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comunidade de Taganga

4.1. Trabalho de uma equipe de especialistas tradicionais, professores e o pesquisador

O trabalho da equipe foi caracterizado pela troca de experiências e propostas entre os especialistas tradicionais, professores e o pesquisador, assim como pela aproximação ao referencial teórico e metodológico que orientou o estudo. Essa troca conseguiu constituir-se na medida em que os aportes dos integrantes da equipe eram incluídos em propostas de ensino.

A promoção de inclusão de conhecimentos tradicionais de pescadores locais nas salas de aula de ciências naturais e a busca por criar condições para um diálogo com os conhecimentos científicos escolares gerou vários interesses e motivações entre os professores e consultores locais. Em geral, tanto professores como especialistas tradicionais compartilharam o interesse de incluir aspectos do contexto ambiental e sociocultural local na aula de ciências, com o intuito de aproximar o ensino à realidade dos alunos, assim como o interesse por promover processos de ensino e aprendizagem mais apropriados para os alunos, os quais eram caracterizados, em parte, pela busca de situações do contexto local

para a abordagem das ideias científicas escolares. Nesse sentido, destacou-se a experiência do Professor 2, quem costumava formular problemas de aritmética com relação à divisão de ganhos que realizavam os pescadores ao retornar das operações de pesca e desembarcar na praia local, na aula de matemática. Por outro lado, destacou-se as experiências dos especialistas tradicionais no desenvolvimento prévio de propostas, junto com outros pescadores e professores locais, de um programa vocacional com ênfase na pesca ou a tecnologia pesqueira para a finalização da educação secundária na escola pública local, assim como o interesse destes em analisar criticamente o impacto das artes de pesca nas populações de peixes.

Assim, surgiram ideias para o desenvolvimento de inovações didáticas para a aula de ciências que promovessem a inclusão do conhecimento dos pescadores locais. Estas se baseavam em experiências e situações vividas pelos professores ou relatadas pelos alunos na sala de aula, assim como em interesses dos próprios professores e especialistas tradicionais, e nos resultados em andamento da aproximação etnoecológica que estávamos realizando com os pescadores “veteranos”. Algumas propostas foram, por exemplo, o estudo do ciclo de vida dos animais, seus requerimentos e relações com o meio ambiente, utilizando animais marinhos (peixes) em lugar de animais terrestres; as relações dos seres humanos com outros seres vivos e o ambiente, a partir das experiências e práticas dos pescadores; a influência dos ventos e das chuvas no mar e na pesca, explorando conhecimentos ecológicos tradicionais dos pescadores; e as práticas, observações e conhecimentos tradicionais que levaram ao descobrimento e uso do Ancón La Cueva, ou praia de pesca para a rede de Chinchorro, muito importante em anos anteriores, ainda que atualmente pouco produtiva (Ver o Quadro 14).

Em seguida, uma proposta inicial de uma inovação didática sobre a pesca, o ciclo de vida dos peixes e o ambiente foi preparada pelo pesquisador e circulada no grupo (Apêndice 13). O desenvolvimento dessa proposta, assim com das outras ideias sugeridas previamente pelos professores e especialistas tradicionais, porém, não teve continuidade no grupo. Com relação à inovação sobre o ciclo de vida dos peixes, houve críticas pela necessidade de manter um aquário na escola para a observação do desenvolvimento dos peixes e seus requerimentos, ainda que fosse sugerida a construção de modelos dos peixes

em gesso, por parte de um especialista local. A falta de continuidade no desenvolvimento dessas propostas decorreu também da falta de disponibilidade de tempo dos professores para o trabalho de pesquisa e aprimoramento de propostas, assim como dúvidas, particularmente da Professora 3, em relação ao papel e à influencia das propostas no ambiente escolar e no desenvolvimento do currículo escolar de ciências. A professora, no entanto, contou com o apoio da escola para inovar e desenvolver estratégias de ensino acordes com seus interesses e possibilidades, assim como com os interesses dos alunos e os desafios do ambiente escolar da instituição. Algumas dessas propostas, contudo, inspiraram intervenções na aula, como relatado pelo Professor 2, quem, por iniciativa própria, abordou o contexto da pesca no estudo das relações entre o ser humano e a natureza, na aula de ciências naturais, durante esses dias.

