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Variação da Concentração de Cálcio Intracelular em Resposta a Pulso

4.2 CÁLCULO DA CONCENTRAÇÃO DE CÁLCIO E ANÁLISE APÓS PULSO

4.2.2.3 Variação da Concentração de Cálcio Intracelular em Resposta a Pulso

Apresentamos, na Figura 32, imagens de campo claro e de fluorescência e gráfi- cos da [Ca2+]i para cada região, de uma célula de cada grupo. A imagem de um cardiomiócito do grupo longitudinal e a direção do campo elétrico pode ser visualizada na Figura 32A. A imagem de fluorescência da célula logo após a aplicação do pulso subletal pode ser observada na Figura 32B. Nela também estão destacadas as ROIs voltadas para ânodo (azul) e para o cátodo (verde) e na Figura 32C estão os traçados de [Ca2+]i para essas seguintes ROIs com as mesmas cores, mais o traçado para a ROI da célula em preto. Nota-se um aumento da [Ca2+]i após a aplicação do pulso 15xET (instante de aplicação indicado pela seta preta) em relação aos estímulos com 1,2xET. A mesma situação ocorre para uma célula do grupo transversal (Figura 32F).

Figura 32: Imagens campo claro e de fluorescência e gráficos da [Ca2+]

i para cada região, de uma célula de cada grupo. A. Imagem campo claro de miócito do grupo longitudinal e direção do campo elétrico indicada. B. Ima- gem de fluorescência do miócito com ROIs voltadas para o ânodo (azul) e cátodo (verde). C. Gráfico da [Ca2+] i de cada região em função do tempo para o miócito do grupo longitudinal. Seta preta indica momento da aplica- ção do pulso subletal. D. Imagem campo claro de miócito do grupo transversal e direção do campo elétrico indi- cada. E. Imagem de fluorescência do miócito com ROIs voltadas para o ânodo (azul) e cátodo (verde). F. Gráfico da [Ca2+]

i de cada região em função do tempo para o miócito do grupo transversal. Seta preta indica momento da aplicação do pulso subletal.

Os transientes de Ca2+ em resposta aos estímulos de baixa intensidade para todas as células foram de 232,2 ± 16,5nM (média ± erro padrão da média). Ao analisarmos os dados de [Ca2+]

i para os grupos experimentais, geramos os gráficos da Figura 33. Na Figura 33A apresentamos a comparação para ROI que envolve toda a célula entre os grupos longitudinal (barra lisa) e transversal (barra quadriculada). A distribuição para ROI da célula do grupo transversal não pôde ser considerada normal porque não passou em dois dos três testes de normalidade. De fato, a população do grupo transversal apresentou distribuição assimétrica à direita. Porém, não houve diferença entre as variâncias (teste F: P=0,986; F ratio=1,03; DFn=8; DFd=7). Como os testes t são relativamente robustos a distribuições não-gaussianas e geralmente apresentam maior poder estatístico que testes não-paramétricos, escolhemos apli- car teste t apesar da distribuição do grupo transversal. Não houve diferença estatística entre os grupos longitudinal e transversal (P=0,374; t=0,916; DF=15).

Figura 33: Gráficos de [Ca2+]

i. A. [Ca2+]i da ROI que envolve a célula do grupo longitudinal (N=9, barra lisa) e transversal (N=8, barra quadriculada). Não foi detectada heterogeneidade de variâncias (teste F: P=0,986; F ratio=1,03; DFn=8; DFd=7) e não houve diferença estatística das médias (teste t: P=0,374; t=0,916; DF=15). B.

[Ca2+]

i das ROIs voltadas para o ânodo (azul) e cátodo (verde) dos grupos longitudinal (barras lisas) e transver- sal (barras quadriculadas). Barras indicam médias e linhas indicam erro padrão da média. Não foi detectada heterogeneidade de variâncias (teste Brown-Forsythe: P=0,211; F ratio=1,60; DFn=3; DFd=30). Houve diferen- ça estatística apenas para o fator ROI (P<0,001; F ratio=50,9; DFn=1; DFd=15), com tamanho de efeito 1,84 e poder estatístico aproximadamente 1. *** indicam diferença estatística significativa nos pós-testes de Bonferroni (Longitudinal: P<0,001; t=4,611; DF=15; Transversal: P<0,001; t=5,458; DF=15).

