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Verdade e probabilidade lógica

PARTE I – PROVA, VERDADE E CULTURA

2. VERDADE, VEROSSIMILHANÇA E PROBABILIDADE

2.2. Verdade e probabilidade

2.2.2. Verdade e probabilidade lógica

A probabilidade lógica, ou baconiana, por outro lado, não tem por objetivo estabelecer a determinação quantitativa das frequências correspondentes a determinados tipos de eventos, como proposto pela teoria pascaliana, mas sim a racionalização da incerteza correspondente à hipótese de fato. Sua fundamentação encontra-se baseada nos elementos de confirmação – as provas – disponíveis com relação a tal hipótese concreta. Em síntese, a concepção envolve a adoção de critérios para graduação do suporte indutivo, ou seja, das provas: daí decorre a eloquente expressão de L. Jonathan Cohen no sentido de que a probabilidade é a generalização da noção de “provabilidade” (provability)112. Em tal concepção, o grau de probabilidade das hipóteses de fato equivale, portanto, ao grau de confirmação obtido através dos elementos probatórios113. Vale dizer: não surge do azar, mas de causas: “a probabilidade de uma hipótese se apoia em sua conexão lógica com as provas através de regras (causais) gerais, e mede o grau de apoio (indutivo) que as provas proporcionam à hipótese”114.

Existem, substancialmente, dois campos principais de aplicação: o primeiro encontra-se ligado ao problema da justificação da indução, isto é, das condições em cuja presença se pode dizer que uma asserção de conteúdo geral ou quase geral de natureza axiomática encontra-se fundamentada115; o segundo, mais relevante para o problema aqui

      

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TARUFFO, Michele. La prova dei fatti giuridici. Milano: Giuffrè, 1992, p. 181. 112

COHEN, Jonathan L. The probable and the Provable. Oxford: Clarendon Press, 1977, p. 14; ou “probability as a gradation of provability” (p. 13-32).

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TARUFFO, Michele. La prova dei fatti giuridici. Milano: Giuffrè, 1992, p. 199-200. 114

GASCÓN ABELLÁN, Marina. Los hechos en el derecho - Bases argumentativas de la prueba. Madrid: Marcial Pons, 2004, 2ª ed., p. 174.

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examinado, está ligado ao problema da fundamentação das hipóteses sobre eventos particulares e específicos com relação aos elementos de prova disponíveis em cada momento116.

A probabilidade lógica tem por método o estabelecimento de conexões lógicas entre as provas colhidas no curso do processo e as alegações de fato. Tais conexões são o que determinam o grau de apoio inferencial que, em última análise, corresponde à verdade da alegação de fato. O aumento desse grau – devido ao incremento de elementos probatórios convergentes na mesma direção, p. ex. –, implica no aumento da probabilidade de que tal hipótese de fato seja verdadeira. Estabelecida a estrutura inferencial do grau de apoio da hipótese fática, os problemas relativos a situações probatórias complexas se resolvem mediante a articulação das inferências, de modo a estabelecer, em sede conclusiva, o grau final de probabilidade que os elementos de prova atribuem às diversas hipóteses fáticas117, formando-se, dessa forma, o juízo de fato.

Enquanto a concepção quantitativa da probabilidade se baseia fundamentalmente em dados estatísticos para concluir pela veracidade de determinada alegação de fato, a concepção lógica se baseia, em larga medida, no id plerumque accidit e nas máximas da experiência. Como atesta Taruffo, “se trata evidentemente de conhecimentos não quantificados e, portanto, não sujeitos a cálculos, que, sem embargo, funcionam como critérios de inferência capazes de vincular os elementos de prova com a hipótese fática submetida à confirmação, atribuindo a esta última um certo grau de apoio indutivo”118. Embora tais elementos probatórios que apoiam indutivamente a promoção da verdade prescindam de objetivação em termos matemáticos, sua aptidão para colaborarem no processo lógico desenvolvido para a formação do juízo de fato é controlado mediante o exercício do contraditório. A segurança no manejo das noções de senso comum e das máximas da experiência para a formação do juízo de fato é diretamente proporcional à valorização do diálogo judicial: o contraditório possui inegável aptidão para constranger a utilização de premissas adequadas à solução do problema concreto119.

      

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TARUFFO, Michele. La prova dei fatti giuridici. Milano: Giuffrè, 1992, p. 200. 117

TARUFFO, Michele. La prova dei fatti giuridici. Milano: Giuffrè, 1992, p. 202. 118

TARUFFO, Michele. La prova dei fatti giuridici. Milano: Giuffrè, 1992, p. 203. 119

Conforme Knijnik, “considerando que sempre e necessariamente incide na formação do juízo de fato uma máxima de experiência, impõe-se ao julgador mencioná-la e indicá-la, na fundamentação, a fim de que as partes possam sobre ela debater, submetendo-a ao contraditório (...) a fim de (...) garantir maior racionalidade ao juízo de fato quanto a este aspecto nuclear” (KNIJNIK, Danilo. A prova nos juízos cível, penal e tributário. Rio de Janeiro: Forense, 2007, p. 71-72). No mesmo sentido, mas em perspectiva mais abrangente em tema de prova judiciária,

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Isso não significa, todavia, que as leis científicas e as leis estatísticas também não possam colaborar com a formação do juízo de probabilidade lógica. A ausência de cálculo matemático não obsta a existência de eventual conexão lógica de leis científicas, inclusive de caráter estatístico, com as demais provas, de sorte a outorgar apoio indutivo a essa ou aquela hipótese de fato.

Seja como for, a partir do conceito de apoio indutivo de uma generalização é que Cohen desenvolve a lógica da probabilidade indutiva. A construção consiste, mais especificamente, em contrastar hipóteses e eliminar aquelas que sejam contrariadas pelas provas. As generalizações que servem de base à inferência indutiva (máximas de experiência, p. ex.), constituem leis causais do tipo “se sucede A normalmente sucede B”. A regra de prova que serve para avaliar a probabilidade indutiva da hipótese consiste em demonstrar que no caso particular não concorrem circunstâncias concretas que excluiriam a aplicação da regra geral. Em outras palavras: não basta que as provas disponíveis proporcionem um alto grau de apoio à hipótese; é necessário, além disso, que permitam excluir hipóteses alternativas120.

A concepção da probabilidade lógica, nesse sentido, possui a virtude de reunir três elementos fundamentais no processo de aferição da verdade e para a adequada formação do juízo de fato: a consideração de elementos probatórios concretos (as provas produzidas); a consideração de elementos probatórios abstratos (as máximas da experiência, as noções de senso comum e leis científicas); e, por fim, a equalização de tais elementos mediante o contraditório, pelo que se dá a colaboração da linguagem e suas respectivas ingerências de natureza semântica. A concepção da verdade enquanto probabilidade lógica permite convergir tais elementos, cotejando a hipótese de fato, sua confirmação nas provas e em relação a elementos probatórios abstratos, além de considerar, sobretudo, o problema da linguagem no que se refere à verificação de sua correspondência à realidade.

      

ALVARO DE OLIVEIRA, Carlos Alberto. Do formalismo no processo civil: proposta de um formalismo-

valorativo. São Paulo: Saraiva, 2009, 3ª ed., p. 192-195.

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Assim também GASCÓN ABELLÁN, Marina. Los hechos en el derecho - Bases argumentativas de la prueba. Madrid: Marcial Pons, 2004, 2ª ed., p. 175-176.

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