Quadro 14: Resumo de documento de trabalho com ideias iniciais para o desenvolvimento de uma inovação didática na aula de ciências

Los peces, ciclo de vida y relación con el

ambiente - Las prácticas de la pesca artesanal: redes,

líneas, nasas, arpón, entre otros. - Recursos pesqueros:

peces viajeros o pelágicos; peces de fondo o demersales. - Ciclo de vida de los peces: peces pequeños,

peces grandes, peces flacos, peces gordos o

enguevados (con las gonadas desarrolladas), concentraciones de peces o lugares de desove - Habitats: manglares, ciénagas, ensenadas, mar abierto, fondo marino o piedras, boca

de los ríos

Relaciones de los seres humanos con

los seres vivos y el ambiente - La incursion de los Tagangueros en el medio marino. - Ecosistemas y seres vivos aprovechados por los tagangueros

en su historia - Habitat y comportamiento del pato buceador o yuyo.

- Relaciones comerciales de los Tagangueros en su historia. - Relaciones de trueque o cambio de los Tagangueros con

otros pueblos y comunidades de la

región.

Influencia de los vientos y las lluvias en el mar y la pesca - La llegada de: agua

mala o medusa, pica pica o sardina; peces viajeros o pelágicos,

entre otros. - La abundância del

pargo, la sierra, el robalo, entre otros. - La vegetación local

y el gradiente de bosques en la region

- Las corrientes y la temperatura del agua

del mar - Cambios en los vientos y lluvias: ocurrencia e intensidad, e influencia en el mar y la pesca Descubrimiento y aprovechamiento del Ancón La Cueva - Influencia del buceo

a pulmón para la recolección y quema de la “piedra de cal”

o corales pétreos - Construcción de redes con materiales vegetales y de acuerdo con las características

de los cardúmenes - Constitución de instituciones locales :

asociación de padres de familia, parte del

santo, sorteo de ancones - Disminución de la producción del ancon

Entretanto, na comunidade de Taganga havia preocupação pela alta temperatura ambiente nesse ano (2013), um dos mais quentes desde meados do século XIX, assim como pela incerteza na pesca, representada na queda da captura e na imprevisibilidade climática, representada pela pouca intensidade das brisas (fortes ventos alísios do Norte-Nordeste), comumente fortes durante os primeiros meses do ano, assim como pela falta de chuvas, esperadas desde os meses de abril e maio, período em que estava sendo realizada a construção da inovação didática, como explicado pelos especialistas tradicionais.

Anomalias na duração dos períodos climáticos foram observadas em anos anteriores produto de eventos menino-menina registrados entre 2008 e 2010 (FRANCO-HERRERA, 2012) e 2011 e 2012 (IDEAM). Além disso, 2013 foi um ano em que o serviço público de água potável era muito escasso na comunidade, pelo que a comunidade se mobilizou com uma greve no segundo semestre do ano (durante a realização do ciclo de pesquisa empírica nas escolas locais), problemática que se estendeu até 2014, devido a uma grande seca no pais. Ver por exemplo o texto (abaixo) e o desenho (Figura 7) sobre o clima na comunidade de Taganga, confeccionados por uma aluna da 3ª série da educação básica primária, com a ajuda de seus familiares, durante a implementação da inovação no segundo período letivo do ano 2013:

señor extraterestre./como esta uste?/en estos momentos estamos en epoca de imbierno pero no se ve llover por ningun lado y el calor se siente cadavez mas fuerte, solo se ve el cielo nublado y algunas gotas de llubia caen como si tubieran miedo de tocar el suelo reseco y caliente/alrededor de nosotros se ven los cerros reverdecer lenta mente con las pocas gotas de llubia que las nubes le dejan caer. /y tenemos otro problema muy grande que es la falta de agua en mi casa tenemos mas de cuatro meses que no nos llega agua y esta es muy esencial para la vida. (Assinatura da aluna). (Transcrição literal de carta ao extraterrestre confeccionada pela

aluna 3 (9 anos) com a ajuda de familiares. I.E. Eduardo Carranza. Agosto, 2013).

