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CAPÍTULO I : O TABU DO FEMINISMO / CONTRIBUIÇÕES DE MULHERES NA

1.3 O Sufragismo no Brasil

No Brasil, o movimento sufragista desenvolve-se de forma organizada a partir da segunda década do século XX. Entretanto, ressalta-se que o sufragismo fez seus primeiros anúncios por intermédio das proto-feministas já enunciadas nesta pesquisa, as quais, mesmo sendo vozes solitárias, não se deixaram intimidar e encontraram meios de expor seus ideais de emancipação.

Mesmo sem o direito ao voto, Leolinda Daltro, professora que também defendeu causas contra o extermínio dos índios e contra o autoritarismo da catequese, e Gilka Machado, poetisa simbolista18, fundaram em 1910 o Partido Republicano Feminino. Esse partido era composto por pessoas que não tinham direitos políticos, mas que tomaram uma posição clara em relação ao objetivo de sua luta pelos interesses das mulheres na esfera política, tanto os relacionados à sua emancipação e independência quanto os que diziam respeito ao fim da exploração sexual. Como mostram Alves e Pitanguy (1984), o objetivo principal desse partido foi instigar o debate no Congresso Nacional o direito ao voto para as mulheres.

O sufragismo no Brasil teve seu marco inicial no ano de 1920, sendo sua principal referência Berta Lutz. É também denominado de ―Primeira Onda‖ do movimento feminista, e constituiu-se da reivindicação da extensão dos direitos políticos às mulheres.

18 Ser Mulher ... Ser mulher, vir à luz trazendo a alma talhada para os gozos da vida; a liberdade e o

amor; tentar da glória a etérea e altívola escalada, na eterna aspiração de um sonho superior... Ser mulher, desejar outra alma pura e alada para poder, com ela, o infinito transpor; sentir a vida triste, insípida, isolada, buscar um companheiro e encontrar um senhor... Ser mulher, calcular todo o infinito curto para a larga expansão do desejado surto, no ascenso espiritual aos perfeitos ideais... Ser mulher, e, oh! atroz, tantálica tristeza! Ficar na vida qual uma águia inerte, presa nos pesados grilhões dos preceitos sociais!

Publicado no livro Cristais partidos (1915). In: MACHADO, Gilka. Poesias completas. Apres. Eros Volúsia Machado. Rio de Janeiro: L. Christiano: FUNARJ, 1991, p. 106. Acessado em: palavrastodaspalavras.wordpress.com/2008/06/17/ser-mulher-poema-de-gilka-machado/ acesso em 2 de maio de 2011 as 10:41h.

33 Bertha Lutz (1894-1976)19 foi a segunda mulher brasileira a entrar no serviço público por meio de concurso. Ela foi uma das responsáveis pela organização do sufragismo no Brasil, um movimento de mulheres organizadas buscava trazer a opinião pública a seu favor para ampliar a base de apoio às suas reivindicações. Como mostra Céli Regina Jardim Pinto (2003), em sua pesquisa sobre o histórico do feminismo no Brasil, naquele momento fez-se presente o movimento feminista brasileiro bem comportado, que não discutia a exclusão das mulheres da vida pública, mas sugeria a complementação da vida pública com atividades executadas pelas mulheres, com a finalidade do bom andamento da sociedade.

No ano de 1919 foi organizada a Liga pela Emancipação Feminina, liderada por Bertha Lutz. Em 192220 houve a mudança de nome para Federação Brasileira para o Progresso Feminino (FBPF), durante a realização do I Congresso Internacional Feminista no Rio de Janeiro. Ideias discutidas nesse congresso espalharam-se por outros estados do Brasil, mesmo com as dificuldades de deslocamento e comunicação da época.

A federação era composta por um grupo bastante homogêneo, é importante notar que eram mulheres com tal inserção social e cultural que lutavam por direitos políticos por meio da pressão junto aos poderes constituídos, no caso deputados e senadores [...] o feminismo bem comportado, na medida em que agia no limite da pressão intraclasse, não buscando agregar nenhum tema que pudesse pôr em xeque as bases das relações patriarcais (Pinto, 2003, p. 26).

No ano de 1936, Bertha Lutz assume a cadeira de deputada e promove a realização do III Congresso Nacional Feminista. Como mostra Pinto (2003), com o advento do golpe de 1937 liderado por Getúlio Vargas, que originou o Estado Novo, e o regime político brasileiro agora mais centralizado e autoritário, a FBPF perdeu seu espaço e teve fim sua movimentação. Mesmo depois da redemocratização, em 1945, a FBPF não voltou mais à atividade.

