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Capítulo 1 Conhecimento de plantas alimentícias em cinco comunidades da

4. Resultados e Discussão

4.1.1. Tipo 1: comunidades de acesso constante

Fazem parte deste grupo as comunidades Cuiuanã e Itapuru. Estão a cerca de 60 km em linha reta do centro urbano mais próximo, a cidade de Beruri, que possui aproximadamente 19 mil habitantes. Por estarem na beira ou muito próximas da calha do rio Purus, recebem visitas de barcos pesqueiros, como também de barcos de carga e passageiros (recreios) com muita frequência. Além disso, o custo de combustível e tempo para chegar ao centro urbano é menor. Ambas as comunidades participam do

manejo do pirarucu, o que estreita laços comerciais com os centros urbanos. Em cada comunidade existe mais de um comércio e os principais são bastante ativos e abastecidos semanalmente, com produtos provenientes da capital do Estado, Manaus. Os demais comércios, menores, são abastecidos com menor regularidade e muitas vezes com produtos comprados em Beruri, os quais são provenientes de Manaus e outras regiões. Na cidade de Beruri, predomina nos comércios a venda de produtos industrializados e da cultura alimentar hegemônica (como churrascos de carne bovina e frango, pão com margarina), e itens da alimentação tradicional regional não são encontrados com facilidade. O fornecimento de energia elétrica nestas comunidades de acesso constante é em tempo integral, pois foram contempladas pelo Programa Luz Para Todos, do Governo Federal. Possuem também um maior número de moradores e maior influência do estilo de vida urbano. Há instalação de posto de saúde e as escolas oferecem ensino fundamental e médio. Apesar da presença de área de castanhal próximo às comunidades, não contam economicamente com a extração da castanha, dependendo majoritariamente da pesca.

Historicamente, nestas comunidades a presença do coronel, patrão, “dono” das terras não é muito marcante, e as relações de comércio se davam através de embarcações que frequentemente navegavam no rio Purus, os chamados “atravessadores” ou “regatões”. Estas comunidades possuem um histórico de venda de lenha, combustível das embarcações à vapor do início do século XX. Apesar de o “aviamento” e o endividamento terem sido presentes, a fidelidade a um determinado comerciante não era uma regra. O “aviamento” é um tipo de relação comercial que se consolidou no primeiro ciclo de exploração da borracha, no século XIX, onde as sociedades amazônicas entraram em contato com um sistema monetizado. Esta relação é baseada na acumulação de capital pela espoliação das diversas camadas de hierarquia que faziam parte do comércio da borracha, privilegiando, sobretudo as exportadoras de borracha, no topo da cadeia (Santos 1980). Na base desta cadeia, encontravam-se os povos nativos da Amazônia e nordestinos imigrantes que mantinham relações de trocas de mercadoria a crédito com “aviados” ou “patrões”, uma das camadas da hierarquia, e a participação do dinheiro era nulo ou quase nulo. Assim, a moeda atuava basicamente como medida de comparação para trocas entre produtos do extrativismo e materiais de trabalho e produtos da cidade, os trabalhadores, por sua vez, encontravam-se indefinidamente endividados (Santos 1980). Este tipo de relação comercial é presente ainda no interior da Amazônia (Antunes et al. 2014), atualmente manifestada sob

novas e diferentes maneiras, atingindo os recursos florestais não madeireiros e pesqueiros (Aramburu-Otazu 1994). Nestas comunidades de acesso constante, a negociação da produção, sobretudo de castanha, pirarucu, malva e juta, era feita historicamente com as diferentes embarcações que navegavam pelo Purus, e trocadas por itens básicos, sem que a fidelidade a um “patrão” fosse marcante. De acordo com moradores mais velhos, no que diz respeito à alimentação, os principais itens eram vendidos a granel, como o açúcar e o sal refinado, café em grão, temperos como a pimenta-do-reino, alho e cebola-de-cabeça e alimentos processados como carne em conserva e bolachas. A farinha de trigo não era comum, arroz e feijão vendia-se, mas os moradores consumiam principalmente os provenientes da agricultura própria. Vendia-se banha de porco para fritura, mas o habitual era fritar nas banhas de anta, tambaqui, pirarucu e peixe-boi.