No contexto desta problemática ganhou relevância o estudo de mudanças cíclicas ambientais, em especial, a variação climática anual representada em períodos secos e úmidos, ou brisas (ventos alísios do N-NE) e chuvas, no contexto do Caribe colombiano, de modo a ser ampliado e enriquecido com ideias e conhecimentos dos pescadores locais e resultados de estudos científicos desenvolvidos na região, assim como pelas problemáticas sentidas pela população de Taganga. Essa ideia foi apresentada ao grupo colaborativo, por

meio de uma proposta elaborada pela Professora 3 e o pesquisador, ainda que recuperando experiências e saberes dos Professores 1 e 2, e dos especialistas tradicionais da equipe de trabalho (Apêndice 14).

Figura 7. Desenho ao extraterrestre confeccionado pela aluna 3 (9 anos) com a ajuda de familiares, na I.E. Eduardo Carranza, em agosto, 2013 (Imagem do trabalho desenvolvido pela aluna em casa).

O desenvolvimento dessa proposta foi continuado pelo grupo, promovendo-se a integração da área de ciências sociais com a área de ciências naturais para a implementação da inovação nas escolas locais, especificamente, na I.E. Maria Auxiliadora e na I.E. Distrital Taganga, onde os Professores 1 e 2 eram encarregados de ministrar essas duas áreas. Como manifestado por esses professores, a variação climática é estudada na área de ciências sociais em relação à variação altitudinal do clima (os chamados pisos térmicos), devido à extensão e influência da Cordilheira dos Andes na Colômbia. Embora esse contexto de estudo seja relevante para a comunidade de Taganga, devido ao mesoclima desenvolvido pela Sierra Nevada de Santa Marta (formação montanhosa, com picos nevados, isolada dos Andes, que se eleva desde o litoral Caribe Colombiano), há pouco aprofundamento no estudo do clima local e, em geral, das áreas litorâneas, sendo escassa, ainda, a referência às atividades pesqueiras, dando-se maior ênfase às atividades agrícolas, pela influência, em parte, de textos didáticos de distribuição ampla na Colômbia.

A dinâmica climática anual, relacionada com a alternância de períodos climáticos secos e úmidos, como explicado por um desses professores, é também brevemente abordada no estudo das regiões naturais da Colômbia, áreas territoriais do país subdivididas a partir de características heterogêneas como o relevo, o clima, a vegetação e o solo, limitando-se ao desenvolvimento conceitual dessas ideias, o que foi também evidenciado em textos didáticos encontrados nas escolas.

Nos textos de ciências naturais, também encontrados nas escolas, além do mais, o estudo das estações do ano é feito em relação aos movimentos de rotação e translação do planeta Terra, utilizando representações idealizadas das estações climáticas subtropicais, sem uma clara abordagem da variação dessas estações nas distintas zonas climáticas do planeta, por exemplo, na zona intertropical onde se localiza a Colômbia. Os conteúdos de Astronomia nos livros didáticos de ciências muitas vezes são pouco esclarecedores e confusos, possuindo ainda erros conceituais e ilustrações inadequadas (TAXINI et al., 2012). Por outro lado, os problemas nas ilustrações desses livros, particularmente em relação ao tema das estações do ano, parecem dever-se a uma importação acrítica de representações didáticas elaboradas em regiões do Hemisfério Norte (SELLES; FERREIRA, 2004). Em Taganga, percebeu-se, ainda, a coexistência destas representações escolares sobre as estações do ano com as representações tradicionais, de uso cotidiano, sobre a alternância entre períodos climáticos secos e úmidos (ou de brisas, ou ventos alísios fortes do N e NE, e chuvas).

Por outro lado, alguns dos pescadores usavam termos científicos escolares (p. ex. verão e inverno) para nomear os períodos climáticos locais, muito utilizados na Colômbia, por exemplo, em jornais e noticiários, em sessões de estado do tempo. Encontrou-se um caso de um pescador “veterano” que, além de seus conhecimentos sobre o clima local e sua relação com a pesca, dominava ideias sobre as estações astronômicas (p. ex. as datas em que começavam e finalizavam as estações astronômicas, estabelecidas pelo movimento do planeta Terra e a ocorrência de equinócios e solstícios), explicando o papel dessas ideias em calendários horticulturais agrícolas da região. Possivelmente, esse conhecimento deriva do “Almanaque Pintoresco Bristol”, publicação de distribuição massiva na Colômbia, desde começos do século XX, inclusive nas zonas rurais, que fornece informações variadas, baseadas em dados astronômicos, incluindo predições sobre os melhores dias para a pesca,

o calendário lunar, as datas dos equinócios e solstícios, marcando o início e o final das distintas estações astronômicas. Essa publicação, atualizada a cada ano, era consultada pelos pescadores veteranos de Taganga, segundo relatos dos próprios pescadores, comparando suas observações e experiências com as predições realizadas nessa publicação.

