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2. ENQUADRAMENTO

2.1 O TEMA/LOCALIZAÇÃO

A urbanização crescente ao longo de todo o litoral português principalmente a partir do séc.XIX assumiu proporções inimagináveis nas últimas décadas do séc. XX. Tal como no resto da Europa, em Portugal o desenvolvimento das cidades litorais foi o reflexo da procura e o desejo dos “banhos de mar” (Dias, 2005, Freitas, 2007), do melhoramento dos transportes e vias de comunicação, do crescimento demográfico e da instalação de infra-estruturas ligadas ao turismo e lazer, assim como as urbanizações associadas à especulação fundiária e às políticas “desenvolvimentistas” das empresas de construção civil (Cardoso, 2007). Estes são os principais fatores que têm causado maiores modificações no litoral e consequências altamente desequilibradoras de todo o meio físico costeiro. Neste contexto, a erosão do litoral, a poluição das águas marítimas e a destruição de ecossistemas têm sido os principais problemas costeiros que em muito influenciam a vida das populações (Freitas, 2007), nomeadamente pelo recuo da linha de costa que se tem vindo a verificar ao longo de todo o litoral português, principalmente por ação natural, com a redução do fluxo de sedimentos dos rios para o litoral e com a urbanização e industrialização das zonas costeiras. Esta crescente exploração dos recursos naturais pelo Homem fez com que muitas espécies da fauna e flora esteja atualmente em risco de extinção (Salvarani, 2013) ou mesmo já se encontrem extintas daí que seja crucial para o futuro dos ecossistemas que estes sejam recuperados ou mesmo repostos.

As dunas, pela sua localização privilegiada junto ao mar e pela sua cobertura natural, tornam-se apelativas ao recreio (Cobham, 1990) desempenhando um papel crucial na defesa da linha de costa contra a erosão, pela sua ação de consolidação/estabilização, apesar da sua alta vulnerabilidade ao pisoteio (Gray & Sotir, 1996).

A importância dos sistemas dunares reside no fato de estes serem sistemas espantosamente tolerantes à salinidade, à falta de matéria orgânica, à alta exposição solar e à escassa disponibilidade hídrica e uma vez estabilizadas são importantes dissipadores de energia que reduzem a energia das ondas por absorção de forma mais flexível que estruturas mais rígidas de proteção costeira como os diques da Holanda (McHarg, 1967) e ainda protegem as zonas costeiras da ação erosiva do

16 vento e das ondas pela barreira que estabelecem com uma diversa comunidade vegetal (USGS, 2004).

Face ao exposto anteriormente, torna-se premente proteger estes sistemas, e uma das formas tem sido através da construção de passadiços sobrelevados, regra geral de madeira, por forma que a vegetação se possa desenvolver e desempenhar o seu papel protetor de estabilização por baixo desta estrutura. Deste modo as pessoas podem circular sem interferir negativamente no sistema dunar (Gray & Sotir, 1996). Outras soluções auxiliares de fixação das areias das praias e da vegetação são o uso dos para-ventos (ripados ou paliçadas) sendo a sua manutenção crucial no processo, e ainda o uso das espécies Hippophae rhamnoides (espinheiro-marítimo) fixadoras de azoto e da Ammophila arenaria (estorno) procurando a regeneração natural das dunas (Cobham, 1990; Cardoso, 2007). Muitas vezes quando a vegetação dunar é afetada ou destruída formam-se dunas migratórias, o que constitui um caso comum às costas do oceano Pacífico e Atlântico (Olafson, 1997) e estas adaptam-se e são modeladas pelas oscilações das marés e dos ventos. Com a ajuda da vegetação que se fixa nelas e aprisiona parte da areia em movimento, ao fim de um certo tempo e em condições favoráveis chega-se a uma forma harmoniosa e ondulada de crescimento gradual para o interior. Processos como a cobertura das dunas erodidas e corredores de deflação eólica com materiais provenientes de limpezas de matos como as ramagens e ainda o sargaço, constituem-se recursos baratos locais que podem ser utilizados para a acumulação de sedimentos eólicos e criar condições favoráveis para o desenvolvimento da vegetação (Cardoso, 2007). Segundo o mesmo autor (2007) pode-se ainda proceder a um reperfilamento da duna procurando chegar a um perfil “ideal”. No entanto só é indicado no caso de a duna apresentar uma elevada erosão e um alto estado de degradação do cordão dunar ao nível do coberto vegetal pois toda a movimentação de areias destrói a vegetação que ainda existe e requer outras técnicas complementares para que a duna possa estabilizar para além das replantações. Concomitantemente com os problemas já descritos, a existência de indústrias em contextos urbanos e junto a sistemas dunares traz efeitos negativos acrescidos. As indústrias inserem-se no meio urbano pela sua componente económica e social, mas habitualmente são fonte de desequilíbrios ambientais, e esta degradação da paisagem tem custos acrescidos na mitigação dos problemas ambientais (Pardal, 1988). Os efeitos negativos das áreas industriais podem manifestar-se em impactes visuais, impactes na paisagem, efeitos ambientais adversos e suas repercussões externas, e daí se torna essencial que os projetos de intervenção na paisagem devam salvaguardar os bens públicos (Turner, 1998).

