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Esta tese defende que a crônica do jornal é um gênero textual-discursivo que compõe o sistema de gêneros jornalísticos opinativos; assim como, o Artigo é um outro gênero textual-discursivo opinativo do mesmo sistema.

44 Entende-se que todas as mudanças sociais produzem mudanças no discurso, assim como todas as mudanças no discurso produzem mudanças sociais (cf. FAIRCLOUGH, 2001)

A relação da mídia com a sociedade fundamenta-se na inter-relação de alguns fenômenos sociais, dentre eles o da esfera pública, conforme compreendida e teorizada pelo sociólogo Jurgen Habermas (1984, 2003, 2014) como uma das categorias centrais da sociedade. O termo “esfera pública” está intimamente associado ao desenvolvimento da burguesia, estabelecendo-se como espaço de reconhecimento público e de representações sociais. Dessa forma, bares, cafés substituíram o espaço, anteriormente da corte, no que se refere ao pensamento, à intelectualidade e à cultura do momento. Nos bares, cafés encontravam-se os aristocratas, intelectuais, comerciantes, etc. para trocarem suas impressões sobre os acontecimentos do momento.

Por volta do século XVIII, os cafés eram frequentados por uma quantidade enorme de pessoas. Os empresários da informação atentos às modificações sociais e como forma de manter ou aumentar seu público leitor, criaram publicações dedicadas à arte, à crítica literária e notícias econômicas. Posteriormente tais jornais passaram a tratar de questões mais sociais e políticas.

Os artigos publicados passaram a ser assunto dos cafés, bem como transformados pelo público deles, pois os números de cartas enviadas à redação aumentaram em grande quantidade, o que levou à seleção e publicação de apenas algumas delas, criando o espaço cartas do leitor. Esse diálogo demonstra a relação entre mídia e sociedade no que concerne ao debate público, uma vez que aquilo que se encontra na mídia passa para a sociedade e retorna com suas impressões à mídia, fomentando um novo debate, caracterizando uma circularidade.

A esfera pública pode ser descrita como uma rede adequada para a comunicação de conteúdos, tomadas de posição e opiniões, nela os fluxos comunicacionais são filtrados e sintetizados, a ponto de se condensarem em opiniões públicas enfeixadas em temas específicos. Do mesmo modo que o mundo da vida tomando globalmente, a esfera pública se reproduz através do agir comunicativo, implicando apenas o domínio de uma

45 linguagem natural, ela está em sintonia com a compreensibilidade geral da prática cotidiana. (HABERMAS, 2003, p. 92)

Segundo Thompson (1995), a esfera pública se constitui por diversos públicos que se organizam em volta de temas de interesse em comum; com o desenvolvimento da comunicação, atingindo um grande número de pessoas, ela conquistou maior visibilidade, ganhando credibilidade para tratar dos acontecimentos e indivíduos públicos. Dessa forma, a mídia passa a partilhar um saber, uma opinião, independente do indivíduo. Dessa forma, a mídia se transforma em espaço público na contemporaneidade.

Thompson (1995), autor de uma teoria social da mídia, postula que a mídia é o espaço mediador e de controle simbólico da sociedade “desde o advento da imprensa e especialmente da mídia eletrônica, lutas por reconhecimento se tornaram cada vez mais lutas pela visibilidade dentro de espaços não localizados de publicidade mediada” (THOMPSON, 1995, p.215).

Segundo o autor, o exercício do poder ocorre através de instituições, que proporcionam bases privilegiadas para exercer o controle: econômico, político, coercitivo ou simbólico; essas instituições de poder, ele as denominou como: instituições paradigmáticas.

A imprensa nasceu das necessidades burguesas e cresceu como ferramenta do Estado, adquirindo um poder simbólico que se constitui poder paralelo aos poderes constitucionais de uma república, pois o discurso jornalístico é excludente, uma vez que seleciona o que será tematizado em suas publicações e por construir o mundo, a realidade conforme suas ideologias.

Pollak (1992) demonstra que, na construção da identidade, da realidade, ou seja, a construção de mundo, deve-se levar em conta os elementos essenciais para tal finalidade, são eles: a unidade física (o lugar, a concepção espacial); a continuidade dentro do tempo (não só no sentido físico, mas moral e psicológico, como frisa o autor); e, “o sentimento de coerência, ou seja, os diferentes elementos que formam um indivíduo são efetivamente unificados” (Pollak, 1992, p. 204)

46 A construção da identidade não é algo puramente individual ou coletivo, mas uma permanente negociação entre indivíduo e sociedade. E, devemos ter em mente que a sua construção não é estática ou pronta, e sim um processo permanente de interação e fluxos (Barth, 1966, p.1-2).

