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Nesta etapa, buscamos comparar, nas ROIs voltadas para os eletrodos (ânodo e cátodo) e entre células na longitudinal e na transversal, o tempo que a fluorescência associada à [Ca2+]i levava para retornar a valores próximos do repouso após a aplicação do pulso elétri- co subletal. Um tempo menor poderia ser um indicativo que a célula ou ROI se recuperou mais rapidamente do dano sofrido.

4.3.1 Materiais e Métodos

Um comportamento típico foi observado logo após a aplicação de um pulso suble- tal: o sinal de fluorescência ficava oscilando e permanecia elevado por vários segundos, retor- nando para valores próximos do valor em repouso caso a célula se recuperasse da lesão. Este comportamento representa o desbalanceamento da [Ca2+]i causado pela eletroporação e é mos- trado na Figura 35. Ela contém o traçado da fluorescência média F de uma ROI corrigida de desbotamento também por regressão linear, normalizada por Fest. O quatro primeiros picos correspondem aos transientes e o quinto corresponde à aplicação de um pulso com 15xET. Após isso, não há aplicação de estímulos elétricos e as variações são respostas intrínsecas da célula.

Figura 35: Gráfico ilustrativo da medida do tempo de recuperação. Gráfico preto contínuo representa a fluores- cência média normalizada pelos picos de estímulo de baixa intensidade (Fest); linha tracejada preta indica um

nível 20% acima do nível basal; duas linhas verticais pretas indicam um intervalo de 1 segundo; linha contínua vermelha representa o Tempo de Recuperação da célula.

Neste trabalho, definimos o Tempo de Recuperação como sendo o tempo decorri- do desde a aplicação do pulso subletal até a estabilização do sinal de fluorescência (linha vermelha na Figura 35). Por estabilização, consideramos a situação em a fluorescência média normalizada pelos picos de transiente permaneceu por pelo menos 1s abaixo de 20% dos pi- cos de transiente. A escolha desses valores foi baseada nos próprios resultados experimentais, pois a retomada da estimulação elétrica era impossível enquanto as oscilações do sinal de flu- orescência não cessassem. Após essa estabilização, as contrações em resposta a estímulos se tornavam possíveis, mas não necessariamente realizáveis, pois sua retomada variava caso a caso. Nas situações em que a célula não se recuperou até o final do vídeo, anotamos o tempo percorrido desde a aplicação do pulso até o final do vídeo (≈3min). Os Tempos de Recupera- ção foram calculados para as três ROIs (célula, ânodo e cátodo) em ambos os grupos experi- mentais (longitudinal e transversal).

Inicialmente, realizamos análise de sobrevivência com teste de comparação de curvas Log-rank (Mantel-Cox) para os Tempos de Recuperação da ROI da célula (grupos longitudinal vs transversal) a fim de investigar se haveria uma diferença entre as curvas para a ROI da célula. Nessas curvas, cada degrau para cima indica que, naquele instante de Tempo de Recuperação, uma célula recuperou a fluorescência de sua ROI para abaixo dos 20% dos picos de transiente.

Em seguida, para analisar se existe uma diferença local no Tempo de Recuperação entre as ROIs das extremidades das células, separamos todos os dados em ROI do ânodo e ROI do cátodo, independente dela pertencer ao grupo longitudinal ou transversal, e aplicamos a mesma análise de sobrevivência. Em seguida, redividimos os dados em grupos longitudinal e transversal, mas comparamos apenas as curvas para a ROI do ânodo. Posteriormente, fize- mos a mesma análise apenas para a ROI do cátodo. Como realizamos 3 comparações sobre o mesmo conjunto de dados, corrigimos manualmente os valores de P para múltiplas compara- ções nestas análises por Bonferroni, isto é, nestes casos foi considerada diferença estatística significativa somente para P<0,017.

4.3.2 Resultados

Dispusemos as curvas de recuperação resultantes das análises de sobrevivência na Figura 36. Na Figura 36A, mostramos as curvas de recuperação para ROI que engloba a célu- la, entre os grupos longitudinal (linha contínua) e transversal (linha tracejada). Em todos os gráficos, marcações em vermelho indicam o instante onde uma célula chegou ao final do ví- deo sem que sua ROI tenha conseguido se recuperar. Não houve diferença significativa entre os grupos longitudinal e transversal (P=0,331). Na Figura 36B, mostramos a comparação en- tre ROIs voltadas para o ânodo e voltadas para o cátodo, juntando os grupos transversal e lon- gitudinal (N=17) e houve diferença significativa (teste Log-rank Mantel-Cox: P=0,004; χ2=8,520; dF=1). A Figura 36C contém a comparação dos grupos apenas para a ROI do ânodo e não houve diferença significativa (P=0,762). A Figura 36D contém as curvas de recuperação para a ROI do cátodo dos grupos longitudinal e transversal e também não houve diferença significativa (P=0,544).

