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Capítulo 1 Conhecimento de plantas alimentícias em cinco comunidades da

4. Resultados e Discussão

4.1.3. Tipo 3: comunidades de acesso irregular

Duas comunidades podem ser consideradas com acesso inconstante ao centro urbano e a seus recursos ao longo do ano, são elas Uauaçu e Fortaleza. Nestas, barcos de carga visitam a comunidade sem regularidade definida, para comprar produtos locais e abastecer as vendas locais. O acesso independente é oneroso, pelo alto custo do combustível, e dificultado pela distância. Estas comunidades são separadas da calha do rio Purus por dois lagos, o Ayapuá e o Uauaçu. Apesar de estarem a cerca de 70 km em linha reta da cidade de Codajás, este percurso é possível apenas no período de cheia. Não existem barcos que façam este percurso regularmente, porém o acesso independente é facilitado nesta época. Na seca, os canais secam totalmente e o caminho até Codajás é possível apenas com um período de caminhada (pelo “varador”) até a calha do rio Solimões, onde espera-se um barco de passageiros que leva até a cidade. Não existem construções voltadas para o comércio, sendo as vendas restritas a casas de moradores que compram alguns produtos nas cidades ou dos barcos para revender nas comunidades a preços elevados. Estas comunidades possuem menor número de moradores, não realizam o manejo do pirarucu e apresentam um perfil mais extrativista, sendo a castanha e o açaí importantes atividades econômicas.

As escolas não oferecem ensino médio, apenas o fundamental, e não há posto de saúde. A energia elétrica é fornecida por meio de gerador de luz comunitário. Menos da metade dos entrevistados deste grupo recebem auxílios governamentais de transferência de renda. Esta região também possui histórico de coronelismo, e os “patrões” do lago Ayapuá e Uauaçu pertenciam à mesma família, relatada por Bittencourt (1966), e ainda presente na figura dos atravessadores, ou seja, dos donos dos barcos que visitam e comercializam com as comunidades. Nestas comunidades, os barcos de comercialização nunca foram frequentes, e as trocas comerciais eram feitas exclusivamente com os “patrões” locais. Outros barcos adentravam a região apenas na época da venda da castanha ou da seringa. Os itens vendidos pelos “patrões” chegavam de forma menos regular. Os itens alimentícios também eram vendidos a granel e as frituras eram feitas principalmente com banha extraída dos animais de caça e pesca.

São João do Uauaçu (Uauaçu)

O longo e tortuoso paranã do Uauaçu conecta o lago Ayapuá ao lago Uauaçu. Este paranã é navegável inclusive no tempo de seca, mas apenas por embarcações pequenas, suas margens são repletas de áreas de várzeas e também de terra-firme. Diversos igarapés desaguam no lago Uauaçu que, por sua vez, encontra-se no centro do interflúvio Purus-Solimões. Como escreveu Agnello Bittencourt “O Uauassu

parece estar na bissetriz do ângulo formado por aqueles dois rios [Purus e Solimões], mas afastadíssimo do seu vértice.” (Bittencourt 1966).

A comunidade do Uauaçu, carrega um dos nomes dados à Attalea speciosa Mart. ex Spreng., abriga cerca de 30 famílias em flutuantes, situadas no lago Uauaçu. Na maior parte do ano, os flutuantes se aproximam da terra-firme e os moradores têm acesso à sede comunitária, à escola e às igrejas com facilidade. Porém, durante o período de seca, de setembro a dezembro, os flutuantes são levados para a boca do lago, onde passa um canal, e o acesso a terra-firme precisa ser feito por canoas. Nesta época, os flutuantes ficam ancorados em região de várzea. A comunidade ganha configurações completamente diferentes em cada uma das duas estações do ano. Em ambos os casos, as áreas de terra-firme e de várzea são utilizadas com frequência, para plantios e extração. Na área de terra-firme da comunidade, encontra-se uma grande mancha de Terra Preta de Índio (Woods e Denevan 2009), com caiauezal, e cacos de cerâmica superficiais bem visíveis. Nesta área são plantadas espécies frutíferas. A origem das famílias habitantes do Uauaçu é diversa, incluindo o Ceará, na vinda para o trabalho de extração do látex da seringueira, o lago Ayapuá, arredores do lago Uauaçu e regiões do rio Solimões. As principais atividades econômicas são a pesca e a extração de castanha. Cerca de cinco barcos realizam trocam comerciais com a comunidade e viajam a cada quinze dias, mas nem todos trazem produtos para abastecer a comunidade. No período de seca, alguns barcos deixam de ter acesso à comunidade e, por isso, o acesso é irregular.

Fortaleza

Retornando da comunidade do Uauaçu pelo paranã que o liga ao lago Ayapuá, à esquerda está o estreito canal chamado paranã do Salsa. Subindo este paranã, depois de cerca de 30 minutos ricos em açaizais, bacabais e aves diversas, é possível avistar as oito casas que compõe a comunidade do Fortaleza. Com apenas uma casa em terra-

firme, todos os moradores desta comunidade compartilham algum grau de parentesco. O paranã, onde os flutuantes se localizam, separa uma porção de terra-firme de uma área de várzea que fica logo à frente. Durante a cheia, os flutuantes ficam distantes e o acesso se dá por meio de canoa. Porém, durante a seca, com o paranã com reduzido volume de água, são colocadas pontes de tábua para conectar os flutuantes. Os moradores são muito unidos e os mais antigos da comunidade estão em torno dos 50 anos. Apenas uma família possui roçado, a pesca e o extrativismo de castanha e açaí são as principais atividades desta comunidade.

Na região do entorno da comunidade existem concentrações de espécies úteis: além do castanhal, um grande palhal (ou babaçual), caiauezal, açaizal e bacabal. Os moradores relataram encontrar cacos de cerâmica, “pão de índio” e Terra Preta de Índio na região dos antigos roçados (atualmente praticamente não plantam mais).

Os barcos que realizam trocas comerciais com esta comunidade são os mesmo que realizam com a do Uauaçu, porém na seca estes barcos não conseguem navegar no

paranã e os moradores precisam ir até o Uauaçu para comercializarem. Esta viagem

era recorrente na época dos “patrões”, quando não havia canoas motorizadas e os barcos jamais adentravam o paranã, era preciso remar por oito horas até chegar à comunidade vizinha e comprar itens básicos em troca da produção de castanha, pirarucu, seringa, malva e juta. Para chegar à cidade de Codajás e comprar outros itens, com outros fornecedores, levava-se dois dias remando.

É comum a salga das carnes de caça e pesca para que não se deteriore na ausência de gelo, que é comumente trazido por estes barcos. A maior parte dos moradores afirmou ser descendente de cearenses que vieram trabalhar na extração do látex da seringueira (55,5%), mas também foram mencionadas origens como regiões do baixo rio Solimões, do alto rio Purus e de Manaus.

Figura 8. Comunidades da RDS Piagaçu-Purus de acesso irregular de acordo com a

caracterização proposta A. Comunidade do Uauaçu na cheia do rio, com as casas ancoradas em terra-firme. B. Sede da comunidade do Uauaçu, em terra-firme. C. Comércio caseiro na comunidade do Fortaleza. D. Comunidade do Uauaçu na seca do rio, com as casas ancoradas no canal do lago e a sede distante das casas. E. Comunidade do Fortaleza; F. Comunidade do Fortaleza e o paranã do Salsa, que comunica esta comunidade com a do Uauaçu.

A

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B

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C

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E

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F

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G

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