Em paralelo à organização da FBPF, houve ações de mulheres que não faziam parte dela, como as de Elvira Komel. Mineira formada em Direito, aos 23 anos criou um

19 Filha do médico e cientista Adolfo Lutz, pioneiro na aérea de epidemiologia e doenças infecciosas. Teve a oportunidade de estudar Ciências Naturais na Sorbonne, em Paris. Foi lá que tomou contato com os movimentos feministas da Europa e dos Estados Unidos.

20 No Brasil, o ano de 1922 foi intensamente marcado por acontecimentos polêmicos, e por discussões sobre a sociedade brasileira. Houve a criação do Partido Comunista, a Semana de Arte Moderna, o Tenentismo e a Coluna Prestes.

34 movimento chamado Batalhão Feminino, com o alistamento de 8.000 mulheres trabalhavam na retaguarda do movimento feminista, o qual apresentava um teor mais revolucionário do que o proposto pelas sufragistas. Outro destaque é Julia Alves Barbosa, do Rio Grande do Norte, que em 1927 defendeu seus direitos de cidadã com a alegação de ter ―qualificação de maior, solteira, com rendimentos próprios, portanto apta a exercer sua cidadania‖ (Pinto, 2003, p. 27). Essas ações de mulheres direcionadas à formação de opinião e ao serviço dos ideais de libertação e emancipação deram-se com maior pragmatismo e foram direcionadas aos lideres políticos, o que difere do movimento mais comportado da FBPF21.

Como mostra Pinto (2003), houve outra vertente de ações que contou com a presença feminina defendendo a educação para a mulher e se posicionando contra a dominação dos homens e seu interesse em deixá-las fora do mundo público. Essas ações tiveram voz pela imprensa alternativa, e são consideradas a face menos comportada do feminismo brasileiro no início do século XX. Elas surgiram como consequência das propagadas ideias do liberalismo. Além do sufrágio, essas ideias conclamavam à luta pelo ingresso das mulheres em escolas públicas e também por seu direito a uma educação científica, além de chamarem a atenção para as questões sociais vinculadas à família, como a proteção contra a violência doméstica. Defendiam ainda questões relacionadas às mulheres trabalhadoras dentro da perspectiva igualitária de seus direitos fundamentada nos direitos humanos. Segundo Pinto (2003),

O movimento feminista se expressou de diferentes formas, com diferentes graus de radicalidade e mesmo com diferentes ideologias [...] o direito de votar e ser votada. Esta foi a porta de entrada das mulheres na arena de luta por seus direitos, não só no Brasil, mas em todo o mundo ocidental (Pinto, 2003, p. 38).

Para pôr em prática essas diferentes formas de luta, mulheres com trajetórias distintas adotavam estratégias diversas. Destacando-se significativamente na luta pela causa da mulher, essas ativistas propunham a revisão de comportamentos com a finalidade de estruturar uma nova sociedade, através de movimentos de formação de opinião que, segundo Pinto (2003), buscavam alastrar a participação política por

21 É importante salientar que nesse período houve muitas mulheres envolvidas e empenhadas no movimento sufragista, que desenvolveram importantes ações. O estudo delas demanda pesquisas específicas para tratá-las com a dignidade merecida.

35 intermédio da inclusão de setores da sociedade que haviam sido marginalizados pela oligarquia.

Ainda segundo essa autora, houve muito preconceito contra as mulheres que se expressavam em passeatas, nos enfrentamentos da justiça e nas suas atividades como mulheres livres e pensadoras que criavam jornais, e escreviam livros e peças de teatro. No entanto, algumas não se intimidaram e enfrentaram os preconceitos, mantendo-se apoiadas em suas reivindicações de cunho político.

Algo importante a ser considerado é o fato de que no início do século XX havia alto índice de analfabetismo no Brasil, maior entre a população de baixa renda, sendo entre as mulheres ainda mais alarmantes. Mesmo assim, os meios de comunicação de massa tais como jornais, panfletos e pasquins foram utilizados pelas feministas, e foi com esse recurso que elas propagaram suas manifestações. Segundo Pinto (2003), tratava-se da tentativa de dialogar com a sociedade e garantir a permanência e a circulação das ideias. Estabeleceu-se um processo longo e lento, mas insistente e contínuo, que pregava educação às mulheres e sua conscientização real, pois a ideia era de que a educação seria um meio pelo qual as mulheres conquistariam sua emancipação. De acordo com Piscitelli,

Entre as décadas de 1920 e 1930 as mulheres conseguiram, em vários lugares, romper com algumas das expressões mais agudas de sua desigualdade em termos formais ou legais, particularmente no que se refere ao voto, à propriedade e ao acesso à educação. (Piscitelli, 2002 p. 29)

Pode-se destacar na história dessa época a importante conquista do direito ao voto no ano de 1932, assim como as leis de proteção ao trabalho de mulheres em 1934. Vale dizer também que nesse mesmo período houve a criação de diversas associações, ligas e clubes que possuíam programas voltados a discutir a participação da mulher na sociedade e sua emancipação.

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