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SEÇÃO 1 – ASPECTOS GERAIS

2.2 BACIA HIDROGRÁFICA E SUA GESTÃO

2.2.3 Teorias dos Sistemas e suas Aplicações às Bacias Hidrográficas

A natureza exerce um papel fundamental na vida do homem. Como parte integrante da mesma, o homem necessita dela para suprir suas necessidades fisiológicas no consumo do ar, água, luz, alimentos, bem como para mecanismos de proteção: abrigo, habitação, vestuário e medicamentos (FUGIHARA, 2002).

O conceito de sistema nos ajuda a dar sentido ao mundo amplo e complexo que nos cerca. Morin (1982; 1990), ao apresentar a Teoria da Complexidade, realiza uma importante contribuição ao pensamento científico quando diz que o todo não é apenas a soma das partes; cada parte desvela e guarda consigo a essência do todo ao qual pertence. Um sistema contém partes que podem ser entendidas separadamente, mas o todo não pode ser completamente entendido sem o reconhecimento da importância da posição de cada um de seus elementos e das relações existentes entre eles.

No sentido educativo, ao estudar o ambiente, o qual é designado por muitos como meio ambiente, é importante que se coloque o necessário enfoque sobre o conjunto dos diferentes elementos que nele atuam, existem e intervém:

O meio pode ser entendido como um conjunto de elementos, fenômenos, acontecimentos, fatores e ou processos de diversas índoles que ocorrem no meio envolvente e no qual a vida e a ação das pessoas têm lugar e adquirem significado. O meio desempenha, assim, um papel condicionante e determinante na vida, experiência e atividades humanas, ao mesmo tempo em que sofre transformações contínuas como resultado dessa mesma atividade (PORTUGAL, 2007).

Ambiente é o espaço multidimensional onde o espaço local está alicerçado no saber popular, fundamentado na prática. Assim, o conhecimento é resultado da vivência, compreensão, observação, análise e intervenção crítica no seu meio.

Nesta perspectiva, o conhecimento do meio pode ser adquirido a partir da observação e análise dos fenômenos, dos fatos e das situações que permitam uma melhor compreensão dos mesmos e que possibilitem uma intervenção crítica. Para que se possa realizar uma intervenção crítica, é necessário analisar e conhecer as condições e as situações que acontecem no meio as quais exercem influência nos modos de vida da comunidade. A intervenção no meio pressupõe e implica processos de participação, defesa, respeito e negociação (FARAH, 2006; PORTUGAL, 2007).

O Conhecimento do meio possibilita e capacita o homem a saber, pensar e atuar sobre ele, assim como desenvolver competências específicas em três grandes domínios que se relacionam entre si: a localização no espaço e no tempo; o conhecimento do ambiente natural e social e o dinamismo das inter-relações entre o natural e o social, agregando progressivamente ao “saber” (conceitos adquiridos), o “saber fazer” (tecnologia) e o “saber ser” (atuar como cidadão). Buscando-se progressão educativa dos participantes através de atividades de estudo do meio podem ser estimuladas as seguintes habilidades:

Resolução de Problemas; Trabalho cooperativo; Trabalho individual; Atividades investigativas;

Situações variadas de comunicação; Elaboração de projetos e

Situações variadas de intervenção no meio (PORTUGAL, 2007).

No estudo dos sistemas referentes ao meio natural, do ponto de vista físico, segundo Christofoletti (1980), Odum (1983) e Chiaranda (2002), em uma escala considerada, os sistemas não atuam de forma isolada, mas fazem parte de um conjunto maior. O que significa dizer que podem ser ordenados em uma hierarquia, no qual se encontra inserido um dado sistema, denominado de supra-sistema ou sistema antecedente. Esse, por sua vez, compreende o conjunto de todos os fenômenos e eventos que, através de suas mudanças e dinamismo, apresentam repercussões no sistema focalizado, pelo sistema propriamente dito com seus elementos, relações e fluxos de matéria e de energia, e por todos os fenômenos e eventos que sofrem alterações e mudanças por causa do comportamento do sistema, denominado de subsistema ou sistema subseqüencial.

