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Teoria da imputação objetiva

PARTE II – O NEXO DE CAUSALIDADE NA RESPONSABILIDADE CIVIL

3. NATUREZA (JURÍDICA) DO NEXO DE

3.2. A indevida distinção entre “causalidade material” e “causalidade jurídica”

3.3.4. Teoria da imputação objetiva

Outro critério examinado pela doutrina visando a compreender a relevância jurídica outorgada ao nexo de causalidade na responsabilidade civil é o da imputação objetiva. Seu desenvolvimento em sede de teoria do direito deu-se por primeira vez por Karl Larentz, em sua tese de doutorado denominada “Hegel zurechnungslehre und der begriff der objektiven zurechnung” (“A teoria da imputação de Hegel e o conceito de imputação objetiva”), publicada

      

201

ALVIM, Agostinho. Da inexecução das obrigações e suas consequências. Rio de Janeiro: Editora Jurídica e Universitária, 1965, p. 342.

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em Leipzig no ano de 1927. No âmbito do direito penal vem encontrando maior eco doutrinário em face dos desenvolvimentos promovidos por Claus Roxin e a Günther Jakobs202.

O critério também se baseia na noção de probabilidade, mas no sentido ex ante. Vale dizer: a concepção considera o risco estimado pelo sujeito em provocar o resultado, sendo que tal estimativa é realizada no momento em que o sujeito age. Tendo o evento danoso ocorrido, e considerando-se este decorrência do risco que se estimava, reconhece-se o nexo causal entre a conduta (arriscada) e o dano. Na responsabilidade civil, a concepção dar-se-ia da seguinte forma: ocorrendo determinada conduta criadora de um risco e, posteriormente, a realização desse risco no resultado (dano), é possível reconhecer aludida conduta arriscada como “causa” porquanto induzível o nexo de causalidade entre tal conduta e o dano. No caso da vítima que, ferida pelo autor (quem criou, portanto, o risco através de sua conduta), falece em decorrência de um acidente com a ambulância que o transportava para o hospital, não é possível estabelecer o nexo de causalidade, porque a conduta arriscada não se realizou no resultado, mas foi substituído por outro: o risco de morrer em um acidente de trânsito203. A pesquisa da causalidade, dessa forma, passa a ser realizada através de uma probabilidade em termos de previsão do dano. Embora semelhante previsão deva ser realizada pelo sujeito, a determinação do risco não decore dos conhecimentos subjetivos particulares daquele que realiza a conduta, mas daqueles conhecimentos oriundos da experiência comum, que seriam exigíveis do homem médio e, nessa medida, seriam objetiváveis.

A diferença substancial que existe entre o critério proposto pela teoria da causalidade adequada e aquele apontado pela teoria da imputação objetiva reside no momento de realização do juízo prognóstico: na primeira, o juízo de prognose dá-se posteriormente à ocorrência do evento danoso; na segunda, o juízo de prognose é prévio. Na concepção da causalidade adequada, após ocorrido o dano, verifica-se, mediante juízo de prognose póstuma, baseado na experiência comum, se determinada conduta se insere como provável causa do dano. Na concepção da imputação objetiva, por outro lado, provoca-se espécie de retorno ao momento em que a conduta foi realizada: verifica-se, a partir daí, em juízo de prognose prévia, se mediante determinada conduta seria provável (e aí se insere a noção de risco) que o dano viesse a ocorrer.

      

202

Sobre o tema, ROXIN, Claus. Funcionalismo e imputação objetiva. Rio de Janeiro: Renovar, 2002, passim. 203

GRECO, Luis. Imputação objetiva: uma introdução. In: ROXIN, Claus. Funcionalismo e imputação objetiva. Rio de Janeiro: Renovar, 2002, p. 8.