Além do mais, uma unidade didática para a área de ciências naturais, sugerida pelo MEN (2006), sobre a “relação do clima com a forma de vida das comunidades”, era pouco estudada nas escolas locais, apesar das possibilidades que oferecia para incluir experiências e conhecimentos dos alunos e da comunidade local, em relação à pesca, às condições do mar e do ambiente, à migração das espécies, entre outros, que os professores e pescadores valorizavam consideravelmente, pela grande mobilização de experiências, conhecimentos e valores que poderia envolver.

Uma segunda versão dessa proposta foi então elaborada após a revisão dos professores e especialistas tradicionais (Apêndice 15). Nesse processo, serviu de inspiração a experiência relatada pelo Professor 1, em relação a uma intervenção de três aulas que ele havia desenvolvido para o estudo do clima na educação básica primária. Nessa intervenção os alunos estudavam as condições climáticas predominantes de distintas cidades ou regiões naturais da Colômbia e, em seguida, as relacionavam com as sensações térmicas que poderiam ser experimentadas em cada uma delas, passando a explorar a roupa que seria necessário vestir sob essas condições. A intervenção finalizava com uma feira na qual equipes de estudantes descreviam as condições climáticas de uma determinada cidade ou região natural da Colômbia, explicando as roupas que seria necessário usar sob essas condições, segundo a sensação térmica predominante nela.

Essa versão da proposta ajudou a consolidar processos para o desenvolvimento de uma inovação que promovesse a recuperação da experiência e os conhecimentos dos alunos, enriquecendo-os com as visões tradicionais dos pescadores e as visões científicas escolares, através de trabalhos que fossem interpretados e socializados pelos alunos, com a ajuda dos professores e pescadores, em diálogo com o referencial teórico do estudo. Assim, chegou- se, por exemplo, a propor o desenvolvimento de calendários climáticos e pesqueiros locais com o auxílio de contos sobre o clima e a pesca, e o encontro com os pescadores na sala de aula, assim como o desenvolvimento de figuras sobre os regimes locais de precipitação e

temperatura da água superficial do mar, com dados de estudos realizados na região, de modo a estudá-los e interpretá-los com grande participação e protagonismo dos alunos, buscando a construção e análise de relações entre essas representações, e explorando os domínios de aplicação delas.

Nessa proposta foram também sugeridas atividades de observação experimental, assim como experiências de percepção sensorial, no entanto estas não foram contempladas no desenho final da intervenção. Igualmente, os professores evitaram consolidar a abordagem de temas que, ainda que relacionados com as experiências e conhecimentos dos pescadores (p. ex. o fenômeno de ressurgência local), não eram considerados por eles apropriados para a idade e a série em que se encontravam os alunos. Essas atividades teriam demandado a pesquisa e o desenho de modos sobre como abordar essas ideias durante a inovação, assim como do modo de promover uma maior compreensão sobre elas no interior do grupo colaborativo. A professora 3 dominava esses temas, contudo, também preferia não incluí- los na inovação.

Por ultimo, foi preparada a terceira e última versão dessa proposta, contando com uma reunião entre a professora 3 e os especialistas tradicionais, que ajudou a consolidar o papel de contos sobre o clima e a pesca, preparados colaborativamente com os especialistas tradicionais, no estudo e na exploração de ideias e conhecimentos tradicionais que poderiam enriquecer os conhecimentos escolares. A proposta foi finalmente desenvolvida em colaboração com a Professora 3, que revisou o texto e realizou modificações nele junto com o pesquisador. Em seguida, apostilas de apoio para professores e alunos foram desenvolvidas pelo grupo (Apêndices 16-17), incluindo contos sobre as relações entre o clima e a pesca (Ver a Seção 3.4).