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Tipos motivacionais de Schwartz

CAPÍTULO III. VALORES HUMANOS

3.3. Tipos motivacionais de Schwartz

O modelo desenvolvido por Shalom H. Schwartz é, sem dúvida, a principal referência no campo dos estudos sobre os valores. Schwartz concebe os valores como uma crença pertencente a fins desejáveis ou à forma de comportamentos, que ultrapassam situações específicas, guiando as ações humanas e se ordenando por sua importância com relação a outros valores (Schwartz, 1992, 1994; Schwartz & Bilsky, 1987, 1990). Não obstante, Schwartz afirma que a utilização desta definição para distinguir os valores de outros construtos (por exemplo, necessidade, atitudes), não se refere ao conteúdo substancial e à estrutura dos valores. Assim, devido a estas críticas o autor afirma que a identificação da estrutura das relações entre os valores faz avançar o estudo das associações entre um valor isolado e outras variáveis, como também o sistema global de valores (Schwartz, 1994).

A tipologia da estrutura e do conteúdo universais dos valores humanos de Schwartz (1994) tem reunido provas da sua adequação tanto intra como interculturalmente. Ele reelabora seus conteúdos conceituais e define os valores como “metas desejáveis e trans-situacionais, que variam em importância, servem como princípio na vida de uma pessoa ou de outra entidade social” (Schwartz, 1994, p. 55). Esta definição apresenta características importantes dos valores: (1) servem a interesses para entidades sociais; (2) podem motivar a ação humana, dando-lhe direção e intensidade emocional; (3) operam como padrões para julgar e justificar as ações; e (4) são apreendidos tanto pela socialização do grupo dominante como por intermédio de experiências singulares dos indivíduos. De acordo com Schwartz, os valores indicam as necessidades inerentes à existência humana, as quais respondem a três requisitos universais: as necessidades humanas (organismo biológico), os motivos sociais (interação) e as demandas institucionais (bem-estar e sobrevivência dos

grupos). Em função destes requisitos, ele deriva os dez tipos motivacionais descritos na Tabela 8.

Tabela 8. Tipos motivacionais de Schwartz (1994)

Tipo motivacional Valores Fontes

Autodireção Criatividade; Curiosidade;

Liberdade

Organismo; Interação Estimulação Ousadia; Vida variada; Vida

excitante Organismo

Hedonismo Prazer; Apreciar a vida Organismo

Realização Bem sucedido; Capaz;

Ambicioso Interação; Grupo

Poder Poder social; Autoridade;

Riqueza Interação; Grupo

Segurança Segurança nacional; Ordem

social; Limpo

Organismo; Interação; Grupo Conformidade Bons modos; Obediente; Honra

os pais e os mais velhos Interação

Tradição Humilde; Devoto Grupo

Benevolência Prestativo; Honesto; Não

rancoroso

Organismo; Interação; Grupo Universalismo

Tolerância; Justiça social; Igualdade; Proteção do meio ambiente

Grupo; Organismo

Segundo Schwartz (1992, 2006), os tipos motivacionais mostram as relações dinâmicas entre si. Quando se age escolhendo um dos valores como meta, ocorrem consequências práticas, psicológicas ou sociais que podem ser conflitantes ou compatíveis com algum outro valor que se persiga. Por exemplo, ações que indicam valores de hedonismo são susceptíveis de conflito com aquelas que expressam tradição e vice-versa, e a ação que expressa valores de autodireção é conflitante com valores de conformidade e vice-versa. Por outro lado, valores hedonistas são compatíveis com valores de autodireção, e aqueles de tradição o são com os de conformidade (Schwartz & Boehnke, 2004). Este padrão de compatibilidade e conflito entre os tipos motivacionais de valores é representado na Figura 6, cujos tipos conflitantes aparecem em direções

opostas com relação ao centro da figura, enquanto aqueles compatíveis se situam adjacentes ao longo do círculo.

A proposta de Schwartz (1994) é de uma estrutura composta por dez tipos motivacionais, nos quais todo e qualquer valor humano encontraria sua representação, independente da cultura. Mesmo distinguindo os tipos de valores, seu modelo assume que estes construtos formam um contínuo de motivações, representado por uma estrutura circular (Figura 6). A seguir são descritos os tipos motivacionais com seus respectivos valores específicos ou marcadores entre parênteses:

1. Autodireção: Refere-se à busca de independência do pensamento e ação, envolvendo escolhas, criatividade e exploração (por exemplo, criatividade, independente, liberdade).

