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Sr Pedro das Neves após entrevista – Vazantes – Morada Nova

Neste instante, o velho Pedro suspirou quase que imperceptivelmente, enquanto uma sombra de tristeza refletiu-se-lhe na fisionomia. A voz foi calada e as palavras morreram-lhe na garganta como se todas estivessem sido asfixiadas pela emoção. Seu silêncio, fez-me sentir também uma profunda emoção que ainda me faz emudecer toda vez que recobro a lembrança daquela cena. Ao retomar a palavra de volta, ela surgiu-lhe não mais com a mesma força de antes, veio embargada e acompanhada do brilho de uma lágrima que seu Pedro, discretamente, conseguiu reter dos seus olhos.

E, por isso, eu digo, num me esqueço nunca. Se eu viver cem ano, mais eu num me esqueço disso, de jeito nenhum. A covinha dela tá lá preparada lá no cemitério, eu mandei fazer engradado com o nome dela, as iniciais tudim, paguei o coveiro pa zelar tudim, tá lá que é uma beleza. Por quê? Porque ela me zelou eu na terra, e me quiria muito bem. (...). Eu tenho certeza, que ela nunca foi mulher banduleira, ela nunca foi falsa a eu no nosso matrimônio. Toda vida foi a mulher exata comigo, uma mulher boa, nunca brigou, nunca briguei com ela, né?

Mesmo tomado pela emoção, foi com naturalidade que o velho Pedro das Neves adentrou o terreno das confidências, reacendendo em toda sua plenitude, no íntimo do seu ser, o sentimento do amor sincero que o manteve, por quase cinqüenta anos, ligado através dos laços de respeito, fidelidade e amizade àquela mulher que representava em sua vida a concretização máxima da felicidade. Confesso, no entanto, que a poesia daquele amor sincero fez-me permanecer, por alguns instantes, ruborizado de alegria e de emoção inconfessa.

Ao continuar a travessia pelos sertões das festas, fui percebendo como esses acontecimentos representam um momento importante na vida dos camponeses. Deste modo, foi possível compreender que, assim como as festas de casamento, os sambas

também sobrevivem enquanto memória possibilitando-os, desta forma, manterem vivo o vínculo com o passado.265

No diálogo das memória sobre os sertões das festas, foi possível perceber que tanto a memória masculina quanto a memória feminina apresentaram-se sempre fartas de lembranças a respeito dos sambas. Em ambas as memórias, os sambas representavam uma oportunidade não só para se dançar, mas para se namorar.

Assim, ao rememorarem com saudades os sertões das festas, algumas depoentes não tiveram nenhum tipo de constrangimento e passaram a narrar o tempo do namoro com muita espontaneidade. D. Rosa Maria de Almeida, por exemplo, contou que começou a namorar com o Sr. Zacarias Francisco de Almeida com apenas quatorze anos de idade numa festa no Tabuleiro dos Negros, onde morava na cidade de Russas. Contudo, mesmo namorando com o Sr. Zacarias, D. Rosa diz ter gozado muito a sua mocidade até os seus dezenove anos de idade, quando resolveu casar-se com ele. Assim, mesmo namorando com o Sr. Zacarias, D. Rosa revelou-me um trato que fizera com uma amiga no qual ficou acordado que: o namorado que eu namorava, ela namorava, era. Se ela fosse pum canto namorava com ele, né? (...). Aí, quando eu ia que ela num ia, eu também fazia a merma coisa. Quanto ao seu

Zacarias, D. Rosa comentou que ele tinha mais um cento de namorada e ela

compreendia isso porque entendia que ambos precisava de um tempo para aproveitar mais desta vida; e, por outro lado, intendia que o que tem de ser é, o que tem de ser é, num tem quem tome das mãos da gente, tem não, é besteira, assim a pessoa saiba se controlar no ciúme.266

Com a espontaneidade que é inerente aos narradores por excelência, D. Maria Júlia disse ter perdido a conta do número de namorados que teve na sua mocidade, uma vez que começou a namorar com doze anos de idade. Quanto ao fato de ter casado com o Sr. Onofre Augusto dos Santos, atribui a uma mau palavra que disse.

