• Nenhum resultado encontrado

Capítulo IV – Trabalho Pedagógico na práxis: movimentos de transformação?

4.4 Tensões, incertezas, desafios e precarização da EJA

Os cenários político e econômico na contemporaneidade indicam profundas mudanças nas políticas públicas em geral e, em específico, nas da área da educação. O ciclo de mudanças teve início, ainda no ano de 2016, ao ser aprovada a EC 95, que limitou os “gastos” com educação e saúde por um período de 20 (vinte) anos, como já se referiu anteriormente. Porém, as mudanças não foram somente essas, pelo contrário, uma espécie de “pacote do mal” começou a ser implementado causando tensões e incertezas quanto aos rumos da educação, em especial, da EJA.

Será necessário investigar se estamos em tempos de afirmação ou de negação dos direitos do trabalho e da cidadania. Mostrar como essa longa história de levar os direitos do trabalho ao campo do Estado, do ordenamento jurídico está sendo destruída pela chamada modernização das leis do trabalho do governo golpista. A proposta é deixar os direitos do trabalho à mercê das desiguais relações entre capital- trabalho, reduzindo o trabalho e o trabalhador a mera mercadoria, na contramão dos esforços por elevar as lutas pelos direitos do trabalho a lutas por cidadania. Os

jovens e adultos têm direito a saber-se nesses retrocessos que condicionam seus direitos como trabalhadores e cidadãos (ARROYO, 2017, p. 51).

Além da estagnação orçamentária e da extinção da secretaria que coordenava o Programa, outras medidas nefastas estão associadas à precarização da EJA. Uma delas diz respeito ao “novo” (velho) Ensino Médio e à BNCC que, em nenhum momento, mencionam a modalidade de ensino de Educação de Jovens e Adultos. Por conseguinte, foi aprovada em 21 de novembro de 2018, a Resolução CNE/CEB nº. 3/2018, que atualiza as Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN) para o Ensino Médio. A referida norma, além de regulamentar as DCNs do EM em acordo com a BNCC, ainda, estabeleceu que:

§ 5º Na modalidade de educação de jovens e adultos é possível oferecer até 80%

(oitenta por cento) de sua carga horária a distância, tanto na formação geral

básica quanto nos itinerários formativos do currículo, desde que haja suporte tecnológico – digital ou não – e pedagógico apropriado (CNE, 2018, § 5º, II, Art. 17, grifo nosso).

Pela nova Resolução, abriu-se a possibilidade de expressiva oferta da carga horária da EJA em cursos à distância (EaD), visíveis sinais de que esta modalidade de educação não será prioridade para o atual governo. Por esse motivo, buscamos saber o que os sujeitos da EJA pensam sobre o assunto e, iniciando pelo grupo focal dos professores, as contribuições foram:

Part. 1: Eu vejo que para quem parou de estudar há pouco tempo, daqui a pouco é o ideal, tirando a parte prática, mas para aquele aluno que parou há muito tempo os 20% você vai ter que treinar ele para usar as ferramentas; Part. 2: Não, mas aí até 80%, não é 80%. Quer dizer então aí talvez venha ao encontro do que a ‘E.’ chamou atenção antes, talvez uma noite sei lá, para a gente consultar eles aqui; Part. 3: Nós não podemos confundir EaD com não presencial. É, porque o EaD você vai fazer assim com vídeo aula, talvez internet, a EaD envolve tecnologia e o não presencial pode ser como nós temos hoje mais de 17% nessa modalidade não presencial, é a carga horária que nós temos atividades para casa que não tem sido o bambambã; Part. 4: A grande dificuldade deles é falta de vontade de acessar, por exemplo, sistema para olhar suas notas. imagina uma plataforma aonde vai ter que ter interação; Part. 5: Mas aí gente a gente está falhando e muito nisso. A gente está falhando muito, eles têm que saber fazer isso; Part. 6: O EAD funciona se o aluno é comprometido, eu acho que deveria ser uma implementação progressiva .. (GFP, 12/12/2018, grifos nosso).