Figura 36: Curvas de porcentagem de células com ROI recuperada. Marcações em vermelho indicam células cuja ROI não recuperou até o final do vídeo. A. Curvas de porcentagem de células com ROI recuperada. Linha preta contínua corresponde ao grupo longitudinal (N=9) e linha tracejada preta corresponde ao grupo transversal (N=8). Não houve diferença estatística entre as curvas (teste Log-rank Mantel-Cox: P=0,331; χ2=0,946; dF=1) B. Curvas de porcentagem de células com ROI do ânodo recuperada (N=17, linha azul) e com ROI do cátodo recu- perada (N=17, linha verde), independente da orientação da célula. Houve diferença significativa entre as curvas

(teste Log-rank Mantel-Cox: P=0,004; χ2=8,520; dF=1). C. Curvas de porcentagem de células com ROI do âno-

do recuperada. Linha azul contínua corresponde ao grupo longitudinal (N=9) e linha tracejada azul corresponde ao grupo transversal (N=8). Não houve diferença significativa entre as curvas (teste Log-rank Mantel-Cox:

P=0,762; χ2=0,092; dF=1). D. Curvas de porcentagem de células com ROI do cátodo. Linha verde contínua cor-

responde ao grupo longitudinal (N=9) e linha tracejada verde corresponde ao grupo transversal (N=8). Não hou- ve diferença significativa entre as curvas (teste Log-rank Mantel-Cox: P=0,544; χ2=0,368; dF=1).

4.3.3 Discussão

A maioria dos cardiomiócito restabeleceram a fluorescência associada a [Ca2+]i para menos de 20% acima da fluorescência basal dentro de 3min, comportamento similar ao apresentado por outros tipos de célula (TERUEL; MEYER, 1997). Esses resultados refletem os resultados de [Ca2+]i: não foi observada diferença entre os grupos longitudinal e transver- sal em nenhuma ROI, mas foi observada diferença entre as ROIs, com a ROI do ânodo levan- do um tempo consideravelmente maior para se recuperar. O restabelecimento da [Ca2+]repouso é fundamental para a sobrevivência da célula, pois elevadas [Ca2+]i mantidas por tempo pro- longado podem levar à hipercontratura irreversível em miócitos isolados, além da ativação de enzimas proteolíticas dependentes de cálcio e dano mitocondrial (BERRIDGE; BOOTMAN; LIPP, 1998; KRAUTHAMER; JONES, 1997; MINEZAKI; SULEIMAN; CHAPMAN,

1994). Considerando que os principais mecanismos para o restabelecimento da [Ca2+]repouso envolvem a recaptação de cálcio pela SERCA, e extrusão para o meio extracelular por meio do trocador Na+/Ca2+ e pela ATPase de cálcio do sarcolema, é de se esperar que, se entrou mais Ca2+ através dos poros causados pela estimulação subletal, um tempo maior seria neces- sário para diminuição da [Ca2+]i.

Contudo, esperávamos que, se algum grupo demorasse um tempo maior para lidar com o selamento dos poros presentes no sarcolema, isto se refletiria como um maior tempo para o restabelecimento da [Ca2+]repouso inicial, ainda que isto não fosse observado por meio da [Ca2+]

i. Desta forma, essa análise seria uma segunda maneira, também indireta, de avali- ar a capacidade da célula em se recuperar do dano sofrido pelo pulso elétrico subletal. Como as conclusões foram semelhantes a [Ca2+]i, isto pode ser um indicativo de que essas medi- das estão diretamente ligadas.