17 Segundo Turner (1998), a poluição e as poeiras tornam-se um problema muito relevante nas cidades atuais, sobretudo em dias quentes, principalmente para pessoas com problemas respiratórios, mas afetando todas as demais. As refinarias são particularmente propensas a distúrbios ambientais e de saúde pública, tanto para os trabalhadores como para a população em geral, por lidarem com substâncias provenientes do petróleo, os hidrocarbonetos aromáticos altamente nocivos para os animais e plantas (por serem poluentes orgânicos de características comprovadamente carcinogénicas e neurotóxicas), em que muitos dos componentes derivados do refinamento são libertados na atmosfera, em efluentes que são pré- tratados no interior da indústria e resíduos sólidos (Favera, 2008; Gurgel, 2009). A afetação da costa com produtos petrolíferos foi identificada como um problema dos mais danosos para os ambientes costeiros, com as implicações negativas ao nível ambiental, cultural e socioeconómico (Santos, 2009).

Neste contexto, e face à importância crescente destas problemáticas surge a escolha deste tema, incluindo como espaço territorial em análise, uma área inserida num contexto de forte erosão costeira em que houve profundas alterações ecossistémicas por ação humana ao longo dos tempos e mais recentemente com o aterro que deu nome à praia (Praia do Aterro) com impactes negativos importantes que daí resultaram tanto ao nível da erosão da linha de costa como em termos ambientais. A perda dos ecossistemas costeiros, com a destruição da vegetação nativa e a inserção numa área costeira de elevado valor recreativo e patrimonial, levou à seleção desta área em particular.

As áreas costeiras em Portugal são dos espaços nacionais que têm apresentado uma maior dinâmica e um maior risco ambiental associado, principalmente pela crescente pressão humana no litoral (Cardoso, 2007; Gonçalves, 2011). A principal consequência desta ocupação crescente é um aumento da erosão costeira e a destruição parcial ou total dos sistemas dunares. O objeto desta dissertação é a requalificação duma dessas áreas fustigadas pela ação do mar, ventos fortes e pressão humana, nomeadamente ao nível industrial que tornou esta zona costeira particularmente vulnerável à erosão pelo aterro efetuado.

A área em estudo insere-se na região norte no distrito do Porto (Figura 2), concelho de Matosinhos (Figura 3), engloba as freguesias de Leça da Palmeira e Perafita e situa-se na praia do Aterro (Figura 4), englobando o Cordão dunar de Leça da Palmeira entre a capela da Boa Nova e a Praia do Cabo do Mundo.

18 Figura 2 - Localização Regional e Distrital

(Fonte: Google Earth)

Figura 3 - Localização distrital e concelhia (Fonte: Google Earth)

Figura 4 - Localização da praia do Aterro em Matosinhos (Fonte: Google Earth)

Todas estas alterações profundas na paisagem, pelo aterro efetuado com areia proviniente da dragagem de parte da doca de Leixões na década de 40 e mais tarde na década de 60 resultantes da implantação da refinaria de Matosinhos, acabaram por criar condições propícias ao recuo da linha de costa. O aterro de grandes dimensões exposto às investidas do mar, pela sua inclinação acentuada e pela destruição da vegetação nativa com maior poder se fixação do cordão dunar, foi dizimada quase por completo ao longo do século XX onde a vegetação sobretudo invasiva, proliferou. Estas alterações profundas do sistema costeiro ao longo dos tempos acrescidos da forte urbanização e industrialização de Leça da Palmeira refletiram-se o ao nível da qualidade do ar, da água, dos solos com implicações negativas tanto na saúde e bem estar da população envolvente, como na perda de biodiversidade com a destruição de habitats e falta proteção dos recursos naturais. Seguiu-se a destruição dos sistemas dunares quase por completo, a degradação das ribeiras e dos ecossistemas marinhos, e consequente agravamento da problemática da erosão acentuada neste espaço costeiro. No caso do meio que foi o nosso objeto de estudo, dadas as dimensões da refinaria de Matosinhos existente do lado nascente da área litoral a requalificar e ao aterro efetuado aquando da sua construção, torna-se crucial uma requalificação que

