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A teoria dos meios e o andrógino digital

No documento O ANDRÓGINO NA FOTOGRAFIA DE MODA (páginas 33-36)

Discorreremos agora sobre a Teoria dos Meios e suas contribuições para a formação do corpus de pesquisa. Nesse sentido, as tecnologias digitais podem ser vistas como extensões da consciência humana. As extensões tecnológicas da consciência podem interferir na organização cultural e, em um segundo momento, na

exteriorização dessa consciência: o corpo, os gestos e posturas, a aparência, o vestuário. Existe um ciclo, na verdade. As próteses interferem em coisas não físicas, que interferem em coisas físicas. As modificações na consciência interferem na cultura e vão ter consequências no mundo físico, nas várias manifestações dessa cultura. Comportamento, literatura, vestuário, relações humanas, relações familiares, pautas jornalísticas e políticas podem ser áreas afetadas.

Joshua Meyrovitz, em seu trabalho Teoria del Medio de Comunicación, defenderá que o meio digital é um novo lugar de construção para novas formas de comunicar:

O meio eletrônico traz de volta um aspecto fundamental das sociedades orais: a simultaneidade de ação, percepção e reação. A experiência sensorial torna-se novamente uma forma privilegiada de comunicar. (...) Ao contrário da comunicação falada, a comunicação eletrônica não está sujeita às limitações físicas de tempo ou espaço. Mensagens eletrônicas podem ser preservadas, e podem ser experienciadas simultaneamente por um grande número de pessoas, independentemente de sua localização física. O sentimento de "nós" não é mais formado apenas por face-a-face, solidariedade oral ou pela partilha de textos semelhantes. O meio eletrônico contorna os "círculos literários" tradicionais, as associações de grupo e fronteiras nacionais e nos dá uma nova visão de mundo empurrando-nos entre as pessoas que não leram o que lemos, não compartilharam o nosso território, e não podem sequer falar a nossa língua. (...) Meios eletrônicos tendem a fomentar novos tipos de experiência compartilhada. (...). Defendo que o comportamento cotidiano seja suscetível de alteração por novos meios de comunicação, porque os papéis sociais são intrinsecamente interligados em comunicação social. A identidade social não repousa em pessoas, mas em uma rede de relações sociais. Quando as redes sociais são alteradas, as identidades sociais vão mudar (MEYROVITZ, 1996, p. 58).

Meyrovitz defende que os meios digitais interferem nos papéis sociais, sendo esses um fluxo de informações, totalmente modificáveis e reestruturáveis devido às mudanças na natureza das redes pelas quais as informações são distribuídas e compartilhadas. Nos meios digitais, espaço e tempo são diluídos pela natureza do meio. O meio de comunicação não depende mais do suporte e as informações são compartilhadas a grandes distâncias, quase instantaneamente. Diferentes meios melhoram e reduzem a quantidade de experiência compartilhada por pessoas diferentes. O livro faz relação principalmente com o passado. O jornal se baseia no presente. Enquanto que a internet pode ser tida como a simultaneidade de tempo por sua infinita capacidade de armazenamento do passado e por suas cada vez mais criativas formas de projetar sobre o futuro a ideia de inúmeras possibilidades. É, assim, um meio que faz uso do acervo de conhecimento

acumulado para solucionar demandas presentes e, muitas vezes, futuras. Isso em uma escala muito maior do que já havia sido feito até então com bibliotecas que exigiam um deslocamento físico para serem acessadas, por exemplo. Além da relativização de tempo e espaço, a internet é um meio de liberdade de expressão. Podemos criar um “eu” alternativo, os chamados “fake”, e postar qualquer coisa com essa identidade alternativa, além de interagir com outros (reais ou também fakes). A sexualidade virtual acaba sendo um grande campo de exploração e investigação para essas novas imagens corporais virtuais e, por consequência, novas identidades. Diferentemente de certas culturas cibernéticas que acreditam que a sexualidade virtual acabará por substituir a experiência com o outro, atingindo um nível supremo de higiene e eliminando o corpo físico (LE BRETON, 2009), o que se mostra, de fato, é uma apropriação dessa identidade mais libertária, forjada na internet, pelo sujeito de carne e osso.

A sexualidade virtual passa, então, a ser uma preliminar para a realização desses prazeres ligados a uma identidade alternativa; esse corpo físico liberta-se através da prévia entrega de um corpo virtual. Dessa forma, a imagem do nosso corpo passa a ser a imagem que criamos para ele. Nosso corpo passa, pouco a pouco, a ser um produto cultural adaptado ao tempo em que ele existe.

O meio digital acaba por propiciar um lugar onde novas formas de ver o corpo e a sexualidade são não só possíveis, mas claramente vocacionadas a existir:

A abordagem da teoria do meio de alteração de função sugere que diferentes meios de comunicação são como diferentes tipos de quartos - quartos que incluem e excluem as pessoas de diferentes maneiras. A introdução de novos meios de comunicação em uma reestruturação da cultura do mundo social, da mesma forma como a construção ou remoção de paredes podem ou isolar as pessoas em diferentes grupos ou uni-los em um mesmo ambiente. Mídia que segrega situações irá promover padrões de comportamento segregadas. Meios de comunicação que integram as situações irão promover padrões de comportamento integrados (MEYROVITZ, 1996, p. 62).

Além da integração, a internet promove o anonimato e o descompromisso físico, presencial. Isso é um grande estímulo para que se construam nela identidades e representações de gênero mais fluidas e, por assim dizer, neutras.

As características inerentes ao meio que transmite a informação (nesse caso, imagética) influenciam diretamente na forma com que as pessoas se relacionam com essa informação (imagem), na velocidade com que ela é produzida

e propagada e, principalmente, na maneira com que ela é assimilada. A influência ocorre no público que está ali, disposto a consumi-la e na maneira como esse público se apropria dela. A internet e sua vocação por juntar pessoas com interesses comuns é responsável pela rápida construção de uma cultura alternativa, desprendida de tantas amarras morais e pronta para receber novos conceitos e novas formas de se relacionar.

No documento O ANDRÓGINO NA FOTOGRAFIA DE MODA (páginas 33-36)