Na constituição das redes sociais de memória e identidade, há outras dimensões que necessitam ser levadas em conta, como o saber e o poder, pois existe sempre um saber em disputa, quando se configuram as redes de memória e identidade. Justamente esse saber, objeto de conflitos, é revestido por um status de verdade, como indica Foucault (1996).

Portanto, ao buscar e disputar o saber, essa disputa é reveladora por ser uma disputa pelo poder, pelo controle da informação, pela construção de uma versão que se sobreponha às demais e receba o estatuto de verdade; isso implica uma disputa pela própria posição social ocupada por esses agentes. Assim, Foucault vai afirmar que “a verdade não existe fora do poder ou sem poder” (Foucault, 1996, p. 12).

O discurso jornalístico busca relacionar o passado e presente, mas entre as diversas concepções individuais acerca do passado. Para se ter uma memória coletiva faz-se necessário a interligação das diversas memórias dos indivíduos pertencentes a um grupo identificado como proprietário daquela memória.

Por meio da memória, reconstrói-se o elo com o passado, com o mundo, com a própria origem, construindo a memória coletiva, uma vez que ela é uma apropriação de um passado nem sempre linear e, sim, uma aderência ao mundo e aos mitos de criação.

Para os estudiosos da Comunicação Social, a cultura da memória indica uma atualização contemporânea, através da busca na memória construída no presente, a partir de demandas criadas e são fatores fundamentais para construção de pertencimento social. De certa forma, a busca do controle sobre a memória produz uma identidade, para o agente social nela envolvido, no sentido de gerar um lugar dentro de uma rede específica de circularidade e fluxo.

Nesse sentido, o discurso jornalístico pode ser pensado como construtor e legitimador de lugares de memória, segundo os postulados de Pierre Nora Ribeiro (1996), ou seja, seriam eles não os lugares de memória, mas com

47 certeza espaços privilegiados no arquivamento e produção da memória contemporânea. Assim, o discurso jornalístico torna-se uma memória produzida, construída no e pelo discurso, porque, ao produzir seu discurso, o jornalista dá relevância ou seleciona fatos, enquanto esquece ou relega ao obscurantismo outros fatos.

Como uma série de estratégias, o jornal tornou-se ‘expressões da verdade’, uma vez que faz acreditar que representa o pensamento da sociedade, devido sua popularidade. O jornal possui papel fundamental na sociedade contemporânea, ou seja, é o formador de opinião, o sinalizador ou cristalizador da visão acerca do real.

O discurso jornalístico contemporâneo afirma estar comprometido com a verdade e ser o transmissor da verdade, por testemunhar o acontecido. No entanto, o que se verifica é uma apropriação desse real através de estratégias enunciativas, tanto verbais como não-verbais. Os discursos são formulados não só a partir do sujeito que fala, mas também na interação com o sujeito que recebe.

Para compreender o discurso jornalístico faz-se necessário compreender as concepções linguísticas que buscam explicar o uso da linguagem em termos de contextos e práticas sociais. As abordagens se alicerçaram na concepção da polifonia, do dialogismo de que falava Bakhtin e avançaram para demonstrar o caráter social da linguagem. Dessa maneira, as teorias procuram compreender o discurso não como dotado de um sentido único e portador de uma única voz, mas em concebê-lo como produto social, como ação social. As teorias do discurso, de forma geral, apontam para o caráter de construção social de todo discurso, englobando o discurso midiático.

Os pontos de vista, as apropriações do real não são condutoras de significados por si mesmas e sim um sistema de representações simbólicas que dependem, para sua interpretação, do trabalho de compilação do produtor, no sentido de codificá-la adequadamente, bem como das condições necessárias para o receptor interpretá-las, já que o discurso representa o real a partir da própria experiência do leitor.

Os diversos agentes, envolvidos na produção das identidades sociais, são sujeitos posicionados, que possuem suas demandas dadas pelas condições do presente e pela ideologia do poder.

48 As análises realizadas com os textos publicados no espaço reservado a textos opinativos, designados, genericamente, coluna são diferenciados pela maneira de se construir a opinião.

As crônicas publicadas em jornal são organizadas por um esquema textual argumentativo. Este, segundo van Dijk (1978: pág. 160), pode ter a seguinte visualização:

Este esquema situa, na conclusão, a opinião do cronista a respeito de uma circunstância ocorrida que é diferente dos conhecimentos sociais situados no Marco das Cognições Sociais. Tal Circunstância é expressa por fatos ocorridos na atualidade, tendo, por Ponto de Partida, argumentos que constroem legitimidade e reforço para opinião emitida.

Sendo assim, defende-se que o gênero textual-discursivo crônica é um gênero opinativo a respeito dos eventos do cotidiano da vida dos brasileiros. Para tanto, o cronista constrói uma circunstância a partir da qual opina. Esse esquema textual-discursivo apresenta-se de duas maneiras, dependendo da Circunstância criada como tema da opinião.