19 possibilite a criação de um sistema dunar próximo do natural constituindo uma proteção a longo prazo da linha de costa e melhoraria do enquadramento paisagístico da refinaria que é opressor das valências patrimoniais naturais e culturais.

Esta taxa de erosão pode ser ainda acrescida por ação humana com a remoção ou deterioração da vegetação, compactação dos solos e outras movimentações do terreno que influem no escoamento superficial da água (Gray & Sotir, 1996), que pelo aterro presente com as movimentações de areias ao longo dos tempos e possíveis depósitos ilegais de areias e entulho levou a uma elevada perda da biodiversidade, sobretudo com a compactação dos solos que impossibilitou um desenvolvimento de plantas dunares perenes.

As transformações do espaço urbano ao nível global traduzem-se numa falta de proteção ambiental dos ecossistemas cada vez mais sujeitos à pressão antrópica. Estas transformações revelam-se muitas vezes em elementos isolados nos parques e jardins em vez de fazerem parte de um sistema essencial ao funcionamento biofísico da cidade. Estes espaços permeáveis são fundamentais para a regulação dos recursos hídricos e prevenção de cheias, a redução do efeito "ilha de calor" urbano através da evapotranspiração da vegetação com a amenização da vegetação. Os espaços verdes apresentam assim funções vitais ao ser humano, tanto como espaços de recreio e sociabilização como “filtros” ambientais.

Felizmente existe um alerta global face às alterações climáticas cada vez mais claras e as pessoas têm adoptado nos últimos tempos medidas que visam tornar a sua presença no planeta menos danosa para o ambiente e a adoptar medidas e formas de viver mais “sustentáveis” que as utilizadas até então com destaque para a utilização progressiva de energias limpas como a energia solar, eólica, das ondas e geotérmica (NREL, 2014).

Apesar da identificação destas ameaças à qualidade ambiental associados há uma forte pressão antrópica na freguesia de Matosinhos. No âmbito deste trabalho efetuou- se uma entrevista com o responsável pela área Ambiente Qualidade e Segurança da refinaria de Matosinhos, onde foi possível entender o forte compromisso da Galp com a população envolvente em baixar os valores dos poluentes, sempre bastante abaixo dos valores limite permitidos e em parte em melhorar a envolvência do espaço. O enquadramento paisagístico da refinaria já foi alvo de algumas intervenções através de ações conjuntas com a Câmara de Matosinhos de arborização das vias que a envolvem, como formas de dissimular a passagem do espaço industrial para o espaço residencial, assim como obras de requalificação ao longo da marginal que no caso

20 limite poente da refinaria não tiveram sucesso, talvez pela agressividade do meio em que a salinidade é um fator altamente inibidor do crescimento vegetativo assim como a baixa fertilidade do solo (Olafson, 1997) que aliada às altas temperaturas e ventos fortes associadas a um espaço litoral impossibilitaram um bom desenvolvimento da vegetação.

Pelos assuntos abordados serem de facto um desafio no tipo de intervenção que se poderá ter ao nível da Arquitetura Paisagista no cordão dunar de Leça da Palmeira que foi destruído e a possibilidade de “recriar” uma faixa dunar próxima do natural pela extensa área disponível (área do aterro), pela sua envolvência ser merecedora de novas soluções ao nível do enquadramento paisagístico pelo elevado carácter recreativo e turístico da zona, pelo património arquitetónico singular, pela riqueza histórica de Leça da Palmeira e pela oportunidade de recuperar um ecossistema costeiro degradado, foi escolhido este local para tentar responder e solucionar da melhor forma possível tanto os problemas de estabilização da duna frontal e as questões de melhoria ambiental associados à estabilização dunar como o usofruto do espaço e enquadramento dos elementos dissonantes da paisagem, a refinaria e a E.T.A.R. de Matosinhos.

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