Os sistemas são categorizados, com freqüência, para orientar seus estudos. Uma conseqüência importante da organização hierárquica é que, à medida que as componentes interagem para produzir sistemas funcionais maiores, emergem novas propriedades que não estavam presentes no nível inferior e não podiam ser previstas a partir do estudo desse nível ou das suas componentes, e são denominadas de propriedades emergentes (TRICARD, 1977; ODUM, 1983; NAVEH; LIEBERMAN, 199311 citados por CHIARANDA, 2002).

11 Naveh, Z.; Lieberman, Landscape Ecology: Theory and Application. Springer-Verlag, New

No estudo dos sistemas, é possível definir sistemas que são isolados e não isolados, enquanto os não isolados subdividem-se em fechados e abertos. As bacias hidrográficas são consideradas, funcionalmente, como sistemas não isolados e abertos, pois, mantêm relações com os demais sistemas onde ocorrem trocas constantes de matéria e energia, por meio de seus respectivos ambientes de entrada e saída (CHRISTOFOLETTI, 1980; CHIARANDA, 2002).

Desta forma, as bacias hidrográficas se constituem como estruturas de representação dos fenômenos físicos dos ecossistemas, cuja organização interna influencia as relações de entrada e saída, de maneira que mudanças externas no suprimento de energia e de massa conduzem a um auto-ajuste das componentes e dos processos. Essas, em seu caráter funcional, à semelhança dos sistemas biológicos, advêm de seus mecanismos de retroalimentação, da sua característica termodinâmica denominada entropia12 e de seus

mecanismos homeostáticos13, na busca constante da manutenção do equilíbrio para a

estabilização (IBIDEM). Para Capra (1987), entropia é uma quantidade que mede o grau de evolução de um sistema físico, da ordem para a desordem.

As bacias apresentam as rochas, relevos, solos, rede de drenagem, flora e fauna como principais componentes estruturais e que, per si, podem constituir-se em sistemas específicos ou subsistemas (CHIARANDA, 2002).

Paralelamente, informações que vêm sendo disponibilizadas por novas tecnologias, contribuindo para o desenvolvimento de uma nova mentalidade, sobre a importância do monitoramento hidrológico, para que cada estado possa conhecer e gerenciar o seu potencial hídrico (ANA, 2004).

De acordo com Black (1996), as bacias apresentam cinco funções claramente identificáveis, sendo três funções hidrológicas: captação, armazenagem e descarga e duas funções ecológicas: a função de habitat e de meio, para ocorrência de reações químicas.

12 Conceito de entropia: “(de en, em; trope, transformação) é uma medida da energia não disponível

que resulta das transformações. O termo também é usado como índice geral da desordem associada com a degradação da energia” (ODUM, E.P. Ecologia. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 1988).

12 Homeostase é a tendência do sistema fisiológico dos animais superiores de manter um ambiente de

Em decorrência da função de captação, pode-se observar que, normalmente, as bacias hidrográficas que possuem cobertura vegetal original podem não se tornar uniformemente saturadas durante eventos de precipitação que causam escoamento, mas apenas em locais específicos, como aqueles com solos rasos, declives íngremes, vegetação esparsa, ou nos quais a precipitação é intensa.

Black (1996) afirma que a modificação do uso da terra altera o comportamento do escoamento registrado, após a ocorrência de eventos de precipitação.

A função de descarga também tem seu comportamento alterado devido às modificações de captação e armazenagem, bem como as práticas de manejo que possam ser utilizadas para a restauração dessas; assim, há uma alteração na função química e de habitat pela alteração do escoamento no tempo e uma maior quantidade de materiais carreados, causando impactos na flora e fauna aquática, na rede de drenagem e na saúde do ecossistema. A literatura registra que as bacias hidrográficas consideradas de pequeno tamanho, geralmente denominadas de microbacias hidrográficas, apresentam maior sensibilidade de resposta em decorrência da pouca capacidade de tamponamento de sua rede de drenagem, menor tempo de permanência da água, assim como menor heterogeneidade de ambientes, segundo Hewlett; Nutter (196914);

Whitehead; Robinson (199315), Azevedo Neto; Alvarez (198216) citados por Zakia (1998),

dentre outros.

Para a compreensão da importância da zona ripária, para a correta condução da água proveniente das precipitações de chuva, Zakia (1998) esclarece que as pesquisas voltadas para o conhecimento mais detalhado do funcionamento hidrológico de uma área crítica da microbacia, que é a zona ripária, evoluíram bastante desde o trabalho de Hewlett e Hibbert (196717).

