• Nenhum resultado encontrado

Adentrando-se nas reflexões sobre as consequências do aumento/redução das escolhas contábeis na comparabilidade material das demonstrações financeiras das entidades, Gordon e Gallery (2012) afirmam que existem quatro tipos de comparabilidade: (a) a comparabilidade profunda; (b) a comparabilidade não convergente; (c) a comparabilidade superficial; e (d) a comparabilidade intrínseca, como se pode verificar na Figura 2.

Figura 2 – Tipos de Comparabilidade Material Substância Econômica

Eventos Similares Eventos Diferentes

Métodos Contábeis

Iguais

(sem escolhas) Comparabilidade Profunda Comparabilidade Superficial

Diferentes

(com escolhas) Comparabilidade não Convergente Comparabilidade Intrínseca Fonte: Gordon e Gallery (2012, p. 14, tradução livre).

Para os autores, esses quatro tipos de comparabilidade podem ser explicados da seguinte maneira. A comparabilidade profunda implica que não há escolhas contábeis e, como consequência, fatos semelhantes são tratados de maneira semelhante. Neste caso, se um método contábil é aplicado de forma consistente entre as empresas, tanto a comparabilidade nacional, quanto a comparabilidade internacional serão alcançadas. Assim, a consistência é o meio e a comparabilidade o fim.

A comparabilidade não convergente surge quando são permitidas escolhas contábeis para serem aplicadas a eventos econômicos similares. As escolhas contábeis teriam a função de atender às diferentes necessidades internas de cada empresa ou país. O resultado é que se o método contábil escolhido variar entre as entidades, mas os eventos econômicos forem

semelhantes, tanto a comparabilidade nacional, quanto a comparabilidade internacional estarão impedidas.

Por outro lado, a comparabilidade superficial representa uma situação em que o mesmo método contábil é aplicado a eventos econômicos diferentes. A aplicação do mesmo método contábil para eventos econômicos diferentes pode mascarar a comparabilidade e gerar uma comparabilidade superficial. Neste caso, a consistência no uso dos mesmos métodos contábeis entre as empresas em um ponto do tempo não ajuda a comparabilidade, porque a essência econômica é diferente.

A comparabilidade intrínseca, por sua vez, demonstra a situação em que eventos econômicos desiguais são contabilizados utilizando diferentes métodos contábeis. Tratamentos contábeis diferentes para eventos econômicos diferentes podem melhorar a comparabilidade, embora à primeira vista essa ideia pode não ser óbvia. Entretanto, a essência econômica e os tratamentos contábeis para esses eventos podem ser tão diferentes entre as entidades, que a comparabilidade pode não ser possível, ou ser sujeita a divulgações adicionais.

Para Gordon e Gallery (2012), a comparabilidade não convergente e a comparabilidade superficial representam aspectos disfuncionais da comparabilidade, que potencialmente reduzem a utilidade da comparação entre dois ou mais conjuntos de informações financeiras. Portanto, elas devem ser foco de órgãos normalizadores em seus esforços para eliminar as escolhas contábeis em tais situações.

O que deve ser levado em consideração quando se analisa o dilema comparabilidade

versus escolhas contábeis é que se as escolhas contábeis forem removidas das IFRS, a incidência da comparabilidade não convergente deve diminuir, com o aumento concomitante da comparabilidade profunda (o que seria ideal). No entanto, ao se eliminar as escolhas contábeis, as entidades têm menos opções para representar a essência econômica de suas diferentes transações. Uma consequência de tal fato é que pode ser que a contabilidade superficial aumente (o que não é desejável).

Enquanto os organismos reguladores procuram aumentar a probabilidade de que eventos similares sejam contabilizados da mesma forma (ao reduzirem as escolhas contábeis), uma consequência não intencional que pode ocorrer é que os gestores sejam obrigados a aplicar o mesmo tratamento contábil a eventos que são, em essência, diferentes, o que provocaria um aumento irreal da comparabilidade (GORDON; GALLERY, 2012).

De acordo com Gordon e Gallery (2012), o ideal é que não haja extremos, ou seja, não se pode ter uma ênfase exagerada em uniformidade e nem permitir muitas escolhas contábeis

para a mesma transação. Em virtude disso, Chand e Patel (2008) argumentam que a comparabilidade completa das demonstrações contábeis pode ser difícil de ser alcançada em todos os países, mesmo depois da adoção das IFRS.

Assim, para produzir demonstrações financeiras comparáveis entre as empresas nacionais e as empresas de diferentes países existe, na literatura contábil internacional, uma discussão entre escolhas contábeis e comparabilidade (ou uniformidade e flexibilidade). De acordo com Cole, Branson e Breesch (2011, p. 3, tradução livre) “a uniformidade é alcançada quando todas as empresas aplicam os mesmos tratamentos contábeis, enquanto que a flexibilidade é alcançada quando todas as empresas podem aplicar tratamentos contábeis que são adaptados às suas circunstâncias únicas”.

Na literatura foram elencadas boas razões para se preferir a uniformidade em relação à flexibilidade para se atingir a comparabilidade, bem como deixou-se claro que de alguma forma a uniformidade é importante. Para Cole, Branson e Breesch (2011), existem três motivos principais. Primeiro, a flexibilidade pode resultar em diferenças inadequadas nos métodos contábeis utilizados em virtude de julgamentos inadequados da gestão ou devido à manipulação das informações.

Segundo, a flexibilidade têm alguns problemas práticos: é difícil determinar objetivamente as circunstâncias relevantes que devem ser levadas em conta quando da escolha do método contábil mais adequado, bem como controlar se duas empresas usam diferentes métodos devidos às diferenças nas circunstâncias, ou devido à manipulação das demonstrações contábeis. Além disso, a flexibilidade traz dificuldades aos usuários das informações financeiras, uma vez que precisaria compreender todas as diferentes circunstâncias e todos os diferentes métodos contábeis utilizados.

É certo que a uniformidade também apresenta desvantagens, como dito anteriormente (pode tratar coisas diferentes como semelhantes, o que provocaria um consequente aumento da comparabilidade superficial). Porém, os pesquisadores adeptos ao uso de índices para o cálculo da comparabilidade, como é o caso deste estudo, tendem a dar mais enfoque à uniformidade como meio para se alcançar a comparabilidade (COLE; BRANSON; BREESCH, 2009).

Outro ponto que merece ser discutido sobre o tema comparabilidade é a adoção das Normas Internacionais pelos diversos países, na íntegra ou com particularidades. Será que a adoção das IFRS com alterações permite a comparabilidade das demonstrações financeiras? Este fato é discutido na seção 2.1.2.