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Os namorado eu nem conto. Os namorado eu nem conto porque só os que eu namorei eu num dô venço a contar. Cumecei a namorar com quinze ano, com doze ano. E, era naquele tempo. Mais só deu a sorte pa esse daí, mais foi uma mau palavra que eu disse, foi. Eu disse que Ave Maria de me casar com um nego da Lagoa das Bestas, casei com a venta... caí com a venta mermo... Ainda é por Deus, que é bom pra mim. As vez, ele ainda fala de arrumar muier, mais deixa ele arrumar. Eu disse a ele, que ele arrumar eu dava fim a ele.267

Ao rememorar os namoros do seu tempo, D. Maria Júlia estabeleceu um paralelo entre os namoros do passado e os namoros do presente. Com isto, tornou claro o quanto o passado e o presente se entrelaçam perdendo, por um lado, a sua linearidade e, por outro, ganhando uma nova dimensão temporal.

No tempo que eu namorava, se butava uma cadeira eu me assentava dum lado, ele se assentava douto. Ali, a lamparina acesa. Mas, hoje im dia, o pessoal só quer os iscuro, é ou num é? Hoje im dia o pessoal... Ninguém num via agarrado e hoje im dia você vê um namoro... Eu digo? Cê vê um namoro, que agora eu faço como o ditado, que o home agarra a língua da criatura chupa só falta (risos), o home agarra a língua, é. Hoje im dia, você vê um namoro, que eu sou véia, mas tenho vergonha, eu tenho vergonha. Um dia eu fui, eu tava na rua, aí eu fui pagar, aí eu fui pagar a farmaça, aí tinha um criatura agarrado na língua da muier que a baba chega iscurria. Eu digo, vala minha Nossa Senhora! ô pecado medonho. Eu digo, cês sabe duma coisa, que eu pequei, eu pequei hoje, eu pequei hoje grande que eu tive muito tempo olhando. Porque no meu tempo, ninguém num via isso; aí, eu fiquei assim ispantada. A gente contar o que vê, né? Cantar o que vê e o que acontece. Hoje im dia, os namoro é mei pesado.

Neste momento, seu esposo o Sr. Onofre Augusto dos Santos interveio dizendo que inté a véia come a língua do véi (risos).268 D. Maria Júlia, no entanto, respondeu dizendo:

Ave Maria, no tempo que eu namorava, se fosse pa chupa a minha língua, fela da puta ninhum num chupava a minha língua, que eu tinha muito medo de uma fitosa (risos), eu tinha muito medo duma fitosa

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Rosa Maria de Almeida, 69 anos. Entrevista gravada na Lagoa de Santa Terezinha, no município de Russas, no dia 25/08/1999.

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Maria Júlia dos Santos, 72 anos. Entrevista gravada na Lagoa de Santa Terezinha, no município de Russas, no dia 25/10/1999.

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Onofre Augusto dos Santos, 77 anos. Entrevista gravada na Lagoa de Santa Terezinha, no município de Russas, no dia 21/10/1999.

(risos). É que hoje im dia, os namoro é pesado, né? Muito diferente. Porque de primeiro, no tempo do meu pai, rapaz butava assim uma cadeira, a moça butava assim uma cadeira, mais hoje im dia os agarrado é mei pesado. E, agarra logo a língua, parece que quer cumer a pessoa viva, né? Agarra logo a língua. (...). por isso que eu digo, no tempo... no meu tempo se fosse negoço de chupa a língua do jeito que o povo chupa, eu num tinha me casado. Ave Maria, eu tenho muito nojo.

Na verdade, a travessia dos sertões das festas na companhia de D. Maria Júlia foi uma das mais leves e descontraídas que fiz em toda a pesquisa de campo. Com uma memória fabulosa e uma capacidade de narrar absolutamente envolvente, D. Maria Júlia deixou- se levar pelas lembranças e pelas saudades dos sambas de outrora. No balanço cadenciado da rede que tomou por acento, D. Maria Júlia foi descrevendo os sambas que participou no tempo de sua mocidade quando ainda morava no antigo Tabuleiro dos Negros. De acordo com sua narrativa, os sambas aconteciam geralmente na casa do seu pai ou de algum vizinho que reservava a salinha de barro para a realização do

samba. Segundo a depoente, em razão do piso da casa ser de barro, quando os cavaleiros e as damas estavam dançando levantava aquela poeira, sendo preciso interromper por alguns instantes a dança para que alguém pudesse aguar o piso; eliminando, desta forma, a poeira. Quanto à iluminação do ambiente, esta era garantida por um farol ou mesmo pela luz da velha lamparina.

