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Teoria da equivalência dos antecedentes causais (condicio sine qua non)

PARTE II – O NEXO DE CAUSALIDADE NA RESPONSABILIDADE CIVIL

3. NATUREZA (JURÍDICA) DO NEXO DE

3.2. A indevida distinção entre “causalidade material” e “causalidade jurídica”

3.3.1. Teoria da equivalência dos antecedentes causais (condicio sine qua non)

A teoria da equivalência dos antecedentes causais, também denominada “teoria da equivalência das condições”, “teoria objetiva da causalidade” ou, ainda, “teoria da condicio sine qua non”, possui sua origem na obra “Über kausalität und derem veranwortund” (“A respeito da causalidade e da responsabilidade dela decorrente”), publicada em 1860, pelo penalista alemão Maximiliano von Buri. Segundo a concepção, considera-se causa todo o fato antecedente sem o qual o resultado não seria verificado. Desse modo, para que surja a responsabilidade, é suficiente que o agente tenha realizado uma condição qualquer do evento. Significa dizer: independentemente do modo como se apresentam em relação à consequência – se mais próximo ou mais distante, se mais direto ou indireto –, todas as condições possuem a mesma relevância de causalidade para o resultado165.

A equivalência decorreria da assertiva de que todo efeito possui uma multiplicidade de condições causais, sendo cada uma delas indispensável para a produção do resultado; a contrario sensu, a supressão de uma só delas é suficiente para a supressão do próprio resultado166. Dito em outras palavras, o fenômeno causal é observado como uma totalidade de múltiplas e equivalentes causas, sendo que a ausência de qualquer uma delas serviria para inibir

      

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Nesse sentido, CAPECCHI, Marco. Il nesso di causalità: dalla condicio sine qua non alla responsabilità proporzionale. Padova: Cedam, 2012, 3ª ed., p. 52-53; Mario Júlio de. Direito das obrigações. Coimbra: Almedina, 9ª ed., 2001, p. 705-706; CRUZ, Gisela Sampaio da. O problema do nexo causal na responsabilidade civil. Rio de Janeiro: Renovar, 2005, p. 35-52; TEPEDINO, Gustavo. Notas sobre o nexo de causalidade. In: Temas de direito

civil. Tomo II. Rio de Janeiro: Renovar, 2006, p. 68; SANSEVERINO, Paulo de Tarso Vieira. Princípio da reparação integral. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 155-156; MULHOLLAND, Caitlin Sampaio. A responsabilidade civil por presunção de causalidade. Rio de Janeiro: GZ ed., 2010, p. 138-149; LOPEZ, Tereza Ancona. Nexo causal e produtos potencialmente nocivos: a experiência brasileira do tabaco. São Paulo: Quartier Latin, 2008, p. 24-25; e

SILVA, Jorge Cesa Ferreira da. Inadimplemento das obrigações. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 187- 191.

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ALVIM, Agostinho. Da inexecução das obrigações e suas consequências. Rio de Janeiro: Editora Jurídica e Universitária, 1965, p. 329; CRUZ, Gisela Sampaio da. O problema do nexo causal na responsabilidade civil. Rio de Janeiro: Renovar, 2005, p. 37.

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a produção do efeito. Segundo a teoria, a aferição do nexo de causalidade opera-se mediante uma valoração ex post em dois sentidos: a conduta é causa do evento apenas se, na ausência desta, o evento não se verificaria (sentido positivo); e a conduta não é causa do evento quando, mesmo na ausência desta, o evento teria igualmente se verificado167.

A concepção da causalidade sine qua non teve notável desenvolvimento na França e na Common law, onde é reconhecida pela denominação de but for test168. Influenciou principalmente o direito penal e, por conseguinte, a legislação criminal em diversos países. Nosso Código Penal, p. ex., dispõe, em seu art. 13, que “O resultado, de que depende a existência do crime, somente é imputável a quem lhe deu causa”, sendo que “Considera-se causa a ação ou omissão sem a qual o resultado não teria ocorrido”, pelo que o Superior Tribunal de Justiça já referendou a sua adoção no sistema brasileiro169, nada obstante a doutrina ressalve, especialmente quanto ao tema da superveniência de causa relativamente independente, o acolhimento da concepção da causalidade adequada170.

A indistinção quanto à relevância que as diferentes causas e condições possuem no que se refere à produção do evento é o que fundamenta a principal crítica formulada em face da utilização da concepção no âmbito da responsabilidade civil. Isso porque, ao considerar relevantes todas as possíveis condições do evento, excluindo, desse modo, a possibilidade de considerar qualquer outra circunstância como apta a comprometer a estrutura do nexo causal, o critério não raro pode levar a resultados desastrosos, como aquele que reconhece como causa da morte de determinada pessoa o fato de ela ter nascido ou, se esta foi ferida por revólver, o fato de a arma ter sido fabricada. Assim, a ausência de qualquer óbice a que se considerem causas todas as condições do evento torna indispensável a regressão a todas condições antecedentes, mesmo aquelas que se apresentem distantes, do ponto de vista lógico, do evento danoso. Segundo

      

167

CAPECCHI, Marco. Il nesso di causalità: dalla condicio sine qua non alla responsabilità proporzionale. Padova: Cedam, 2012, 3ª ed., p. 53.

168

CAPECCHI, Marco. Il nesso di causalità: dalla condicio sine qua non alla responsabilità proporzionale. Padova: Cedam, 2012, 3ª ed., p. 54.