Cuiuanã

Pertencente ao município de Anori, a comunidade Cuiuanã é a localizada mais abaixo do rio Purus de toda a RDS-PP, também mais próxima das cidades de Beruri e Manaus. Abriga cerca de 90 famílias em flutuantes e casas sobre palafitas. Localiza-se em uma área de várzea, por isso a comunidade inunda durante a cheia do rio (maio a julho), permanecendo por alguns meses completamente desprovida de terra. Em anos de grande inundação, como os de realização deste trabalho, as casas sobre palafitas e a escola submergem parcialmente, sendo preciso paralisar as aulas e os moradores se mudarem para casas de parentes na própria comunidade ou em outras próximas. A escola oferece ensino fundamental e médio. O meio de transporte mais importante é a canoa. A comunidade ganhou este nome pela abundância de cuieiras (Crescentia

cujete L.) que margeavam o local na época de sua ocupação. Durante a enchente, as

casas se conectam por pontes improvisadas de tábuas que se erguem alguns metros acima do nível da água. A principal atividade é a pesca, e o plantio é praticado, sobretudo na seca do rio, com a terra da várzea exposta, prática comum em regiões de várzea (Adams et al. 2005). A energia elétrica no Cuiuanã foi disponibilizada em 2016 e a dinâmica desta comunidade é um misto interessante de tradição e “modernidade”. As aparelhagens de som com música alta à luz do dia coexistem com as fumaças subindo das casas de farinha. Os cabelos azuis dos jovens andam ao lado dos compridos cabelos amarrados em coque das senhoras. Grandes cachorros ferozes,

cachorros pequeninos, papagaios e macacos são animais de estimação que, por vezes, coabitam a casa flutuante. Redes, camas, tábuas, canoas, celulares e televisões compõem a paisagem desta comunidade anfíbia. A origem de seus moradores é variada, apesar de muitos (35%) não terem conhecimento de onde vieram suas famílias. O Ceará, Acre e outras regiões do Purus são as origens mais recorrentes, apontando a relação dos moradores com os imigrantes nordestinos, trabalhadores da economia gomífera.

Vila do Itapuru

A vila do Itapuru, pertencente ao município de Beruri, é um complexo de três comunidades muito próximas: São Sebastião Vila do Itapuru, Vila Miranda e Vila Araújo, totalizando cerca de 110 famílias que moram principalmente em casas na terra- firme, e em alguns flutuantes na beira do rio Purus. Os moradores utilizam tanto a área de terra-firme como áeras de várzea que circundam a região para pesca e agricultura. A maior das três é a Vila São Sebastião do Itapuru e é também a mais antiga de toda a RDS-PP, fundada em 1911, sua atividade econômica baseava-se na produção de lenha, o principal combustível para as embarcações a vapor na época (Instituto Piagaçu 2010).

Atualmente, possui uma rua asfaltada e escola com ensino fundamental e médio que atende às outras duas vilas, além de uma creche em construção. No Itapuru, a energia elétrica em tempo integral é fornecida desde 2006, e a vida é bem diferente das outras comunidades da RDS-PP. É comum vendedores de porta em porta oferecendo merendas ou frutas da estação. À noite, na parte central da vila vende-se pastel frito com refrigerante ao lado do bar, que vende bebidas e produtos industrializados. Esta comunidade foi uma das pioneiras no manejo do pirarucu na RDS-PP e os moradores são engajados neste trabalho. O ritmo que prevalece na dinâmica da vila é próximo ao urbano, sobretudo na São Sebastião Vila do Itapuru. Nas demais vilas, o ritmo é desacelerado, e o ambiente retoma ares de comunidade rural. As famílias dos entrevistados são oriundas de diferentes locais, com frequência do Ceará, Pará e regiões do alto Purus, e 17,7% dos entrevistados declararam-se com ascendência indígena, com destaque aos povos Mura, Katukina e Apurinã. Vale ressaltar que muitas vezes essa ascendência é motivo de vergonha, e raramente a ascendência

indígena foi mencionada nas entrevistas, sendo nesta comunidade o maior percentual registrado.

Figura 6. Comunidades da RDS Piagaçu-Purus de acesso constante de acordo com a

caracterização proposta A. Comunidade do Cuiuanã na cheia do rio, com casas alagadas; B.

A

.

B

.

C

.

D

.

H

.

E

. D

F

. D

G

G

. D

Comunidade do Cuiuanã na seca do rio; C. Plantio de milho na várzea; D. São Sebastião Vila do Itapuru; E. Maior comércio na comunidade do Cuiuanã; F. Maior comércio na comunidade do Itapuru; G. Manejo do pirarucu na comunidade do Itapuru; H. Manejo do pirarucu na comunidade do Cuiuanã.

4.1.2. Tipo 2: comunidades de acesso ocasional