Os samba nóis dançava, passava a noite dançando. Arrumava um namorado, eu, pelo meno, eu indo pum samba eu num sobrava. (...). Gozei muito a minha mocidade, gozei muito a minha mocidade e num tô arrependida porque gozei muito a minha mocidade, graças a Deus.

D. Maria Júlia ressalta, ainda, que no passado não havia os dirmantelo que são comuns nas festas de hoje im dia. Ao ser indagada a

respeito do que ela entendia por dirmantelo, D. Maria Júlia destacou a

violência como principal elemento de descaracterização das festas do seu tempo de moça. Segundo a depoente, no passado uma moça num injeitava um cavalero no salão. Ela mesma tinha ordem do seu pai para

dançar com qualquer cavaleiro que viesse convidá-la para uma parte no salão. No entanto, ao contrário do que ocorria no passado, as moças de

hoje só quer dançar se for com o próprio namorado; o que causa, no seu entendimento, muita confusão, muito dirmantelo.

(...). No tempo deu moça, que foi orde do meu pai, pudia tá do jeito que tava. (...). Eu dançava com sujo, eu dançava com melado, eu dançava com tudo. Agora, tando caindo no chão, (...) isso aí eu num dançava não. Mas, que eu visse que ele tava com... tava só queimado com passu aprumado, nóis dançava. Mas, hoje im dia, as moça só querem dançar com namorado. (...). Mas, agora eu faço como o ditado, nóis num injeitava não. Eu... eu... eu dançava inté com gente suja. Às vez, muitas vez lá im casa tinha um primo meu, que ele num zelava bem o corpo dele, ia com uma roupa inchuvaiada, passava a noite dançando e eu dançava com ele. (...). Nunca, nunca houve briga por causa de nóis, de mim mermo não. (...). Mas, eu gostava de um samba, im tempo de moça eu chorava pum um samba, num vou minti.

Conquanto D. Maria Júlia tenha ressaltado que não era comum haver dismantelo nas festas do passado, o relato de memória do

Sr. Pedro das Neves revela que um tal de Raimundo de Pedro de Fulô costumava acabar com as festas na Rua do Fogo. Ao refazer as imagens que as lembranças guardaram da primeira festa que foi na rua do fogo, aos vinte e um anos de idade, o velho Pedro das Neves descreveu com uma impressionante riqueza de detalhes o duelo que teve com o valentão

Raimundo de Pedro de Fulô. Na verdade, o duelo deu-se em razão do “seu” Pedro não ter permitido que a sua namorada dançasse com Raimundo o valentão. Tratava-se, na verdade, de uma minina de quatorze

anos de idade que havia trabalhado durante três semanas numa desmancha justamente na casa de farinha em que “seu” Pedro trabalhava puxando roda. Embora ainda não tivesse sido cortejada por nenhum rapaz em sua casa, em razão de não ser do agrado dos pais que ela namorasse, a minina abriu-lhe o coração e o convidou para ir à

sua casa na rua do fogo e, consequentemente, para a festa a qual provavelmente ela iria na companhia dos pais. Depois de ter sido muito bem recebido na casa dos pais da minina, o Sr. Pedro os acompanhou

