• Nenhum resultado encontrado

Capítulo I – Enquadramento teórico

3. Teorias do jogo

3.3. Teoria de Vygotsky

Lev Semenovitch Vygotsky (1896 – 1934) nasceu na antiga União Soviética, em Orsha, curiosamente no mesmo ano de Piaget. Contudo, mesmo contemporâneos, nada indica que se tenham conhecido, nem trocado ideias. Na sua vida profissional foi advogado, professor e pesquisador em várias áreas da educação como na filosofia, psicologia, literatura, entre outras.

31

Faleceu aos trinta e oito anos vítima de tuberculose mas deixou várias obras escritas resultado do seu trabalho científico.

Vygotsky (1998) debruçou o seu estudo na área da educação onde se interessou pela “pedologia” que se traduz numa espécie de psicologia educacional e o seu grande objetivo era reformar o sistema de ensino russo da época.

Juntamente com Leontiev e Luria, Vygotsky (1998) formou um grupo de trabalho na procura de uma nova psicologia na qual viam o homem como um ser social, biológico e histórico, uma vez que o meio cultural onde estava inserido influenciava o seu desenvolvimento. Assim, a criança logo que nasce desenvolve-se biologicamente, porém a sua aprendizagem está relacionada com as relações sociais e culturais do meio ambiente em que está inserida.

Vygotsky (1998) também era apologista da ideia que a criança, antes de controlar o seu comportamento, começa por controlar o ambiente que a rodeia através da ajuda da fala, o que leva a novas relações com o ambiente e um diferente comportamento. Deste modo, a criança, numa primeira fase, usa a fala para socializar com os outros e, numa segunda fase, usa-a como instrumento do pensamento.

No que diz respeito à aprendizagem, Vygotsky (1998:111) considera que “o aprendizado deve ser combinado de alguma maneira com o nível de desenvolvimento da criança.”. Para tal, o autor sugere três níveis de desenvolvimento: o nível de desenvolvimento real, o nível de desenvolvimento potencial e a zona de desenvolvimento próximo. O nível de desenvolvimento real caracteriza-se pelas atividades que a criança consegue desenvolver de forma independente. O nível de desenvolvimento potencial são as atividades que a criança não consegue realizar sozinha e necessitam da orientação de um adulto ou em colaboração com um colega que tenha um nível maior de capacidade. A zona de desenvolvimento próximo é a distância entre o nível de desenvolvimento real (aquilo que a criança consegue fazer sozinha) e o nível de desenvolvimento potencial (aquilo que só consegue realizar com ajuda de outras pessoas). Assim, a zona de desenvolvimento próximo possibilita delinear o futuro próximo da criança e saber qual o seu estado de desenvolvimento, isto é, não só aquilo que já foi adquirido como também o que ainda está vias de se desenvolver.

A escola tem um papel muito importante nestes níveis de desenvolvimento, uma vez que é lá que a zona de desenvolvimento próximo passa a nível de desenvolvimento real, pois aquilo que a criança é capaz de fazer hoje só com orientação amanhã já conseguirá fazer sozinha. Esta zona de desenvolvimento próximo é aquela que o

32

professor mais deve cuidar, pois corresponde à zona onde o aluno pode, mais facilmente, progredir.

Vygotsky (1998) no seu estudo sobre o jogo estabeleceu uma relação entre o jogo e a aprendizagem. Assim, este autor atribui ao jogo um papel muito importante para o desenvolvimento da criança, pois, para ele, é o jogo que dirige o desenvolvimento. É através do jogo que a criança começa a adquirir a motivação, novas habilidades e atitudes que são essenciais para viver em sociedade.

Para Vygotsky, o jogo só aparece na vida da criança por volta dos três anos, uma vez que antes desta idade a criança não se consegue envolver numa situação imaginária. Isto deve-se ao facto de o autor considerar que o jogo aparece no mundo imaginário das crianças e contribui para o seu desenvolvimento através das interações sociais a que a criança está sujeita e estas levam à sua aprendizagem. Aqui percebe-se como para o psicólogo russo, o jogo mimético apresentado por Piaget não é relevante.

Deste modo, este autor situa o início da imaginação humana nos três anos de idade, visto que para ele a “imaginação é um processo psicológico novo para a criança; representa uma forma especificamente humana de atividade consciente, não está presente na consciência de crianças muito pequenas e está totalmente ausente em animais. Como todas as funções da consciência, ela surge originalmente da ação.” (Vygotsky, 1998:122). Mais uma vez parece-me que este pedagogo despreza as formas de “jogo de exercício” desenvolvidas por Piaget, que na minha opinião são muito importantes para o desenvolvimento da criança.

Ao longo do seu estudo sobre o jogo Vygotsky não se interessou em classificá-lo mas sim em referir as suas características de forma a analisar a sua importância e evolução no processo de desenvolvimento e aprendizagem da criança. Este autor apresenta então três características fundamentais do jogo que são: a imaginação, a imitação e as regras. Assim, no que diz respeito a estas características, Vygotsky (1998) relata que a criança numa fase inicial utiliza a imaginação e é capaz de imitar situações que fazem parte do seu meio social. O desenvolvimento do jogar com regras tem início no fim da idade pré-escolar e desenvolve-se ao longo da idade escolar. É notório ainda para este autor que sempre que há uma situação imaginária também há regras, mas essas regras têm origem na própria situação imaginária e os próprios jogos surgem de situações imaginárias.

Para Vygotsky, a atividade lúdica projeta-se através das atividades adultas da cultura onde a criança está inserida, o que permite à criança através da imaginação e da

33

imitação experimentar novos hábitos, valores e atitudes. Esta ação, que é criada pelo jogo, permite ainda que a criança desenvolva o pensamento abstrato e a maturação das regras sociais.

Podemos assim concluir que para a criança tudo que a rodeia são temas para futuros jogos e é através dos jogos que ela adquire e inventa regras. A criança imita os mais velhos nas atividades que são aceites culturalmente no seu meio social o que permite um leque de oportunidades para o seu desenvolvimento intelectual. Numa fase inicial, os jogos que a criança faz são apenas lembranças e situações reais, posteriormente, através da imaginação e do reconhecimento de regras implícitas que dirigem o desenrolar do jogo, a criança vai conseguir controlar o seu pensamento abstrato. Assim, quando a criança joga utiliza conhecimentos prévios e constrói outros. A criança só alcança o prazer no jogo quando consegue atingir os seus objetivos, caso contrário não sente prazer em jogar.

Portanto, segundo Vygotsky (1998), é através do brincar e do jogo que a criança se desenvolve afetivamente, socialmente e cognitivamente. Na escola, o jogo funciona como um instrumento para o desenvolvimento dos alunos; no entanto, isto só é possível se o professor definir objetivos para que o jogo tenha sucesso e vá ao encontro dos objetivos. O jogo e a instrução escolar estabelecem uma relação na zona de desenvolvimento próximo, pois em ambos a criança produz habilidades e conhecimentos sociais que depois irão fazer parte do seu desenvolvimento e aprendizagem. É assim importante para o professor ensinar através do brincar, uma vez que o professor consegue ver o que a criança já consegue elaborar sozinha bem como aquilo que ainda só consegue fazer com a ajuda de outros.

Documentos relacionados