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Parte I Enquadramento normativo, concetual e teórico

4. Quadro concetual

4.11 Conceitos de democracia

3.10.1 Tipos de democracia

É preciso sublinhar que no campo dos teóricos sobre as tipologias da democracia ainda não há consensos, facto que deriva de perceções diversas sobre os seus méritos e deméritos.

Marques (2008), apresenta a seguinte tipologia da democracia: Democracia liberal

A democracia liberal sustenta-se pelos princípios de igualdade, liberdade e fraternidade. Estes princípios fundamentam-se no direito de igual respeito e consideração, onde há uma exposição de uma pessoa a outra e neste processo há questionamento recíproco. Assim, o coletivo por causa dessa interação tem a possibilidade de autotransformação e crescimento. Aliás, as sociedades liberais são marcadas por duas subjetividades, nomeadamente individuais e do estado que por fim são reguladas pelo princípio da cidadania que funciona como um regulador ao limitar os poderes tanto do Estado como dos indivíduos.

Ainda Marques (2008) sustenta que ao querermos perceber sobre a teoria democrática há uma necessidade de incluirmos novas palavras, a saber: (i) reconhecimento; (ii) identidade, (iii) fragmentação do sujeito. (i) O reconhecimento permite a alteridade entre o eu e o outro, ou melhor, há uma reciprocidade da valorização do sujeito humano. Assim, o reconhecimento ocorre no nível individual e na esfera pública. Quer dizer que, a pessoa realiza-se plenamente se estiver aberta a transformações na sua interação com o universo.

Os grandes pensadores da democracia liberal, nomeadamente, Hans Kelsen, Schumpeter, N. Bobbio defendem que a tomada de decisões não pode considerar a soberania popular porque as pessoas cedem os impulsos que aparecem, desde modo ao tomarem as decisões não usam as capacidades cognitivas como de pensar, raciocinar de forma lógica e finalmente tomar a decisão. Nota-se aqui uma certa incapacidade popular e inoperância das formas de cidadania (Estanque, 2006).

Democracia radical e plural

Na democracia radical e plural defende-se o poder, não como eliminá-lo, mas como constituir formas de poder que são compatíveis com os valores defendidos pela democracia, como igualdade, respeito e participação. Assim, para construir sociedades democráticas há necessidade de aceitar o carácter contingencial e aberto a todos os seus valores, (Marques, 2008). O mesmo autor acrescenta que não há nenhuma identidade pré estabelecida, pois tudo depende da delimitação do outro que desempenha o papel de elemento externo constitutivo.

A democracia radical plural remete ao abandono do universalismo, quanto da indiferenciação da natureza humana, na medida em que os novos direitos hoje reclamados são expressões da diferença. Dessa forma, a renúncia à categoria de sujeito como identidade unitária, transparente e suturada abre caminhos para o reconhecimento dos agonismos constituídos na base de diferentes posições de sujeitos e, logo, para a possibilidade de aprofundamento de uma concepção pluralista e democrática. Assim, é necessário que se reconheça a diferença (o particular, o múltiplo, o heterogéneo), que fora eliminada no conceito abstrato de homem, e se particularize o universalismo, desenvolvendo um tipo de articulação entre o particular e o universal (ibdem, pg.64). Portanto, este tipo de democracia implica a renúncia do discurso do universal e consideração de todos os espaços como de luta democrática, por exemplo, instituições judiciárias, sistema educacional e resistência das populações marginalizadas.

Democracia participativa

Esta nova forma de democracia dá-se através da inclusão não apenas de homens mas também da própria natureza, sem uma distinção rígida entre o governo e o povo, pois são inclusos espaços locais até ao nível global. Aqui as relações de poder são transformadas em relações de autoridade compartilhada. Ou seja, há uma pressão para o Governo no sentido de garantir a inclusão ou buscam-se formas entre democracia participativa e representativa (Marques, 2008).

