• Nenhum resultado encontrado

Teoria do dano direto e imediato

PARTE II – O NEXO DE CAUSALIDADE NA RESPONSABILIDADE CIVIL

3. NATUREZA (JURÍDICA) DO NEXO DE

3.2. A indevida distinção entre “causalidade material” e “causalidade jurídica”

3.3.3. Teoria do dano direto e imediato

A teoria do dano direto e imediato, também conhecida como “teoria do nexo causal direto e imediato” ou “teoria da interrupção do nexo causal”, utiliza como critério para a aferição da causa na responsabilidade apenas o evento que direta e imediatamente tenha colaborado para a ocorrência do evento danoso. Tal colaboração direta e imediata, de seu turno, afere-se da noção de “causalidade necessária” ou de “necessariedade da causa”, o que é particularmente relevante nos processos causais complexos em que concorram mais de uma série de condições194. Em outras palavras: só se reconhece o nexo de causalidade a partir da constatação que o dano é efeito

necessário de determinado evento195. No que se refere às expressões “direto” e “imediato”, não

se está a tratar, portanto, da distância temporal que a causa possa ter do evento danoso, mas sim da proximidade lógica existente entre tais fenômenos.

A concepção possui significativa aceitação no direito brasileiro, tendo, segundo a doutrina, influenciado o legislador dos Códigos Civis de 1916 e 2002196, além da orientação do

      

193

REsp 325.622/RJ, Rel. Min. Carlos Fernando Mathias (Juiz Federal Convocado do TRF 1ª Região), Quarta Turma, julgado em 28/10/2008, DJe 10/11/2008: “In casu, revela-se inequívoca a ausência de nexo causal entre o ato praticado pela ora recorrida (entrega do veículo ao filho da autora e seus acompanhantes sem a apresentação do respectivo comprovante de estacionamento) e o dano ocorrido (decorrente do acidente envolvendo o referido veículo horas mais tarde), razão pela qual, não há de se falar em responsabilidade daquela pelos danos materiais e morais advindos do evento danoso”.

194

SANSEVERINO, Paulo de Tarso Vieira. Princípio da reparação integral. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 160-161. 195

Conforme ALVIM, Agostinho. Da inexecução das obrigações e suas consequências. Rio de Janeiro: Editora Jurídica e Universitária, 1965, p. 338-342, “as expressões não traduzem duas ideias distintas”, sendo que “[a] expressão direto e imediato significa nexo causal necessário”.

196

Conforme TEPEDINO, Gustavo. Notas sobre o nexo de causalidade. In: Temas de direito civil. Tomo II. Rio de Janeiro: Renovar, 2006, p. 64. Segundo Agostinho Alvim, é a teoria adotada pelo Código de Napoleão, pelo Código Civil francês, pelo Código Civil italiano de 1865 e pelo atual (ALVIM, Agostinho. Da inexecução das obrigações e

74 

Supremo Tribunal Federal197. No que se refere à legislação, o art. 403, do Código Civil198, embora trate da responsabilidade contratual, também sugere a adoção do critério em tema de responsabilidade civil extracontratual, ao dispor que “Ainda que a inexecução resulte de dolo do devedor, as perdas e danos só incluem os prejuízos efetivos e os lucros cessantes por efeito dela direto e imediato (...)”.

Para o bem da verdade, o critério da necessariedade entre o evento tido por “causa” e dano assemelha-se àquele proposto pela teoria da causalidade adequada. A noção de necessariedade pressupõe juízo baseado na experiência comum e, em sendo assim, não existem diferenças substanciais entre um e outro critério. Nada obstante o prestígio que a teoria do dano direto e imediato alcançou no direito brasileiro, o certo é que, examinadas as suas bases, verifica- se que esta constitui mera variante da teoria da causalidade adequada199. Ora, reconhecer que determinado evento foi mais determinante para provocar o resultado (dano), nada mais é do reconhecer ter sido este o mais adequado para que o resultado tivesse ocorrido200. Tal constatação, de certo modo, justifica a cambaleante opção do Superior Tribunal de Justiça ora pela teoria da causalidade adequada, ora pela teoria do dano direto e imediato, como registrei supra (Parte II, item 3).

