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Subnúcleo 3.3 Organização do trabalho pedagógico

3 A TEORIA DAS REPRESENTAÇÕES SOCIAIS

5.4 Núcleo 3 – Estrutura e funcionamento da escola

5.4.3 Subnúcleo 3.3 Organização do trabalho pedagógico

São interessantes as falas dos alunos acerca do processo de ensino e aprendizagem: eles não o restringem nem à sala de aula, nem à figura do professor, nem às aulas expositivas, elementos tão comuns na instituição escolar.

[...] Nós aprendemos com o livro, com a professora, com um simples animal, com nós mesmos, com amigos, com a mãe, o pai, o irmão. Se nós estudarmos, nós sempre aprendemos mais. Com jogo. (PA, AL1)

Observam-se aqui apelos – que encontram eco em várias produções – para que se ocupem espaços outros de que a escola dispõe, como a sala de informática e a biblioteca, mas que, infelizmente, poucas vezes são utilizados em benefício do processo de ensino e de aprendizagem, conforme podemos inferir a partir das produções:

Além de aprender matemática, aprender português, ciências, geografia tem muito mais do que essas matéria, no ano passado nós não fomos a biblioteca nesse ano eu quero ir para ler vários livros […] (PA, AL13)

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Eu queria ter mais passeio, mais horário de lanche, mais brincadeira, mais Educação Física e queria ir mais vezes na informática e na biblioteca [...] (PA, AL1)

Em todo lugar na escola se aprende: na biblioteca, na informática, na Educação Física, em artes e etc. (PA, AL14)

As expectativas de frequentar a biblioteca, a sala de informática, entre outras, são pertinentes. Essas falas indicam que os alunos são sensíveis à organização do trabalho pedagógico, seus tempos e espaços de realização. Ninguém melhor que eles, usuários diretos, para confrontar as práticas que vêm sendo realizadas.

O anseio por ficar ao ar livre, sair da sala de aula, é notório:

Gosto: aulas ao ar livre, filmes, informática, biblioteca, livros, professora, artes, passeios. (PC, AL8)

[...] e quando a professora deixa a gente trabalhar ao ar livre e de algumas lições. (PC, AL15)

A representação de uma escola como um modelo de ensino diversificado, com tempos e espaços reorganizados, é o desejo latente que se observa nas produções. Interações da escola com a comunidade, através de festas, por exemplo, também são muito valorizadas pelas crianças:

Aqui na escola eu gosto de muita coisa [...] e principalmente das festas da comunidade. (PC, AL20)

Na figura seguinte, além de referir-se às festas da escola, a aluna também faz referência ao uso de jogos na escola:

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Figura 15 – Orientação: O que eu gosto na escola (PB, AL2).

Outras organizações dentro de sala, como dispor as carteiras em roda para realizar algumas atividades, como a leitura de textos livres ou a roda de conversa, também são atividades destacadas pelas crianças:

Eu gosto muito quando a professora Carina forma a roda por que a gente tem a oportunidade de compartilhar nossas ideias com a turma toda. (PA, AL24)

Ah, eu já ia me esquecendo, eu também gosto de ir para a sala da Daniele, para ler texto livre. (PC, AL24)

Além de apontarem possibilidades de trabalho diversificadas dentro de sala de aula e referirem-se aos espaços da escola para além da sala de aula, os alunos também mencionam a necessidade da organização de feiras e eventos para que exponham seus trabalhos escolares, apontando para a necessidade de um diálogo entre suas produções e os membros da comunidade escolar.

Eu gostaria de falar o que devia melhorar na escola [...] ter feira de ciências. [...] ter mais passeio ao cinema. [...] ter apresentação. Essas são as coisas que eu gostaria que melhorassem na sala e na escola. (PD, AL27)

Em síntese, os alunos apontam a necessidade urgente de repensar os modelos de ensino tradicionais, centrados na sala de aula e na aula expositiva. A representação de uma escola tradicional é assim questionada e posta em xeque, na medida em que

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não supre todas as necessidades e desejos das crianças.

Um estudo que pretende ir além do “ouvir” as crianças e buscar uma escuta atenta deve levar à seguinte questão: “O que podemos aprender com o que as crianças nos dizem?” ou “O que podemos aprender a partir de suas representações?” Este será o objetivo a ser perseguido no capítulo seguinte.