2. Estimulação: Representa a busca de excitação, novidades e mudanças na vida (por exemplo, ser atrevido, uma vida excitante, uma vida variada).

3. Hedonismo: Indica a busca de prazer e gratificação sexual (por exemplo, desfrutar da vida, prazer).

4. Realização: Diz respeito ao sucesso pessoal e à competência de acordo com padrões sociais aceitáveis (por exemplo, ambicioso, capaz, obter êxito).

5. Poder: Busca de status social e prestígio, além de controle e/ou domínio sobre pessoas e recursos (por exemplo, autoridade, poder social, riqueza).

6. Segurança: Busca de segurança, harmonia e estabilidade da sociedade, dos relacionamentos e de si mesmo (por exemplo, ordem social, segurança familiar, segurança nacional).

7. Conformidade: São as restrições de ações, impulsos e inclinações que quebram as expectativas e normas sociais vigentes (por exemplo, autodisciplina, bons modos, obediência).

8. Tradição: Caracteriza-se pela busca de respeito, compromisso e aceitação de costumes e ideias impostos pela cultura ou religião (por exemplo, devoto, honra aos pais e mais velhos, respeito pela tradição, vida espiritual).

9. Benevolência: Diz respeito à busca e preservação do bem-estar das pessoas com quem se mantém relações íntimas (por exemplo, ajudando, honesto, não-rancoroso, ter sentido na vida).

10. Universalismo: Refere-se à busca da compreensão, tolerância, aceitação e bem-

estar de todos, além da proteção e preservação dos recursos naturais (por exemplo, aberto, amizade verdadeira, igualdade, justiça social, protetor do meio ambiente, sabedoria, um mundo em paz, um mundo de beleza).

O modelo de Schwartz (1994) também apresenta dimensões bipolares de ordem superior, ou seja, a dimensão localizada no eixo horizontal é formada pela oposição entre abertura à mudança (compatibilidade entre os tipos motivacionais autodireção e estimulação), que focaliza a independência e o favorecimento da

mudança, e a conservação (compatibilidade entre os tipos tradição, conformidade e segurança), que indica a estabilidade pessoal, a submissão e a manutenção das tradições. Em seguida, a segunda dimensão, na vertical, é composta pela oposição de autotranscedência (compatibilidade entre universalismo e benevolência), que enfatiza a superação dos próprios interesses em função do bem-estar dos outros, e a autopromoção (poder e realização), que foca na busca de poder e sucesso pessoal (Medeiros, 2011).

Como já foi mencionada anteriormente, a proposta teórica de Schwartz tem grande notoriedade no meio científico e, atualmente, vem sendo utilizada em diversos estudos da Psicologia Social, entretanto, não está isenta de falhas. Em resumo, Gouveia et al. (2008) elencam algumas destas: primeiramente, aponta-se para a ausência de uma base teórica subjacente à origem dos valores; há uma omissão de justificativa para a lista dos 56 valores contidos no Schwartz Value Survey; a falta de justificativa para o emprego de uma escala de resposta (quase) ipsativa (interdependência de pontuações), ou seja, a escala não é simétrica, com um ponto -1 (menos um), um ponto 0 (zero), e, logo, pontuações de 1 (um) a 7 (sete); recomenda-se não empregar esta última pontuação para mais do que dois valores, visto que o indivíduo é forçado a escolher (lembrando, Schwartz dividiu seus valores em instrumentais e terminais, como o fez Rokeach), em cada uma de suas listas, aquele(s) valor(es) que é (são) contrário(s) aos seus valores. Desta forma, isto não permitiria um sistema integrado de valores, tal como propõe Gouveia (2003), sobretudo em razão da natureza socialmente desejável dos valores; pondera-se que a ideia de conflitos dos valores não é compatível com a concepção do desejável, evidenciando ambiguidade de um modelo de ser humano adotado por Schwartz.

Apesar de ser amplamente difundido na comunidade científica, este modelo valorativo apresenta alguns pontos passíveis de crítica, dando abertura à formulação de

outras teorias que se propõem a desenvolver a temática. Um exemplo é a Teoria funcionalista dos valores humanos (Gouveia, 1998, 2003), que fundamenta-se em pressupostos teóricos mais sólidos, além de integrar os modelos de R. Inglehart e S. H. Schwartz. Procura-se a seguir descrevê-la mais pormenorizadamente, uma vez que servirá de base para a presente tese.