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A TOSSE, A FEBRE E AS DORES DE CABEÇA

A Magia e a Medicina reinam na Babilônia

A TOSSE, A FEBRE E AS DORES DE CABEÇA

Formados seja por um mestre, ele mesmo um prático, seja em alguma escola célebre, tal como "a Faculdade da cidade de Isin", os médicos se encontram um pouco em toda parte em nossos textos. Se podemos acreditar em um conto bastante irônico, os mais prestigiosos se apresentavam com uma aparência particular — com a cabeça raspada, pomposos e solenes, "carregando sua mala" —, e os curiosos diziam: "Ele é muito forte!" Eles se especializavam, às vezes: conhece-se um "médico dos olhos"; são atestadas até mesmo algumas raras "mulheres-médicas".

Os asû utilizavam principalmente "remédios" (bultu: "que devolve a vida"), extraídos de todas as ordens da natureza, mas principalmente das plantas, daí sua designação genérica de "simples" (shammû). Eram utilizadas frescas ou secas, inteiras ou pulverizadas, na maior parte das vezes misturadas para que seus efeitos se multiplicassem. Era também o caso de diversos produtos minerais: sais e pedras; e animais: sangue, carne, pele, ossos, excrementos... Dessas drogas, havia intermináveis catálogos, às vezes recheados de dados úteis para identificá- las, com menção a seu uso específico. Os médicos as administravam depois de as terem eles próprios preparado — pois não existiam boticários — sob inúmeras formas: após maceração ou decocção em diversos líquidos, faziam-se poções, loções, unguentos, cataplasmas, envolturas, pílulas, supositórios, lavagens e tampões. Eles haviam também desenvolvido gestos e manobras, simplesmente com as mãos ou com a ajuda de instrumentos diversos, próprios para a ação direta sobre as partes enfermas: fumigações, bandagens, massagens, palpações e outras intervenções. No "código" de Hamurábi, vê-se o médico reduzir as fraturas e utilizar a "lanceta" para praticar incisões até mesmo na região dos olhos.

Em conformidade com o gênio de um país que fora, havia muito tempo, conquistado pela tradição escrita, esses métodos, receitas e tratamentos eram registrados em verdadeiros "tratados", mais ou menos extensos e especializados: contra "a tosse", "a febre", "as dores de cabeça", "as afecções dos olhos" ou "dos dentes", as doenças internas... Nomeavam- se e descreviam-se os diversos males estudados, alinhando-se para cada um deles fórmulas, às vezes numerosas, entre as quais o prático teria que escolher.

Para tornar mais sensível essa prática médica, eis uma carta, escrita em 670 a.C., ao rei assírio Asaradon (680-669), por um médico que ele freqüentemente consultava, chamado Urad-Nanâ:

Boa saúde! Excelente saúde para Monsenhor Rei! E que os deuses-curadores Ninurta e Gula lhe concedam o bem-estar do coração e do corpo! Monsenhor Rei não para de me perguntar por que eu ainda não teria feito o diagnóstico da doença de que ele sofre e sequer preparado os remédios idôneos. (Diga-se entre parênteses que Asaradon parece ter sido um grande doente: após análise de seu copioso dossiê patológico, um assiriólogo afirmou recentemente, talvez com certa candura médica, que ele devia sofrer — e que teria morrido — de lúpus eritematoso disseminado...) É verdade que, falando anteriormente com a pessoa do Rei, eu me confessara incapaz de identificar a natureza de seu mal. Mas agora envio ao Rei a presente carta selada para que, lendo-a, seja instruído a respeito. E, se for desejo de Monsenhor Rei, poderemos até mesmo recorrer (para confirmação) à aruspicação. O Rei deverá, portanto, utilizar a loção que vai inclusa: depois disso, a febre de que ele sofre atualmente o deixará. Eu já havia preparado duas ou três vezes esse remédio, à base de óleo: o Rei certamente o reconhecerá. De acordo com sua vontade, poderão, de resto, aplicá-lo apenas amanhã. Ele deve afastar o mal. Por outro lado, quando apresentarem ao rei a dita poção de sillibânu (raiz seca de alcaçuz?), a aplicação poderia ser feita, como já uma ou duas vezes, a portas fechadas (?). O Rei deverá então transpirar, e é por isso que, em uma embalagem à parte, acrescento à minha remessa as bolsinhas porta-amuletos que o Rei deverá

manter penduradas no pescoço. Envio igualmente o unguento aqui incluso, com o qual o Rei poderá friccionar-se, em caso de crise.

