que foi uma influência indireta, ocorrida por meio dos professores que ministravam os cursos de aperfeiçoamento, como por exemplo, o professor Jacy Monteiro. E constatou: “que eu saiba, quem se interessava pela reforma do ensino secundário, quando eu estudava na faculdade, era o Catunda, mas não sei por que ele não participou muito desses movimentos. Mais tarde, na época do GEEM, foi Jacy. Estes foram os dois que conheci” (BASTOS, apud SOUZA, 1998, p. 193).

Sobre os treinamentos realizados pelo GEEM, o professor Almerindo Bastos relatou que eram feitos por estágios. O primeiro estágio era constituído por noções de Teoria dos Conjuntos, Lógica Matemática e aplicações dessas noções no ensino de matemática. No segundo estágio, era oferecido um curso de Álgebra Moderna. Noções de Álgebra Linear eram proporcionadas no segundo e terceiro estágios. Com base nesses cursos, formou-se em Santos uma espécie de sub- grupo do GEEM, do qual Almerindo Bastos participou ativamente ministrando cursos e palestras para professores do ensino secundário nesse período.

Além disso, participou, na qualidade de coordenador, da elaboração dos Guias Curriculares de Matemática e do Projeto de Geometria Experimental elaborado pelo PRENEM (Programa de Expansão e Melhoria do Ensino Médio) em conjunto com o IMECC/UNICAMP, em 1974.

No quarto e último capítulo, Souza buscou assinalar o que mudou e o que permaneceu nas práticas sociais ligadas à educação, por meio das textualizações focalizadas na dissertação. Delas, a autora deteve-se nos seguintes itens: formação acadêmica dos entrevistados; a prática docente; projetos e ações desenvolvidos pelos depoentes e a legislação vigente.

Esse estudo revelou, por meio das textualizações, alguns aspectos importantes sobre o cotidiano escolar, as práticas utilizadas pelo GEEM, a participação dos matemáticos durante o Movimento, notadamente, a atuação do professor Luiz Henrique Jacy Monteiro, cujo nome aparece como um dos seus

principais divulgadores. Os depoimentos do professor Sylvio Andraus e Almerindo Marques Bastos revelam nomes e cursos ministrados pelos professores do Curso de Matemática da FFCLUSP na década de 50, além de descreverem como era o ambiente universitário daquela época.

Embora tais depoimentos tenham trazido à tona elementos de grande valia para o estudo das relações entre matemáticos e educadores matemáticos durante o MMM, destaco que esses não foram aspectos centrais da dissertação de Souza.

5.4. VITTI, Catarina Maria. Movimento da Matemática Moderna: Memória,

No documento APARECIDA RODRIGUES SILVA DUARTE (páginas 128-134)