Quando foi oito hora, oito e pouco, aí se ajeitemo, aí fumo pa festa; a festa já tava alta. Eu cheguei lá, eu fui logo o coteiro. Butava um embrema no bolso da gente, pagava dez tões, butava o embrema. (...). Aí, começou a festa, o tocador era um tal de Vicente do Junco, sofona véia que era uma medonha. Começou a festa e lá vai, lá vai, nóis dançando e dançando, e brincando, e lá vai... Quando terminava a festa tinha as bancada, nóis se sentava nos banco... Rapaz, quando foi assim negoço de dez hora da noite, quando eu dei fé, foi um cara nú da cintura pa cima dançando no mei de nóis sem dama, com uma peixeira de doze pulegada no quarto, esfregando no mei dos cavalero. Primeira vez que eu tinha andado na rua do fogo! E esse cara era valentão, tava acostumado a acabar festa, a festa só rodava até quando ele quiria; quando ele num quiria acabava com a festa, mandava o tocador ensacar a concertina... (...). Eu num sabia de nada, meu fi. Namorando com essa minina, eu querendo muito bem a ela. (...). Eu sentado assim encostadim o banco, e ela incostadim a eu, quando eu dei fé lá vem ele, lá se vem; chegou encostado a ela disse: - ‘Minina, essa parte agora você vai dançar comigo, né?’ Aí, ela foi e disse: - ‘É, eu tô afigurada desse rapaz’. Aí, ele disse: - ‘Tem nada com afiguração não, você vai dançar comigo que eu quero’. (...). Aí, ele disse po tocador: - ‘Vicente, toca aí um xote pa eu dançar com essa minina’. Aí, Vicente véi rebolou a sofona nos peito, quando abriu a bichona aqui (nesse momento, ele

procurou imitar o som da sofona), pegou no braço dela, foi se

levantando, aí nóis se levantemo nóis três do banco duma vez, né? Mas, quando nóis se levantamo eu dei um colago nele, ele bufo, caio no chão.269

Segundo a narrativa do Sr. Pedro das Neves, a disputa entre ele e Raimundo de Pedro de Fulô foi parar no terreiro da casa. Em meio a toda confusão, e devido sobretudo a fama de Raimundo, a festa parecia haver se acabado. No entanto, ao retornar ao salão o Sr. Pedro deu ordem para Vicente continuar tocando a festa, alegando ter pago a cota para dançar até o sol fora.

Eu voltei, quando eu cheguei, o tocador butando a sofona dento do saco. Eu digo: - Escuta, o senhor butando a sofona dento do saco uma hora dessa? - ‘É, acabou a festa’! - Acabou-se a festa? Acabou-se não senhor, eu paguei dez tões o senhor, foi pa nóis dançar até o sol fora. O senhor vai tocar, e, nóis vamo dançar. - ‘Não, aquele rapaz é valente, só tem a festa aqui até enquanto ele quiser, quando ele num quiser acaba com a festa’. - Não tem nada com valentia não, ele num tem nada aqui que ele num pagou nada, ele num tem nada aqui. Pode tocar! Aí, ele disse: - ‘Não, é preciso primeiro eu saber do dono da casa pra mim tocar’. Era um tal de Chico Cunha. Aí, eu digo: - Pode chamar esse Chico Cunha, dono da casa, que eu paguei foi pa dançar. Aí, ele

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Pedro das Neves Cavalcante, 74 anos. Entrevista gravada na comunidade Varzantes, no município de Morada Nova, no dia 08/04/2000.

chamou, ele veio, chegou... - ‘O que é?’ - ‘Esse rapaz tá dizendo que é pa começar a festa’. - ‘Você resolve a parada com o rapaz?’ Eu digo: - Resolvo, pode deixar comigo, pode tocar pa frente. Aí, o sofoneiro baixou o pau a tocar, a tocar, a tocar. Aí, começou a chegar, e começou chegar o povo e nóis dançando, e nóis dançando...

Contudo, por volta de duas horas da manhã, quando tudo parecia normalizado, Raimundo de Pedro de Fulô retornou à festa do mesmo jeito, nú da cintura pra cima, com a peixeira no quarto. Aproveitando o

intervalo que Vicente havia dado na sanfona, Raimundo aproximou-se do banco onde “seu” Pedro estava sentado na companhia de sua namorada e deu início a uma nova discussão entre os dois. No calor da refrega, o Sr. Pedro afirmou a sua condição de homem diante de Raimundo e de todos que assistia a intriga envolvendo Pedro das Neves e Raimundo de Pedro de Fulô.