169

Segundo o STJ, “[o] sistema criminal brasileiro, como ensina a unanimidade da doutrina, adota a teoria da equivalência dos antecedentes ou da condictio sine qua non (RENÉ ARIEL DOTTI), não distinguindo entre condição e causa, considerada esta como toda ação ou omissão sem a qual o resultado não teria ocorrido (ANÍBAL BRUNO)” (HC 18.206/SP, Rel. Min. Fernando Gonçalves, Sexta Turma, julgado em 04/12/2001, DJ 04/03/2002, p. 299).

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CRUZ, Gisela Sampaio da. O problema do nexo causal na responsabilidade civil. Rio de Janeiro: Renovar, 2005, p. 40-41. Na doutrina penal, nesse sentido, REALE JR., Miguel. Instituições de direito penal. V. I. Rio de Janeiro: Forense, 2ª ed., 2004, p. 254-257.

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expressiva doutrina, a concepção, embora seja a que melhor explique a causalidade em termos “lógico-naturalísticos”171, tem sua adaptação às peculiaridades do contexto jurídico algo problemático, porque permitiria a responsabilização solidária de todos os participantes na inteira cadeia de causação de determinado dano, “ainda que a sua participação tenha sido mínima ou quase inexpressiva”172.

Por outro lado, semelhante crítica pressupõe o nexo de causalidade como único pressuposto da responsabilidade civil, olvidando que este constitui apenas um dos seus pressupostos, pelo que o dever de indenizar apenas é reconhecido quando se encontram configurados também os demais elementos da fattispecie, quais sejam, o dano e o fato de imputação (culpa ou o risco, p. ex.)173. Com efeito, a aplicação da teoria tem, por corolário lógico – segundo seus defensores –, a outorga de maior relevo aos fatores de imputação: considerando todos os elementos condicionais como “causas” em sentido jurídico, ao nexo de causalidade não se atribui papel decisivo quanto ao reconhecimento da obrigação de indenizar, deixando-se à culpa e ao risco a função de definir sobre qual agente deve recair a responsabilidade174. A objeção, no entanto, além de anuviar a distinção entre nexo de causalidade e fatores de imputação (v. infra, Parte II, item 3.1.4), deixa sem explicação os casos relativos à responsabilidade civil objetiva, pelo que, nesse aspecto, a crítica permanece hígida175.

      

171

CAPECCHI, Marco. Il nesso di causalità: dalla condicio sine qua non alla responsabilità proporzionale. Padova: Cedam, 2012, 3ª ed., p. 53.

172

SANSEVERINO, Paulo de Tarso Vieira. Princípio da reparação integral. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 155-156. Como aduz autor, “[A] crítica central deferida à teoria diz respeito à possibilidade de transformação da relação de causalidade em um conceito simplesmente transposto das ciências naturais, quando, na realidade, o nexo causal não é uma definição causal-naturalista, mas, acima de tudo, conceito jurídico” (p. 155). No mesmo sentido, CRUZ, Gisela Sampaio da. O problema do nexo causal na responsabilidade civil. Rio de Janeiro: Renovar, 2005, p. 48-52; MULHOLLAND, Caitlin Sampaio. A responsabilidade civil por presunção de causalidade. Rio de Janeiro: GZ ed., 2010, p. 141-142; e LOPEZ, Teresa Ancona. Nexo causal e produtos potencialmente nocivos: a experiência brasileira do tabaco. São Paulo: Quartier Latin, 2008, p. 23. Na doutrina portuguesa, MENEZES CORDEIRO, António. Direito das obrigações. Vol. 2. Lisboa: Associação Académica da Faculdade de Lisboa, 1986, p. 334. ARCOS VIEIRA, Maria Luisa. Responsabilidad civil: nexo causal y imputación objectiva en la jurisprudencia. Navarra: Aranzadi, 2005, p. 27-33, registra ter sido “praticamente abandonada” a doutrina da equivalência das condições na jurisprudência civil espanhola (p. 33).

173

CAPECCHI, Marco. Il nesso di causalità: dalla condicio sine qua non alla responsabilità proporzionale. Padova: Cedam, 2012, 3ª ed., p. 55-56.

174

SERPA LOPES, Miguel Maria de. Curso de direito civil. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, Vol. V, 2ª ed., 1962, p. 254-255; SILVA, Jorge Cesa Ferreira da. Inadimplemento das obrigações. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 189; MULHOLLAND, Caitlin Sampaio. A responsabilidade civil por presunção de causalidade. Rio de Janeiro: GZ ed., 2010, p. 145; e ALMEIDA COSTA, Mario Júlio de. Direito das obrigações. Coimbra: Almedina, 9ª ed., 2001, p. 706.

175

CAPECCHI, Marco. Il nesso di causalità: dalla condicio sine qua non alla responsabilità proporzionale. Padova: Cedam, 2012, 3ª ed., p. 56.

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A doutrina sugere, principalmente com base em tais argumentos, a operação de aferição do nexo de causalidade deveria ocorrer através de duas fases distintas: na primeira, aplicar-se-ia a teoria da condicio sine qua non como espécie de critério de base; e, na segunda, aplicar-se-iam os temperamentos à peculiar amplitude que ostenta aludida concepção, o que se realizaria mediante a aplicação dos critérios presentes nas demais teorias que orientam a investigação do problema176.