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A análise dos dados tem no referencial teórico sua âncora. A teoria servirá de guia de leitura. “Ou seja, a partir da teoria e de um conhecimento prévio exploratório do material a ser analisado se elabora um sistema de categorias temáticas, através do qual se classifica de forma exaustiva o material analisado” (CORTES, 1998, p.33). As categorias são de extrema relevância, pois estabelecem o vínculo entre o problema de pesquisa e os resultados. A primeira etapa da categorização se expressa no questionário. Ele revela as variáveis e suas possíveis categorias. Tendo como elemento chave a questão da injustiça social, nos deparamos com um desafio comum nas ciências políticas: um conceito como este não pode ser suficientemente expresso através de variáveis categóricas.

Grande parte dos estudos em ciências sociais utiliza como sua base analítica clássica a “lógica aristotélica”, ela conduz a uma linha de raciocínio baseado em premissas e conclusões. Esta epistemologia se traduziu na “lógica booleana” na qual uma afirmação é falsa ou verdadeira, não admitindo verdades ou falsidades parciais. Quando classificamos uma unidade de análise como de acordo com uma categoria específica de uma dada variável, estamos associando-a a um conjunto e, normalmente nos baseando na “lógica aristotélica” para tal. Entretanto, cada vez mais os cientistas têm percebido que esta lógica apresenta limites. São eles: a incerteza inerente a uma definição pouco clara dos limites de um conjunto; e, a dificuldade de classificar elementos que se situam na fronteira, ou seja, que têm características inerentes de dois conjuntos. Estas dificuldades decorrem da impossibilidade de classificar diversas experiências humanas simplesmente como falsas ou verdadeiras, ou seja, a teoria dos conjuntos clássicos (crispy sets), na qual o pertencimento a uma categoria assume valores no intervalo de um a zero, não é suficiente para representar as enormes imprecisões do cotidiano89.

89 Podemos citar como exemplos das imprecisões do cotidiano: a simples afirmação de que o dia está ensolarado, por exemplo, deixa clara este desafio. Somente poderíamos reconhecer esta afirmação como 100% verdadeira se não houver nenhuma nuvem no céu e como 0% se nesse dia tiver chovido durante todo o dia, entre eles existem diferentes graus de proximidade ao este conjunto; dificuldades também ocorrem com a simples definição de calor ou frio, duas pessoas em um mesmo ambiente podem classificar o dia de forma diferente.

A lógica que suporta os modos de raciocínio que são aproximados é também conhecida como “lógica fuzzy”, ou também, lógica difusa ou nebulosa. A “lógica fuzzy” foi desenvolvida por Lofti A. Zadeh em 1962, na Universidade de Berkeley, Califórnia, Estados Unidos. Ela combina lógica multivalorada, teoria probabilística, inteligência artificial e redes neurais para representar pensamento humano. Muitos conceitos são melhor definidos por palavras do que por matemática. Os fuzzy sets (conjuntos nebulosos) oferecem aos pesquisadores uma álgebra interpretativa. Seu potencial para as ciências sociais está na possibilidade de dar vida, intensificar e ampliar o diálogo entre idéias e evidência na pesquisa social, ou seja, entre teorias e análise de dados.

A “lógica fuzzy”, então: (a) opera com variáveis lingüísticas90; (b) insere o conceito

de dualidade, estabelecendo que algo possa coexistir com seu oposto; (c) reconhece que um elemento pode pertencer, em certo grau, a um conjunto e, em outro grau, a outro; (d) assume que as variáveis podem assumir um valor no intervalo entre 0 e 1 (o valor assumido corresponde ao grau de pertinência ou de pertencimento ao limite/conjunto estabelecido e indica o quanto o evento estudado tem das características que comporiam o perfil de referência); (e) permite que se calibrem melhor as medidas e de forma mais sensível, a partir do conhecimento teórico e substantivo. Ou seja, na “lógica fuzzy” estados qualitativos e variações por nível estão corporificados em um mesmo instrumento.

Ragin (2000) apresenta exemplos do uso de fuzzy sets nas ciências sociais. Dentre os exemplos apresentados destaca-se aqui, para fins ilustrativos, sua referência à identificação de países democráticos. Normalmente, se fosse usada à “lógica booleana”, os países seriam simplesmente classificados como democráticos ou não democráticos, ou criaríamos categorias intermediárias e os vincularíamos intuitivamente a uma das categorias criadas. Usando a “lógica fuzzy”, a partir das variáveis que caracterizam um país democrático, seriam definidas as regras de pertencimento ao grupo democrático (um perfil de referência). A análise conjunta de como o país se comporta em relação a cada variável que compõe o conjunto de

90 Exemplo de variáveis lingüísticas: democrático, excluído, desigual. Estas variáveis podem conter modificadores: muito, pouco, mais ou menos...

regras permitirá a definição do grau de pertencimento do mesmo à categoria estudada. O grau de pertencimento é definido a partir do cálculo da distância do caso real em relação ao perfil de referência construído. Desta forma, utiliza-se este instrumental matemático para classificar ou reconhecer padrões a partir de regras estabelecidas a partir da teoria em estudo.

Figura 2 – Conjuntos Discretos x Nebulosos Conj unt os discr e t os

n Per t encim ent o: 0 ou 1

n Lei da não cont r adição:

Per t encer ou não- per t encer cobr em t odas as

possibilidades

n Per t inência

É a car act er íst ica associada a um elem ent o que o faz par t e de um conj unt o

Conj unt os n e bu losos

n Per t encim ent o: 0 a 1

n Lei da Dualidade:

Algo pode e dever coexist ir com seu opost o

n Gr au de per t inência:

Gr au de pr oxim idade de um elem ent o a um conj unt o

Fonte: Elaboração própria

A utilização conjunta das técnicas de análise de conteúdo temática e Fuzzy Logic é o que vai nos possibilitar a inferência. “A inferência, segundo Bardin, é uma operação lógica pela qual se admite uma proposição em virtude de sua ligação com outras proposições já aceitas como verdadeiras, é uma forma de intepretação controlada” (PEREIRA, L.H., 1998, p.99). A autora destaca que, na inferência, temos dois desafios: identificar os fatores que conduziram a um enunciado e quais as conseqüências do enunciado. Ela foi utilizada na expectativa de que permita a construção de clusters91. Os clusters, tomando como referencial teórico o paradigma

de Fraser, por sua vez, vão ser a base para a definição das tipologias dos programas sociais da PBH em 2006.