14 HEWLETT, J.D. & NUTTER, W.L. (1969). An Outline of Forest Hydrology. University of Georgia

Press. 137 p.

15 WHITEHEAD, P.G. & ROBINSON, M. (1993). Experimental basin studies - an international and

historical perspective of forest impacts. Journal of Hydrology. Amsterdam, 145: 217-30.

16 AZEVEDO NETO, J.M. & ALVAREZ, G.A. (1982).Manual de Hidrologia. Edgard Blucher, São

Paulo. v2. 335p.

17 HEWLETT, J.D. & HIBBERT, A.R. (1967). Factors Affecting the Response of Small Watersheds

Em condições de cobertura de floresta natural não perturbada, a taxa de infiltração é normalmente mantida em seu máximo. Nessas condições, raramente ocorre a formação de escoamento superficial, a não ser em locais afetados pelas atividades relacionadas com a exploração da floresta (PIERCE, 196718 citado por ZAKIA, 1998).

As características do piso florestal constituem-se em uma das condições principais para a manutenção da infiltração e da transmissão da água no solo. Em uma revisão sobre hidrologia de matas ciliares, os autores Lima; Zakia (2000) e Zakia (1998) destacam que, nas áreas com boas condições de cobertura vegetal, a ocorrência de escoamento superficial hortoniano, ao longo de todas as partes da microbacia, é rara ou mesmo ausente. Por outro lado, algumas áreas parciais da microbacia podem produzir escoamento superficial mesmo quando a intensidade da chuva é inferior à capacidade de infiltração média para a microbacia como um todo. Tais áreas são:

a) zonas saturadas que margeiam os cursos d’água e suas cabeceiras, as quais podem se expandir durante chuvas prolongadas (zonas ripárias);

b) concavidades do terreno, para as quais convergem as linhas de fluxo, como as concavidades freqüentemente existentes nas cabeceiras (também parte da zona ripária)

c) áreas de solo raso, com baixa capacidade de infiltração.

Nas situações (a) e (b), o processo é denominado de “escoamento superficial de áreas saturadas”, o qual ocorre mesmo que a intensidade da chuva seja inferior à capacidade de infiltração do solo. Parte deste processo pode ocorrer na forma de interfluxo lateral, portanto, não se trata de escoamento hortoniano (CHORLEY, 197819 citado por ZAKIA, 1998).

Tendo como pressuposto as bacias como um local onde o uso da terra não tenha provocado o aparecimento de áreas compactadas ou impermeáveis, nas quais poderia ocorrer escoamento superficial hortoniano durante as chuvas, as zonas ripárias desempenham papel hidrológico fundamental no controle da geração do escoamento direto (ZAKIA, 1998).

As bacias hidrográficas também podem ser consideradas como sistemas controlados e, segundo Cristofoletti (1980), sistemas controlados são aqueles que apresentam

18 PIERCE, R.S. (1967). Evidence of Overland Flow on Forest Watershed. In: International

Symposium on Forest Hydrology. Pergamon Press. p. 247-254.

19 CHORLEY, R. J. (1978). The Hillslope Hydrological Cycle. In: Hillslope Hydrology. KIRBY, M. J.

atuação humana sobre os processos-resposta. De maneira que, devido a essa intervenção, a complexidade dos mesmos é bastante aumentada, pois, através de sua atuação na produção de bens econômicos, o homem passa a produzir modificações na distribuição de matéria e energia dentro dos sistemas, ou seja, ela influencia as formas com que elas estão relacionadas com o meio, quando modificam, por exemplo, a capacidade de infiltração do solo. O ser humano pode produzir, consciente ou inconscientemente, modificações consideráveis no fluxo d’água (ODUM, 1983; CHIARANDA, 2002).

Em termos funcionais, com a atuação humana para exploração econômica, são adicionadas aos seus ambientes as entradas de fluxos de energia auxiliar e de materiais: insumos, energia, água, e de instrumentais como tecnologias, conhecimentos e trabalho, por vezes, em quantidades além do necessário para a sustentação da vida. Os fluxos de energia auxiliar modificam a estrutura interna dos sistemas e seus processos funcionais, levando a transformação e geração de novos produtos, bens e serviços (CHIARANDA, 2002).