91 6 DISCUSSÃO

Este capítulo apresenta a discussão dos dados analisados, a partir dos pressupostos teóricos da pesquisa, bem como uma interlocução com autores e pesquisas que se aproximam do tema investigado. Vale reforçar que o foco desta pesquisa recai sobre a identificação e análise das representações sociais acerca da escola, de alunos do ensino fundamental, atores centrais e, paradoxalmente, pouco ouvidos a esse respeito. Dada a filiação com a abordagem processual das representações sociais, aprofundada por Denise Jodelet, é importante também avançar na questão da análise da construção das representações sociais, a partir dos elementos objetivados e ancorados nas representações de escola dos alunos.

Analisando os processos de construção das representações sociais, principalmente através dos mecanismos de ancoragem e objetivação, os quais requerem a ativação da memória e a relação com categorias de pensamento preexistentes, é possível observar que os mecanismos sociais interferem na construção destas representações, e as representações, por sua vez, interferem nas interações sociais, num contínuo movimento de mão dupla.

Os dados sugerem que as crianças não tiveram dificuldade de se expressar a respeito da escola: esta já é, para elas, uma instituição familiar. Suas representações são pautadas em sua experiência cotidiana, onde vivenciam a escola real e nas conversações em casa, com amigos, além das veiculadas na mídia e na internet, onde podem imaginar e idealizar este lugar.

Referente à apresentação dos resultados, podem-se elencar alguns elementos que constituem as representações sociais de escola dessas crianças: uma escola que tem por função garantir o acesso ao conhecimento socialmente valorizado, em especial o ler e o escrever, mas que também é o espaço das relações, o lugar da brincadeira e uma ponte que dará acesso a uma vida melhor, via mundo do trabalho. Além disso, é um ambiente cuja organização das práticas pedagógicas (estrutura e funcionamento) é questionada, sendo possível inferir que as crianças sinalizam a urgência de uma educação integral, preocupada em desenvolver também as dimensões motoras e afetivas, além das cognitivas. Esses elementos reforçam e trazem à tona a questão da

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complexa tarefa/demanda da escola nos dias atuais.

Através das produções das crianças, verificaram-se inúmeras expectativas, os (des)gostos, as denúncias e propostas, bem como a reivindicação por melhorias. A partir destes elementos, foi possível vislumbrar os conteúdos das representações de escola, inferir os aspectos da formação destas representações, bem como o de um ideal de escola que circula nos discursos, nas representações.

Principalmente nas produções relativas às sugestões dos alunos, foi possível inferir as expectativas que eles têm sobre a escola, seus desejos, e, também, suas representações sociais, já que estas se relacionam com as expectativas, como explicita Rangel (1996, p. 287):

"Ser" ou "dever ser" mesclam-se nas percepções e conceitos. E a imagem "ideal" pode então interferir na percepção da imagem real do objeto. Assim, ao mesmo tempo que inseridas nas práticas cotidianas, "as representações consistem numa das vias de apreensão do mundo concreto, circunscrito em seus alicerces e em suas circunstâncias" (Moscovici, 1978, p.44), elas também se constituem elementos de "pré"- visão dos fatos determinados pela cultura e pelas "instituições" (ou organizações) sociais, às quais os sujeitos pertencem.

A tensão entre a escola que se tem e a que se deseja foi colocada o tempo todo pelas crianças.

Os dados não permitiram acessar os conflitos que ocorrem na escola, de forma que, embora os alunos façam críticas e sugestões, aparecem muito mais os aspectos positivos da mesma. Vêm à tona, inclusive, as idealizações nas falas deles: idealizações de escola, da figura do professor, e das próprias crianças. Neste sentido, embora este não tenha sido o foco deste estudo, salienta-se o quanto são importantes os trabalhos como os de Madeira (1991) e Franco (2004), que articulam o conceito de Representações Sociais e Ideologia a fim de promover o desenvolvimento da consciência:

Portanto, dizemos que as representações sociais idealizadas, a compreensão abstrata do mundo, a incorporação de meias verdades manipuladoras levam a discutir sua necessária desconstrução e, consequentemente, o desenvolvimento da consciência. (FRANCO, 2004, p. 179, grifo nosso)

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Por fim, destaca-se a importância de dar voz aos alunos e compreender suas representações de escola, com vistas a uma melhor compreensão das relações que perpassam este complexo ambiente, bem como repensar sua estrutura e organização.

A seguir, cada uma dos pontos elencados para discussão serão apresentados. Dado que o universo escolar é vasto e complexo, foram escolhidos para a discussão os temas julgados centrais nas falas das crianças e que mais contribuem para se repensar a lógica da escola, com vistas a torná-la mais justa e inclusiva.