Na Figura 33B, mostramos a comparação dos grupos considerando as ROIs volta- das para o ânodo e para o cátodo. Asteriscos indicam diferença estatística significativa nos pós-testes. Observou-se diferença estatística apenas para o parâmetro ROI (P<0,0001), mas não para orientação celular. Os pós-testes indicaram diferença significativa na comparação das ROIs voltadas para o ânodo e para o cátodo nos dois grupos experimentais (P<0,001; aste- riscos na Figura 33B).

A Figura 34 mostra a análise de sensibilidade feita para os parâmetros Kd e Fmáx, mostrando a influência desses parâmetros sobre a [Ca2+]i calculada para valores típicos de fluorescência obtidos em nosso sistema, neste caso, F0 = 600 e Fmáx = 11000. Nossas amostras tiveram um ΔF/Fest = 2,82 ± 0,17 (média ± erro padrão da média), o que resulta em Fest = 2292 unidades. Na Figura 34, isto equivale a [Ca2+] = 415nM (curva preta), correspondendo a um transiente de 215nM.

Figura 34: Resultado da análise de sensibilidade da calibração do Fluo-3. Curva preta mostra a relação entre a fluorescência média e [Ca2+] para K

d=898nM e Fmáx médio obtido (Fmáx = 11000 u.a.), curva azul mostra a rela-

ção para Kd=325nM e Fmáx obtido, curva vermelha mostra relação para Kd=2570nM e Fmáx obtido, curva verde

mostra relação para Kd=989nM e 150% do Fmáx obtido, e curva laranja mostra relação para Kd=898nM e 50% do

Fmáx obtido. Os valores de fluorescência traçados estão dentro de valores típicos de fluorescência obtidos em

nosso sistema, desde valores de F0 (~600 u.a.), passando por valores de Fest (~2300 u.a.) até valores extremos de

fluorescência de pico após pulso subletal em certas ROIs (~2700 u.a.).

4.2.3 Discussão

As dimensões celulares e ΔVTmáx foram similares nos grupos longitudinal e trans- versal, não resultando em diferença estatística, indicativo de que os grupos podem ser compa- rados entre si. Os valores de ET para o grupo longitudinal (3,93V/cm) e transversal (8,51V/cm) foram próximos de valores encontrados na literatura (3,2V/cm e 7,2V/cm, OLIVEIRA; BASSANI; BASSANI, 2008). Também observamos que ET foi cerca de duas vezes maior no grupo transversal em relação ao longitudinal, mesma relação já reportada an- teriormente (OLIVEIRA; BASSANI; BASSANI, 2008).

O indicador de fluorescência Fluo-3 é indicado para estudar [Ca2+] por meio de imagens de fluorescência, pois possui uma faixa dinâmica grande, alto ganho com estimula- ção, afinidade apropriada a Ca2+ e pouca compartimentalização em comparação a outros indi- cadores semelhantes (THOMAS et al., 2000). Um problema deste indicador é que ele é mais suscetível a desbotamento. Embora seja necessária mais de uma função exponencial para mo- delar o fenômeno de desbotamento da fluoresceína (SONG et al., 1995), uma compensação linear de desbotamento pode ser adotada para curtas durações (FATHIAZAR; KRETZBERG, 2015) e se mostrou suficiente nesses experimentos, o que pode ser observado pelo não decai-

mento da linha de base do sinal de [Ca2+]i (Figura 32C e Figura 32F). Uma correção por uma ou mais exponenciais poderia contribuir para melhora na compensação de desbotamento, caso a convergência para modelamento não-linear não falhasse. Ainda assim, uma vez que o ganho com estimulação do Fluo-3 é grande (HARKINS; KUREBAYASHI; BAYLOR, 1993), even- tuais resíduos da compensação linear perturbam pouco os picos de fluorescência. De fato,

ΔF/Fest para o Fluo-3 foi cerca de 83 vezes maior que ΔF/Fest para o RH-237.