Eu num banquei camaleão sonhado pa você não, moço. Agora, eu tombém nunca afigurei uma dama, pa um cara chegar e fazer como você fez não. Você sabe duma coisa? Eu sou home, eu afigurando uma dama quem dança com ela sou eu. Num é um cara chegar, fazer como você fez: - ‘Você vai dançar é comigo’. Não, você num tem nada aqui, você num pagou. Você num tem nada aqui dento desse salão, você taí de atrevido, peitudo, valentão, dizendo que quem manda aqui é você. Quem manda aqui, somos nóis que paguemo e tem direito na festa. Você num tem direito a nada, você pode caí fora do negoço aqui, que você hoje aqui num manda não. Quem manda aqui hoje, sabe quem é? É este rapaz aqui e nóis tudo que somo os cavalero e paguemo. (...). Eu num quero barbaridade, eu quero é brincar a noite inteira com meus amigo, com minhas amiga, tudo legal. Não querer fazer barbaridade, como você quer, né? Aqui hoje você num faz, quem manda aqui somos nóis. E, aí, nóis dancemo até o sol fora, com os poder dele. E, ele, foi imbora e pronto.

Segundo o velho Pedro das Neves, quando havia festa na rua do fogo que ele estava presente, Raimundo de Pedro de Fulô não se apresentava disposto a acabar com a festa. Enlevado em seu discurso épico, seu Pedro revelou que as damas sentiam-se mais protegidas com a sua presença nas festas: ah! Hoje o fi de Chico Estevão, o Pedro das Neves, tá, hoje num ai zuada que Raimundo num vem acabar festa. Raimundo de Pedro de Fulô num acaba festa na rua do fogo que o Pedro das Neves tá, num acaba.

Entretanto, ao rememorarem os sertões das festas, meus amigos de travessia o narraram sempre em tons de nostalgia e de

romantismo. Foi assim, envolvido neste clima de nostalgia e de romantismo, que o velho Pedro das Neves fez grande parte de sua travessia pelos sertões das festas.

Havia as festas, nóis ia pas festa dançar, brincar, né? Tinha o tocador, nóis pagava dez tões de cota e passava a noite brincando. Mas, era bom. Sabe por que era bom? Porque as damas... Nóis, cavalero, era quem sustentava as dama a noite todinha, né? Ali, tinha aquelas cumiduria, tinha uma tal de... vim, garrafa de vim pa butá na roda po cavalero derribá. Terminava a parte, o dono da festa pegava aquele vim ia dá aquelas dama naqueles copim. Se a dama tava com fome, pudia se queixar o cavalero; o cavalero levava ela à banca, dava de cumer a ela, voltava de novo pa dançar.

Embora esse sentimento de nostalgia e de romantismo tenha sido comum a uma grande parte de meus depoentes, demonstrando, assim, possuírem uma memória farta a respeito dos sambas, algumas de minhas interlocutoras, no entanto, relataram que quando jovens não participavam das festas dançantes em razão da não permissão dos pais. Na verdade, a presença dos comportamentos tradicionais, não se fez sentir apenas nos relatos de memória das mulheres. Nesse sentido, em seus relatos, muitos dos entrevistados deixaram entrever toda a obediência que deviam aos pais, ao revelarem que só iam a alguma festa ou mesmo à casa da namorada se o pai desse a permissão.

Antes de iniciarmos a segunda parte de nossa travessia pelos sertões do Baixo-Jaguaribe, gostaria de dizer que se por um lado as lembranças individuais chegaram apenas a compor pedaços do passado em meio a tantos outros que caíram nas zonas do esquecimento, por outro, faz-nos perceber que tanto os sertões do trabalho como os sertões das festas sobrevivem enquanto memória possibilitando aos velhos camponeses manterem vivo o vínculo com o passado.

Se na primeira parte do trabalho, através da memória, que é memória do vivido, que é experiência social, atravessamos a dimensão da vida cotidiana dos camponeses, a partir do seu recorte principal que é o trabalho, nesta segunda parte atravessaremos as situações que alteram o ritmo dessa cotidianidade. Para isso, elegi, dentro do universo temático sugerido pelas memórias, as secas, as