Assim, a questão da participação não se restringe apenas ao voto, como acontece na liberal, mas sim abertura de espaços que garantam a criação de uma cultura de participação. Esta por sua vez, vai proporcionar nos seus intervenientes aprendizagem e uma construção coletiva da sociedade, como nas fábricas, escolas, famílias, igrejas, mesquitas e em outros locais onde existe a presença do homem (Marques, 2008).

Contudo, se para a democracia neoliberal a participação constitui a desresponsabilização das políticas sociais, para a democracia participativa entende-se como alargamento dos direitos sociais (Marques, 2008). A democracia neoliberal olha a participação como sendo um processo ilusório porque defende-se que o poder esteja numa menoria, enquanto a maioria irá se envolver nos jogos políticos e apostas eleitorais. Todavia, a democracia participativa olha a participação como sendo um processo que visa a criação de condições indispensáveis, a saber: económicas, sociais e culturais e que haja igualdade de oportunidades para todos.

Portanto, a democracia participativa parece a mais apropriada para uma escola porque dá ênfase na educação, na solidariedade, cooperação e estimula o desenvolvimento de uma sociedade ativa, responsável.

Há outras tipologias de democracia como a de Bobbio (1987) que menciona a democracia representativa e a democracia direta. A primeira consiste em eleger representantes de forma regular que vão votar temas ou assuntos em seu favor. Enquanto a segunda consiste, basicamente, em cada cidadão exercer o seu poder de voto. Porém, na atualidade há uma tendência de unir as duas formas, surgindo assim a democracia semidirecta.

Como se pode ver, ambas formas de democracia podem ser entendidas como teorias que ajudam a compreender as várias dinâmicas da sociedade incluindo a da escola. Porém, é preciso notar que em alguns aspetos são complementares, embora a radical defenda que tudo depende das normas, a participativa defenda que tem que se ir para além das normas. Embora existam pequenas diferenças nas várias democracias, existem certos princípios e práticas comuns, a saber:

 Na democracia o poder e a responsabilidade cívica são exercidos por todos os cidadãos, diretamente ou através dos seus representantes, livremente eleitos.

 Democracia protege a liberdade humana;

 A democracia baseia-se nos princípios do governo da maioria associados aos direitos individuais e das minorias, defendendo assim os direitos fundamentais, tais como a liberdade de expressão e de religião, direito de proteção igual para todos os cidadãos, igualdade na participação na vida política e nas diferentes áreas.

 A democracia defende a descentralização do poder central para os níveis regional e local para que todo o cidadão até aquele que vive na localidade mais distante tenha acesso ao poder.

 Os cidadãos numa democracia não têm apenas direitos, têm o dever de participar no sistema político que, por seu lado, protege os seus direitos e as suas liberdades.

Portanto, em Moçambique, há várias leis e diplomas que mostram o processo de democratização do país, dentre eles, destacam-se:

 Lei 2/97 de 18 de Fevereiro cria as Autarquias Locais, dá-se início ao processo de descentralização administrativa;

 Lei 8/91 de 18 de Julho referente as associações, vem materializar o exercício do direito de livre associação;

 Lei 23/91 de Janeiro referente aos partidos políticos que vem sustentar juridicamente as atividades dos partidos políticos;

 Lei eleitoral, estabeleceu o processo eleitoral que veio sendo atualizada até a última realizada em dezembro de 2012.

Fazendo uma apreciação crítica dessas leis acima apresentadas, nota-se uma tendência de um pluralismo político e de ideias. Sobre a lei eleitoral, pode-se dizer que, embora ela exista para assegurar os processos eleitorais, em Moçambique, em todas as eleições (1994, 1999, 2004, 2009 e 2013) há sempre acusação de fraude. Isso significa que há desconfiança entre os vários partidos políticos. Nas eleições de 2000 muitos simpatizantes e membros da RENAMO morreram asfixiados na cela da cadeia de Montepuez, Cabo- Delgado. Eles protestavam contra os resultados eleitorais de 1999. Aliás, desde Fevereiro de 2012 há um conflito entre a RENAMO e o Governo na zona de Muxúngue. Diariamente, são mortas pessoas inocentes e muitos militares abandonam armas e fardamento. As razões desse conflito são inerentes à paridade nos órgãos que gerem os processos eleitorais: STAE e C.N.E. Porém, a lei eleitoral ainda não responde as reais necessidades dos partidos políticos.