Adotamos uma calibração para converter o sinal de fluorescência do Fluo-3 pro- veniente de imagens para [Ca2+]i como sugerido na literatura (HELMCHEN, 2011). Ao traba- lharmos com equações que consideram taxas das intensidades de fluorescência ao invés de utilizar diretamente os valores de intensidade, contribuímos para eliminar variações espaciais dependentes da espessura da célula, concentração do Fluo-3 e iluminação não-homogênea. O problema deste método é que ele depende de um conhecimento anterior de [Ca2+]repouso. Utili- zamos um valor obtido no mesmo laboratório por meio do indicador raciométrico de fluores- cência Indo-1 (BASSANI; BASSANI, 2002). O valor de Kd também tem grande influência no resultado final da calibração e pode variar bastante dos valores obtidos in-vitro (HARKINS; KUREBAYASHI; BAYLOR, 1993; LOUGHREY et al., 2003). Consideramos como um va- lor mais próximo para nossos experimentos o valor calculado in-vivo em cardiomiócitos de coelho (Kd = 898nM , LOUGHREY et al., 2003).

Outro parâmetro que precisa ser obtido para calibração é o sinal de fluorescência máxima, isto é, teoricamente é a situação de emissão de fluorescência quando a totalidade do indicador de fluorescência está ligado a íons Ca2+. Ou seja, seria necessária uma concentração de Ca2+ citosólica saturante. Uma forma para se obter este parâmetro é por meio da destruição celular ao final do experimento (HELMCHEN, 2011). Dependendo de parâmetros como in- tensidade e duração de campo elétrico, a célula pode não ser capaz de reparar os danos sofri- dos e, no caso de miócitos isolados, entrar em hipercontratura (KNISLEY; GRANT, 1995; KRAUTHAMER; JONES, 1997; PRADO et al., 2012) devido à manutenção de elevadas [Ca2+]i. Portanto, a aplicação de um pulso elétrico letal ao final do experimento seria um mé- todo fácil para se obter esse parâmetro. Contudo, como nos cardiomiócitos tal pulso letal é acompanhado pela hipercontratura, ROIs estáticas não são adequadas para esta medição, pois a célula muda drasticamente de formato. A modificação no programa utilizando uma ROI que é redefinida imagem a imagem nos permitiu obter esse parâmetro de maneira sistemática. Ainda assim, é difícil estimar a exatidão de seu real valor uma vez que, ao sofrer hipercontra- tura, várias camadas da célula são sobrepostas na imagem, o que poderia superestimar seu valor. Outro fator que pode contribuir para esse aumento é a diminuição do volume celular, o

que acarreta um aumento nas concentrações de Fluo-3 e de Ca2+. Por outro lado, alguns fato- res contribuem para a diminuição desse valor. Um deles pode ser a perda do indicador para o meio extracelular, resultante de rompimentos mecânicos do sarcolema com a hipercontratura. Outro fator é uma consequência do método de segmentação utilizado: ao utilizarmos segmen- tação Otsu imagem a imagem, significa que estamos recalculando o limiar de segmentação a cada imagem e, uma vez que os valores de fluorescência sobem ao longo do vídeo, o limiar da segmentação também tende a aumentar, o que pode deixar certas áreas da célula com fluores- cência menos elevada de fora da análise (ver Figura 30B).

Um modo de avaliar a coerência dos resultados da calibração é pela análise de sensibilidade. Nela observamos que tanto aumentar Kd quanto diminuir Fmáx (50% Fmáx) ele- vam consideravelmente [Ca2+] (curvas laranja e vermelha na Figura 34) enquanto que diminu- ir Kd ou aumentar Fmáx (150% Fmáx) limitam a excursão de [Ca2+] (curvas azul e verde na Fi- gura 34). Com o valor médio de Fest (2292 u.a.) chegamos a um transiente de 215nM, o qual é menor do encontrado na literatura para o mesmo tipo de célula, porém usando indicador Indo- 1 ([Ca2+]i = 550 ± 70nM, média ± erro padrão da média, estimulação elétrica de cardiomiócitos de ratos adultos, BASSANI; BASSANI, 2002). Se assumirmos que os transi- entes de cálcio em resposta ao estímulo elétrico sejam semelhantes nos dois trabalhos, pode- mos atribuir os menores transientes neste trabalho à influência da escolha de Kd, à obtenção de Fmáx, ou ambos. Vários trabalhos já mostraram que valores de Kd in vivo são maiores do que valores medidos em solução (BASSANI; BASSANI; BERS, 1995; HARKINS; KUREBAYASHI; BAYLOR, 1993; LOUGHREY et al., 2003; THOMAS et al., 2000). Com isso, apesar de não termos realizado experimentos para medir Kd in vivo, acreditamos que nossas escolhas de Kd e [Ca2+]repouso foram mais adequadas do que os valores obtidos em so- lução, mas seu real valor pode ser maior que o utilizado neste trabalho. Quanto a Fmáx, é pou- co provável que seus valores sejam maiores do que os obtidos, pois isto tornaria as variações de cálcio ainda menores (ver curva 150%Fmáx, Figura 34). Por outro lado, é possível que seu valor seja menor do que o encontrado pelo nosso método, pois, como dito anteriormente, pode haver sobreposição de sinal de várias camadas da célula após hipercontratura e um valor me- nor resultaria em variações maiores na [Ca2+] (ver curva 50%Fmáx, Figura 34).