      

197

O Supremo Tribunal Federal, no RE n. 130.764-1 PR, 1ª Turma, Rel. Min. Moreira Alves, j. 12.05.1992, consignou que “(...) Em nosso sistema jurídico, como resultado disposto no art. 1.060 do Código Civil, a teoria adotada quanto ao nexo de causalidade é a teoria do dano direto e imediato, também denominada teoria da interrupção do nexo causal. Não obstante aquele dispositivo da codificação civil diga respeito à impropriamente denominada responsabilidade contratual, aplica-se também à responsabilidade extracontratual, inclusive a objetiva, até por ser aquela que, sem quaisquer considerações de ordem subjetiva, afasta os inconvenientes das outras teorias existentes: a da equivalência das condições e da causalidade adequada (...). Essa teoria, como bem demonstra Agostinho Alvim (...) só admite o nexo de causalidade quando o dano é efeito necessário de uma causa, o que abarca o dano direto e imediato sempre, e, por vezes, o dano indireto e remoto, quando, para a produção deste, não haja concausa sucessiva. Daí dizer Agostinho Alvim: os danos indiretos ou remotos não se excluem, só por isso; em regra, não são indenizáveis, porque deixam de ser efeito necessário, pelo aparecimento de concausas. Suposto não existam estas, aqueles danos são indenizáveis”.

198

Tal dispositivo manteve a redação do art. 1.060, do Código Civil anterior, de 1916, pelo que se observa a confirmação da influência da teoria da causalidade próxima inclusive no novo código.

199

Essa também parece ser a posição de MARTINS-COSTA, Judith. Comentários ao Código Civil. Vol. V. Tomo II. Rio de Janeiro: Forense, 2004, p. 138. No mesmo sentido, SANSEVERINO, Paulo de Tarso Vieira. Princípio da

reparação integral. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 159-160. José Carlos Moreira Alves enxerga distinção que, embora

não seja ontológica, se estabelece no “grau de probabilidade, que na subteoria da necessariedade exigiria pelo menos a consequência extremamente provável, a traduzir a quase certeza, ao passo que a teoria da causa adequada ficaria apenas em probabilidade menos intensa” (MOREIRA ALVES, José Carlos. A causalidade nas ações indenizatórias por danos atribuídos ao consumo de cigarros. In: ANCONA LOPEZ, Teresa. Estudos e pareceres sobre livre-

arbítrio, responsabilidade e produto de risco inerente: o paradigma do tabaco; aspectos civis e processuais. Rio de

Janeiro: Renovar, 2009, p. 250). Entretanto, não me parece existir qualquer justificativa para semelhante distinção. 200

Assim também CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de responsabilidade civil. São Paulo: Malheiros, 2003, 3ª ed., p. 62.

75 

A propósito, Agostinho Alvim, ao explicar o critério, exemplifica: “se o comprador, após receber a coisa comprada, verifica que a mesma tem defeito oculto, e, tomando dela, vai ter com o vendedor, a fim de obter outra, e se se dá no caso que, em caminho, é atropelado por um veículo, responderá o vendedor da coisa por este dano? Não responderá”. A razão, segundo ele, “não se prende ao fato de estar distante este dano, da causa primeira (a inexecução da obrigação), e sim à interferência de outra causa”201. A solução alvitrada por Agostinho Alvim no âmbito da concepção do dano direto e imediato é praticamente idêntica àquela dada pelo STJ ao caso da liberação, pela empresa de estacionamento, do veículo sem que fosse apresentado o tíquete pelo filho da proprietária: o evento inicial da cadeia de sucessão de eventos deixou de ser “causa” do dano pela interferência de outro que, à luz de um juízo geral baseado no que ordinariamente acontece, adquiriu o status de mais adequado para a promoção do dano. A conduta daquele que atropelou o comprador, no exemplo de Agostinho Alvim, e daquele motorista que causou o acidente, no exemplo do precedente do STJ, assumiram, a partir da noção de necessariedade, a qualidade de “causa” do dano. A suposta diferença entre as concepções, acaso se tenha por existente, ocorre apenas em dimensão de perspectiva: enquanto a teoria do dano direto e imediato outorga relevo ao evento porque este “interrompeu” a cadeia sucessória, de modo a considerá-lo, a partir do momento da interrupção, como “causa”, a teoria da causalidade adequada considera o mesmo evento como “causa”, mas não pelo fato de que este “interrompeu” a “cadeia causal originária”, mas pelo fato de que este deu início a uma nova cadeia causal.