É claro: o médico age por si mesmo e diretamente sobre o doente, utilizando drogas por ele escolhidas, preparadas e combinadas, e isso depois de ter tentado "identificar a natureza do mal", em outros termos, de tê-lo diagnosticado por meio do exame de suas manifestações — entre outras, aqui, a febre e o que o rei devia ter exposto de seus mal-estares. É verdade que o especialista pode hesitar, e até mesmo declarar-se incompetente. Mas quando decide, está tão seguro de si que propõe espontaneamente, como contraprova, uma consulta oracular por meio de exame das entranhas de uma vítima sacrificial: técnica de "Divinação dedutiva", comumente então utilizada e estimada como "científica" e infalível. Por razões obscuras, Urad-Nanâ não julga necessário precisar o nome desse mal, nem explicar a natureza dele a seu augusto paciente. Ele se contenta com o essencial: "a receita", diríamos nós, depois de ter ele próprio preparado o medicamento específico. É um remédio que já havia prescrito ao rei, feito à base de óleo, mas também de outros "simples", em particular de sillibânu. Mais precisamente, trata-se de uma loção a ser aplicada desde a recepção ou, se o rei preferir, no dia seguinte. Ela deve agir logo e de acordo com um processo na- tural, desencadeando um suor profundo que fará baixar a febre. Urad-Nanâ acrescenta à sua remessa, por um lado, "porta- amuletos" (de que voltaremos a falar), e por outro, um unguento de sua composição, para enfrentar uma eventual crise aguda do mal. Trata-se aí de uma linguagem e de um comportamento "de ofício": dos rudimentos de nossa medicina.

O EXORCISTA

Quanto à outra terapêutica, a dos "magos", como está profundamente enraizada em todo um sistema de pensamento, distante do nosso, algumas explicações liminares serão úteis.

Aos olhos dos mesopotâmios, males físicos e doenças eram apenas uma das manifestações desse parasita onipresente de nossa existência que definiríamos

como o "mal de sofrimento": tudo o que vem se opor a nosso legítimo desejo de felicidade. Como explicá-lo, de modo a dominá-lo melhor? De onde nos vêm doenças não apenas do corpo como também do espírito e do coração, dores, aflições, privações e desgraças, que atravessam nossa vida, sombreando-a ou interrompendo-a brutalmente "antes da hora"? Para essas perguntas, tão velhas quanto o homem, cada cultura arranjou respostas, ajustadas a seus próprios parâmetros.

Em busca das causas, por menos que fossem imediatas ou patentes, sumérios e babilônios não dispunham de nossa lógica conceitual, com todo o arsenal de análise e dedução rigorosas das idéias que praticamos. Para começar, praticamente não tinham nenhum outro expediente além do recurso à ficção, mas à ficção "orientada", "calculada": à construção, por meio da fantasia, de personalidades ou de acontecimentos extraordinários, mas cujos dados eram articulados com base nos agentes invocados e, ao mesmo tempo, na disposição dos fenômenos a serem explicados, apresentados como efeitos ou resultados deles. É o que chamamos de mito.

Para dar um sentido ao mundo e à própria existência, eles haviam, portanto, postulado uma sociedade sobrenatural de "deuses", concebidos à sua própria imagem superlativada. Infinitamente mais fortes, mais sensatos, e dotados de uma vida sem termo, esses haviam ainda, no intuito de proporcionarem a si próprios, no ócio e na despreocupação, uma profusão de bens úteis e agradáveis, fabricado os homens para lhes servirem como trabalhadores, produtores e serventes, e comandavam inteiramente a vida deles. Teria sido pouco razoável imputar a esses "deuses-patrões" os males que vinham assaltar seus servidores, refreando ao mesmo tempo o zelo e a capacidade de rendimento deles. Para explicar o "mal de sofrimento", forjara-se então outra série de personalidades, inferiores, certamente, aos criadores e soberanos do Universo, mas superiores a suas vítimas, e que podiam provocar à vontade as desgraças apropriadas para envenenar-lhes a existência. É o que chamaríamos de "demônios".

Em um primeiro tempo, parece que os ataques deles eram considerados espontâneos e imotivados, um pouco como os de cães agressivos, que de repente se lançam sobre você para mordê-lo. Como os assaltos eram incessantes e não

poupavam ninguém, foi preciso desenvolver uma técnica contra eles, isto é, um conjunto de procedimentos tradicionais estimados eficazes contra essas fúrias: as doenças e as outras desgraças. Os procedimentos em questão eram obtidos de dois grandes setores da capacidade dos homens de agir sobre os seres: a manipulação e a palavra. Basta saber comandar para se fazer obedecer; e em toda parte encontram-se elementos, instrumentos e forças que podem ser utilizados para transformar as coisas; a água para lavá-las ou limpá-las, o fogo para purificá-las ou extingui-las; e muitos outros produtos para mantê-las a distância, modificá-las, dissolvê-las. Além disso, existem constantes, "leis" a que se pode submetê-las: a dos semelhantes que se atraem, a dos contrários que se repelem, ou a do "contato" que permite que o mesmo fenômeno passe de um sujeito a outro...