Também observamos uma função crescente de F0 com Fmáx (Figura 31). Isto era esperado porque, dentre os fatores que contribuem para F0, está a concentração de moléculas de Fluo-3 dentro da célula. Se considerarmos que a [Ca2+]repouso é aproximadamente igual em todas as células, aquelas que ficaram mais carregadas com Fluo-3 apresentarão um maior va- lor de F0 e, consequentemente, um maior valor de Fmáx. Esta relação pode ser utilizada para

prever um valor aproximado de Fmáx a partir do valor de repouso quando não é possível des- truir a célula.

Na análise de [Ca2+]i, não observamos influência da orientação em relação ao campo elétrico (transversal vs longitudinal) nem para a ROI da célula (Figura 33A), nem para as ROIs voltadas para o ânodo e o cátodo (Figura 33B). OLIVEIRA e colaboradores (2008) observaram uma inversão na letalidade entre grupos transversal e longitudinal quando o cam- po elétrico letal aplicado era normalizado por ET. Os autores especularam que esta maior sen- sibilidade em células na transversal estaria associada a uma maior área de membrana perma- necer polarizada para essas células, o que em teoria poderia contribuir para formar poros mai- ores e/ou em maior quantidade. Nós aplicamos o pulso subletal de maneira proporcional a ET e, como não houve diferença estatística em [Ca2+]i para orientação celular, concluímos que, se tal diferença na área da lesão entre os grupos existir, ela pode ser muito sutil para ser detec- tada por variações locais médias de [Ca2+]

i. Também é possível que a recaptação de Ca2+ pelo RS possa ter contribuído para amortecer [Ca2+]pulso_15x, e consequentemente [Ca2+]i, masca- rando possíveis diferenças entre os grupos, uma vez que a ausência dessa recaptação evita a atenuação de [Ca2+]i (OLIVEIRA, 2008). Para explorar essas possibilidades, seriam necessá- rios protocolos que bloqueassem a recaptação e liberação de Ca2+ do RS ou a medida de ou- tros parâmetros relacionados à eletroporação.

Apesar disso, detectamos uma grande influência da ROI nestas variações em am- bos os grupos, sendo [Ca2+]i na ROI voltada para o ânodo significativamente maior que na ROI voltada para o cátodo (Figura 33B). Isto está de acordo com o fato de que uma lesão maior costuma ser observada no lado voltado para o ânodo (KNISLEY; GRANT, 1995). Es- tudos anteriores atribuem essa assimetria a diferenças nas concentrações iônicas intra e extra- celular (DEBRUIN; KRASSOWSKA, 1999b) ou à maior concentração de fosfolípides com carga negativa na monocamada interna da membrana (TERUEL; MEYER, 1997). No lado hiperpolarizado da célula, isto é, no lado voltado para o ânodo, uma maior concentração de fosfolípides com carga negativa na monocamada interna favoreceria a inserção da parte polar desses fosfolípides para o interior da bicamada devido à força elétrica induzida pelo campo elétrico. Essa inserção no interior da bicamada, o qual é apolar, produz uma força de repulsão que poderia determinar a abertura de poros ou facilitar a expansão de poros já abertos. No lado despolarizado, esta inserção não tenderia a ocorrer, pois a força elétrica sobre a parte polar dos fosfolípides seria gerada no sentido contrário, isto é, em direção ao interior da célu- la. Essa diferença havia sido observada anteriormente no mesmo tipo de experimento como

variação do sinal de fluorescência (ZOCCOLER, 2014) e, como esperado, persiste após cali- bração para [Ca2+]i.