Assim que foi socializada a informação da possibilidade de oferta de até 80% (oitenta por cento) da carga horária da EJA na modalidade de ensino EaD, “Houve na sala

inquietação e espanto em uma parcela dos professores demonstrando surpresa e perplexidade ao saber das alterações trazidas pela Resolução CNE/CEB nº. 3/2018” (Diário

de Campo, 12/12/2018). As preocupações demonstradas nas falas dos professores alertam para as especificidades do público da EJA que, muitas vezes, tem dificuldade de familiarizar- se com as tecnologias. Segundo eles, nem todos conseguem acessar, sem algum tipo de ajuda,

a ambientes virtuais de baixa complexidade como, por exemplo, a verificação de notas em um sistema de gestão educacional. Portanto, a utilização de ferramentas mais complexas, como as plataformas de educação a distância, seria um grande obstáculo para os estudantes da EJA EPT. Uma possibilidade apontada pelo grupo, seria utilizar o EaD para flexibilizar a frequência, permitindo aos estudantes estudar uma ou duas noites da semana em casa.

No grupo focal com a turma do primeiro ano, somente uma das manifestações foi favorável ao EaD para a EJA EPT. O argumento em defesa deste tipo de oferta se relaciona com a dificuldade em conciliar a frequência escolar e o cuidado com os filhos.

Part. 1: Eu acho bom, porque muitas coisas, como eu que tenho filhos. Ás vezes fica difícil de eu vir; Part. 2: Eu acho que vai ser ruim não vai ter o professor aqui para tirar as dúvidas; Part. 3: Eu acho que teria que ser presencial. Desde que a professora ‘J’ começou dar aula para nós e disse para a gente que aqui é um lugar de ouro é o momento que você tem para dizer: não entendi a pergunta; Part. 4: Presencial já é difícil imagina a distância; Part. 5: Eu acho que a distância se a gente estiver no computador a gente faz muita coisa ao mesmo tempo e, ao invés de estar ali estudando a gente estaria assistindo televisão, jogando, eu acho que é complicado isso aí, tem que ser presencial mesmo (GFE – 1, 29/11/2018, grifos nosso).

Como se observa, todas as demais manifestações foram contrárias ao EaD para a modalidade, pelos motivos mais diversos, mas, sobretudo, se evidenciaram duas questões. A primeira se refere à dificuldade de estudar sozinho, sem a mediação do professor, de forma autônoma. A segunda, que em certa medida está relacionada à primeira, diz respeito à valorização do papel do professor, ou seja, a relação de identidade entre professor-aluno que foi criada. Com os estudantes do terceiro ano, essa similaridade de respostas se manteve.

Part. 1: Eu acho muito bom! Part. 2: Eu acho ruim! Porque já estudar em sala de aula já é uma dificuldade de aprender, quanto mais a distância, principalmente esse curso seria muito ruim fazer a distância; Part. 3: A nossa turma só não diminuiu mais porque nós tudo nos unimos, senão... Imagina todo mundo em casa o dia que tiver em aula não vão ter ninguém aqui; Part. 4: Também vejo com a questão dos professores né? Os professores se adaptam a forma dos alunos na sala, sem os professores nós iríamos ter uma grande perca de conhecimento; Part. 5: Se fosse para mim fazer esse curso a distância eu já não fazia (GFE – 3, 29/11/2018, grifos nosso).

Novamente, nesse grupo, a figura do professor é vista como importante para a mediação da produção do conhecimento. Esta constatação chamou a atenção dos professores no Grupo de Interlocução

A gente tem muito a evoluir, mas uma coisa interessante que a gente vê na fala dos alunos é como eles valorizam a figura do professor né, por mais que em sala de aula, no dia a dia a gente tem uma sensação de que eles estão nos rejeitando, eles querem ir embora, tu vai passar no quadro eles reclamam, tu convida para assistir

um vídeo de 3 minutos eles reclamam, convida para ir em uma atividade cultural reclamam, aí a gente fica meio perdido aí a gente fica achando que eles não estão gostando. Mas, quando a gente vê o relato deles...olha quanta coisa eles falaram ali valorizando nossas insistências com eles isso é algo muito positivo, que nós deveríamos aproveitar mais, a gente teria que ter mais consciência do nosso papel e na EJA (GI, 13/06/2019, grifos nosso).

Pela fala e reação dos professores durante o Grupo de Interlocução foi possível observar que eles não acreditavam ter seu papel valorizado pelos estudantes da EJA EPT. A revelação tornou-se algo positivo e envolveu o interesse dos professores em utilizar esta informação como fator de mudança. Percebeu-se então, uma importante relação construída na pesquisa: um movimento de ver o trabalho do professor a partir dos estudantes.