5 INVESTIGAÇÃO DE EXOCITOSE COMO MECANISMO DE REPARO

5.1 CONTEXTUALIZAÇÃO E FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

A exocitose como parte do mecanismo de selamento após eletroporação é plausí- vel, pois ela é um fenômeno que depende de um aumento da [Ca2+]i (REDDY; CALER; ANDREWS, 2001; STEINHARDT; BI; ALDERTON, 1994). Ainda assim, os relatos na lite- ratura da exocitose como mecanismo de reparo foram produzidos em outros tipos de célula a partir de outros tipos de lesão como lesão mecânica (BI; ALDERTON; STEINHARDT, 1995; REDDY; CALER; ANDREWS, 2001; STEINHARDT; BI; ALDERTON, 1994; TOGO et al., 1999), introdução de ionóforos de cálcio (JAISWAL et al., 2004; JAISWAL; ANDREWS; SIMON, 2002) e por laser (BI; ALDERTON; STEINHARDT, 1995; DAVENPORT et al., 2016). Desta forma, não encontramos comprovação da exocitose como parte do mecanismo de reparo em cardiomiócito após sofrerem eletroporação. Além disso, se ela de fato ocorrer, ainda não há um consenso sobre como a fusão de vesículas auxilia o reparo da membrana, sendo as principais teorias até o momento a formação de um patch de vesículas, a diminuição da tensão superficial da membrana e a endocitose de poros (ANDREWS; ALMEIDA; CORROTTE, 2014; IDONE; TAM; ANDREWS, 2008; MCNEIL; KIRCHHAUSEN, 2005; MCNEIL; STEINHARDT, 2003).

Em todo caso, foi mostrado que uma maneira de caracterizar a exocitose é por meio da liberação de indicador fluorescente armazenado no lúmen de vesículas (JAISWAL et al., 2004; JAISWAL; ANDREWS; SIMON, 2002). Um composto utilizado para isso é o dex- trano marcado com isotiocianato de fluoresceína (Fluorescein isothiocyanate–dextran, FITC- dextran). Dextranos são polissacarídeos de variadas massas moleculares, com tipos nativos variando de 9 a 500 milhões, mas dextranos menores podem ser sintetizados, com massa mo- lecular variando de 2000 a 150000, e, no caso do dextrano 70000, seu raio Stokes aproximado é de 60 Angstroms (Sigma Aldrich, Merck, Darmstadt, Alemanha). Assim como o Fluo-3, é um composto baseado na fluoresceína e, portanto, seus picos de excitação e emissão são pare- cidos (λex=494nm/λem=521nm, ThermoFisher Scientific, Waltham, MA, EUA), de modo que a mesma configuração de filtros ópticos pode ser utilizada para ambos.

Consideramos que seria possível carregar o indicador FITC-Dextran no lúmen de vesículas de cardiomiócitos isolados de rato, similarmente ao já realizado em outros trabalhos com cardiomiócito isolados de camundongo (BATISTA et al., 2006; SOEIRO et al., 2002) e

que, após eletroporação, o conteúdo fluorescente seria liberado para o meio extracelular por meio de exocitose como parte do mecanismo de reparo. Algumas considerações importantes precisam ser feitas a respeito dessa hipótese:

1. As imagens dos trabalhos que reportaram exocitose dessa maneira foram pro- duzidas em sistemas de microscopia confocal ou de campo evanescente (JAISWAL et al., 2004; JAISWAL; ANDREWS; SIMON, 2002), enquanto que nosso sistema de microfluori- metria é do tipo widefield;

2. Os experimentos de exocitose em resposta a rupturas na membrana em células não-secretoras apresentaram atrasos para o início da detecção da exocitose que variavam de 30 a 100s (BI; ALDERTON; STEINHARDT, 1995; JAISWAL; ANDREWS; SIMON, 2002); 3. Em cardiomiócitos, é preciso levar em conta a presença do artefato de movi- mento após a aplicação de estímulos elétricos.

Assim, esperamos inferir a ocorrência de exocitose como um decréscimo numa média de fluorescência local ao invés de uma série de eventos pontuais como nos trabalhos citados. Além disso, devido à possibilidade do atraso na detecção da exocitose da ordem de dezenas de segundos, deve-se acompanhar a variação de fluorescência por pelo menos alguns minutos. Quanto ao artefato de movimento, várias estratégias podem ser empregadas. A utili- zação de solução extracelular sem Ca2+ poderia evitar as contrações celulares decorrentes da estimulação elétrica, porém o aumento da [Ca2+]i parece ser fundamental para a própria ocor- rência da exocitose. Outra opção é a utilização de drogas bloqueadores de movimentos, como BDM ou blebistatina, mas não é certo se essas drogas poderiam afetar as proteínas motoras responsáveis pelo deslocamento, ancoragem e fusão das vesículas. Outros modos de se atenu- ar o artefato de movimento seriam compensações via software ou aguardar o cessamento das contrações.