Sobre a lei 23/91 referente aos partidos políticos está previsto que eles devem ser financiados pelo Orçamento do Estado. O orçamento do Estado é fruto dos impostos pagos

pelos cidadãos e da contribuição de outros países. Mas, na mesma lei, não está prevista a prestação de contas aos cidadãos que contribuem para o orçamento. Isso viola a um dos direitos fundamentais dos cidadãos, de estar informado.

Portanto, essas leis marcam o início de um processo de descentralização, mas que ainda há muito que deve ser feito para que se valorize o pluralismo político.

Democracia deliberativa

Para perceber o sentido da frase a cima “democracia deliberativa” é necessário que olhemos primeiro ao conceito de deliberar. Segundo o dicionário da Língua Portuguesa (2004), deliberar significa resolver ou decidir mediante exame ou discussão, opinar e votar. Se democracia é poder de povo, então tem-se poder de povo + decisão tomada depois de uma discussão. Assim, democracia deliberativa seria o poder que os cidadãos possuem de tomar decisões informadas.

Thompson (2004) afirma que a democracia deliberativa defende que tanto os líderes como os outros cidadãos devem justificar as decisões que tomam, ou que querem impor aos outros. Porém, neste processo há sempre espaço de negociação. Esta democracia privilegia a capacidade que todos os cidadãos possuem de deliberar racionalmente sobre decisões coletivas que lhes afetam; valoriza o debate racional das pessoas enquanto procedimento político; aposta também num ato público que pode ser através do voto e por fim incorpora elementos essenciais da democracia, por exemplo, igualdade e sensibilidade ao interesse político.

Nessa perspetiva, o conselho de escola é um espaço que visa aprimorar os mecanismos destinados a viabilizar a participação dos vários representantes. Dai que a democracia deliberativa vai fomentar as políticas capazes de gerar sinergia entre o Estado e as necessidades da comunidade educativa. Ao se valorizar as capacidades de cada representante do conselho de escola, está-se a favorecer o surgimento de debates, uma das bases da democracia.

Potencialidades e limites da democracia

As potencialidades da democracia vão desde a formação e renovação constante da cultura através da politização dos espaços até a democratização da sociedade que é fruto das

vivências democráticas (Marques, 2008). Assim, a escola seria considerada como uma esfera política onde a democracia se manifesta em todos os níveis através das relações e espaços sociais existentes. Querendo compreender a escola, não haverá preocupação com os modelos ideias, mas em perceber as possibilidades existentes de vivências democráticas que podem influenciar significativamente para a transformação e emancipação social de todos os intervenientes.

Na vida quotidiana, na democracia meramente representativa, podem se encontrar limitações, como por exemplo, nos países democráticos, o povo possui o direito de eleger seus representantes mas nem todos os que vão eleger estão plenamente conscientes do cenário político em seu país. Muitos cidadãos não estão cientes das questões políticas na sociedade. Isso pode resultar em pessoas que fazem escolhas erradas durante a eleição; Também, com o sistema de eleições periódicas, os governos eleitos podem trabalhar tendo como visão a curto prazo porque precisam de se preparar para enfrentar outras eleições. Isto pode fazer com que eles se concentrem em vencer as eleições e não trabalhem para

resolver os problemas do povo.

Na perspetiva de Gadotti (1994), as limitações da democracia podem ser encontrados nas próprias pessoas com pouca experiência de democracia; na mentalidade que atribui aos técnicos como os únicos capazes de gerir; na estrutura do sistema educativo que “quase” tudo vem do topo; no autoritarismo e arrogância das lideranças.

Como se pode ver das afirmações acima apresentadas, a democracia é um processo de aprendizagem que não apenas tem pontos positivos, mas também negativos. Mesmo assim, a democracia continua a ser a esperança para o desenvolvimento de uma camada crítica, participativa e autónoma. Para isso é preciso ter em conta a democracia participativa e deliberativa.

5. Revisão e sistematização do conhecimento já produzido