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Com efeito, Maria Luisa Arcos Vieira registra, na doutrina europeia, a divergência dos autores quanto ao momento no qual deve ser realizado tal juízo de previsibilidade, se ex ante (isto é, no momento em que se realiza a ação) ou ex post (depois de o evento já ter ocorrido), o que determina, via de consequência, o critério para o accertamento do nexo causal. À Professora Titular de Direito Civil da Universidade Pública de Navarra parece ser mais razoável aferir a causalidade através de “[u]m juízo de probabilidade ex ante”, isto é, “atendendo às circunstâncias concretas que o agente sabia ou poderia saber se corresponderia melhor (considerando assim mesmo a evitabilidade) com a valoração da culpabilidade própria da fase de imputação objetiva”204.

Não é possível concordar com tal assertiva. Embora a aplicação do critério outorgado pela teoria da imputação objetiva no direito civil tenha sido postulada como mais adequada a responder aos anseios “de plena e integral reparação dos danos e da solidariedade social”205, este não serve, rigorosamente, para aferir o nexo de causalidade. Para o bem da verdade, ao prestigiar o juízo de previsibilidade do dano, o critério serve ao efeito de aferir a imputabilidade, ou seja, o nexo de imputação, que consiste em distinto pressuposto de atribuição da responsabilidade civil206. O conhecimento do agente (previsão) a respeito do dano é elemento indissociável da caracterização de sua conduta. O nexo de causalidade, por outro lado, é relação que conecta dois fatos, e não condutas. Se, p. ex., “[t]oda a culpa que leva à responsabilização civil importa na violação de um dever de conduta cujo resultado o autor da ação ou da omissão podia ou devia conhecer e evitar”207, ou seja, deveria prever, é evidente que a aplicação da teoria da imputação

      

204

ARCOS VIEIRA, Maria Luisa. Responsabilidad civil: nexo causal y imputación objectiva en la jurisprudencia. Navarra: Aranzadi, 2005, p. 85-86. Semelhante orientação é proposta naqueles “excepcionalíssimos” casos inerentes ao que a doutrina denomina “responsabilidade civil agravada”. Segundo Fernando Noronha, “[e]xistem casos em que não se exige um nexo de causalidade adequada entre a atividade do responsável e o dano acontecido: são os casos que alguns designam (inadequadamente) de responsabilidade civil por risco integral (...)”. Trata-se dos casos em que, a exemplo do ocorre com a responsabilidade objetiva comum, tem por fundamento o risco da atividade. Porém, nesta “o risco considerado é bem mais específico”, de modo a que se “prescinda do nexo de causalidade adequada entre o fato do responsável e o dano”, muito embora “em contrapartida exige-se que este guarde estreita

conexão com a atividade do responsável: não são todos os danos ocorridos que são indenizáveis, serão apenas

aqueles considerados riscos inerentes, característicos ou típicos da atividade em questão (...)” (NORONHA, Fernando. Direito das obrigações. São Paulo: Saraiva, 3ª ed., 2010, p. 667).

205

MULHOLLAND, Caitlin Sampaio. A responsabilidade civil por presunção de causalidade. Rio de Janeiro: GZ ed., 2010, p. 188.

206

Essa também parece ser a posição de Antunes Varela (VARELA, João Matos Antunes. Das obrigações em geral. Vol. I. Coimbra: Almedina, 1996, p. 912).

207

MARTINS-COSTA, Judith. Comentários ao Código Civil. Vol. V. Tomo II. Rio de Janeiro: Forense, 2004, p. 128. Citando Miguel Reale Jr., a jurista afirma que “[p]ara saber se ocorreu ou não a culpa (negligência), ‘avalia-se

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na responsabilidade civil, ao propor o juízo de prognose prévia, funda suas bases na indevida indistinção entre nexo de causalidade e imputação. Não sendo possível, no entanto, confundir os fatores de imputação da responsabilidade – culpa e risco – com o nexo de causalidade, revela-se impossível substituir a noção de causalidade pela de imputação objetiva. O critério proposto pela teoria da imputação objetiva pode servir para a demonstração do nexo de causalidade apenas na hipótese em que o risco apontado alcance frequência aproximadíssima a 1, na forma como explico infra (Parte III, item 4.1.2.2).

3.4. O modelo nomológico da explicação causal e sua relação com a teoria da causalidade