A crônica de jornal é caracterizada pela seleção de uma Circunstância, ocorrida em relação às cognições sociais. Os argumentos construídos pelo cronista do jornal diferenciam a crônica do cotidiano da crônica de notícia. Na

Estrutura Argumentativa Justificativa Marco das Cognições Socias Circunstância Ponto de Partida Legitimidade Reforço Fato Conclusão

49 crônica do cotidiano, os argumentos de legitimidade e reforço são selecionados nas cognições sociais, orientados pelas categorias semânticas Usual e Esperado; na crônica de notícia, esses argumentos são selecionados de notícias publicadas no jornal, construídas com as categorias semânticas Inusitado e Atual.

Ambas as modificações opinam a respeito das Cognições Sociais, as diferenças consistem na construção dos argumentos como prova da veracidade da opinião emitida.

A crônica do cotidiano opina a respeito de características culturais do brasileiro, ao passo que a crônica jornalística, ao opinar sobre traços culturais do brasileiro, recorre à notícia publicada no jornal como argumento de legitimidade e reforço.

Já os artigos assinados são um outro gênero textual-discursivo. Trata-se de um texto da classe opinativa que avalia as notícias como circunstância, e justifica a opinião omitida a partir de Cognições Sociais, construídas pelo próprio jornal no seu dia a dia ou, dependendo do leitor, também de cognições sociais, construídas a partir do vivido e do experienciado em sociedade.

Entende-se que, segundo van Dijk (1997), os discursos institucionais e públicos são caracterizados por três grandes categorias, a saber: Poder, Controle e Acesso. Cada uma destas categorias agrupa participantes, suas funções e ações que caracterizam as práticas discursivas como práticas sociais.

Segundo Guimarães (1999), a categoria Poder reúne, como participantes, os donos da empresa jornal. Eles têm a função de tomar decisões que são guiadas pelos seus interesses socioeconômicos e políticos. A categoria Controle agrupa um conjunto de participantes, cada qual com suas funções específicas, tais como: o editor, o redator-chefe, os repórteres e o pauteiro. A categoria Acesso reúne os participantes que têm por função a diagramação do jornal e a sua circulação na sociedade, todas as suas ações são voltadas para circular a opinião do jornal para seu público leitor. O que caracteriza o discurso jornalístico é o gênero textual-discursivo, a notícia que trata de um evento que ocorre no mundo e que é representado em língua como fato noticioso.

50 A notícia é organizada por duas grandes categorias semânticas: o Inusitado e o Atual. Segundo o manual da Folha e manuais jornalísticos, se um cachorro morde um homem, isso não é objeto de notícia; mas, se um homem morder um cachorro isso é inusitado e é objeto de notícia.

O discurso jornalístico se pretende informativo, por essa razão a categoria semântica Atualidade organiza a notícia. Sendo assim, o fato noticioso é construído como uma narrativa do dia a dia para o público leitor, apresentando no seu gênero textual antecedente, que são os fatos noticiosos dos dias anteriores, o episódio atual e perspectivas do futuro para o que irá acontecer. Esse percurso cronológico é marcado pelo episódio principal que é atualidade do fato noticioso. Nesse sentido, a justificativa para a construção do episódio principal do hoje é construída com os acontecimentos anteriores e não com o Marco das Cognições Sociais.

Logo, quando se trata do gênero textual-discursivo crônica, modificada em crônica do cotidiano, de forma geral é considerado um gênero literário, pois a sua circunstância não é efêmera; no caso da crônica de notícias, a justificativa é construída com a notícia e esta é efêmera.

Em síntese, o gênero textual-discursivo crônica com suas modificações em crônica do cotidiano e crônica de noticia é publicado em jornais. Mas, devido a efemeridade da notícia, apenas as crônicas do cotidiano, ao serem reunidas pelo autor, são publicadas como obras literárias.

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Capítulo II

Os gêneros dos textos publicados em jornal, segundo os jornalistas

Este capítulo apresenta as diferentes classificações dos gêneros jornalísticos que se iniciaram com os estudos de Barbosa Lima Sobrinho, início do século XX. Os estudos sobre os gêneros jornalísticos apresentam abordagens ora com enfoque social, ora sociopolítica, ora por suas funções (informar, explicar e orientar), ora pela forma de enunciar os fatos, levando em conta o estilo (a estrutura narrativa e técnica), ora pela finalidade do texto, classificando-o pelas categorias (informar/opinar/interpretar ou informação/opinião ou relato/comentário), ora pela relação dialógica entre jornalista e leitor. Tais estudos procuram estabelecer uma metodologia para o estudo e para o fazer jornal.

2.1 A caracterização dos gêneros textuais, segundo estudiosos