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CAPÍTULO II – A PROTECÇÃO DOS REFUGIADOS NA UNIÃO EUROPEIA

2. A Directiva 2004/83/CE do Conselho, de 29 de Abril de 2004

2.1. Trabalhos preparatórios

No âmbito da primeira fase de implementação do Sistema Europeu Comum de Asilo, fixado no Conselho Europeu de Tampere de 1999, a Comissão propôs, no segundo semestre de 2001, uma Directiva do Conselhoque abrangesse aquelas matérias.

A Comissão discutiu depois, com os Estados-Membros, a melhor forma de definir regras relativas ao reconhecimento e ao conteúdo do estatuto de refugiado. Foram consultados diversos organismos, entre os quais, o ACNUR, organizações não estatais competentes neste domínio, peritos académicos e representantes do poder judiciário. A proposta da Comissão Europeia baseou-se num estudo académico realizado pelo Centro de Estudos sobre os Refugiados (Refugee Studies Centre), da Universidade de Oxford, bem como nas conclusões de um seminário organizado pela Presidência sueca da UE intitulado “Protecção internacional no âmbito de um processo de asilo único”, realizado em Norrköping, Suécia, nos dias 23 e 24 de Abril de 2001. A

138 Esta Directiva foi, mais tarde, reformulada, dando origem à Directiva 2011/95/UE do

Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de Dezembro de 2011, que estabelece normas relativas às condições a preencher pelos nacionais de países terceiros ou por apátridas para poderem beneficiar de protecção internacional, a um estatuto uniforme para refugiados ou pessoas elegíveis para protecção subsidiária e ao conteúdo da protecção concedida (reformulação), JO L 337, 20.12.2011. A nova Directiva não altera os artigos analisados neste trabalho. As principais alterações contribuem para melhorar a qualidade do processo de decisão e para prevenir situações de fraude. A nova Directiva harmoniza os direitos concedidos aos beneficiários de protecção internacional quanto ao acesso ao emprego e a cuidados de saúde, alarga o prazo de validade das autorizações de residência dos beneficiários de protecção subsidiária, os interesses dos menores e as questões de género ganham importância redobrada na análise dos pedidos de asilo, e, por fim, melhora o acesso dos beneficiários de protecção internacional aos direitos e às medidas de integração.

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interpretação da definição de refugiado foi um dos pontos centrais debatidos no seminário.

O objectivo principal desta Directiva consiste em assegurar um nível mínimo de protecção a todas as pessoas necessitadas, reduzindo-se as diferenças práticas existentes entre os diversos Estados-Membros neste domínio. Portanto, “[q]uaisquer diferenças existentes entre os Estados-Membros que não se devam exclusivamente a factores familiares, culturais ou históricos e que sejam susceptíveis de influenciar de uma forma ou de outra os fluxos de requerentes de asilo deverão desaparecer na medida do possível, sempre que estes movimentos se devam exclusivamente a diferenças entre os quadros jurídicos”139. Na opinião da Comissão, a proposta procura salvaguardar a aplicação da Convenção de Genebra de 1951, assegurando que o princípio do non-

refoulement é aplicado às pessoas sujeitas a perseguição no seu país de origem.

A Comissão começa logo por deixar de fora da definição de refugiado os cidadãos da União (artigo 2.º, alínea c), da proposta). Inovou, também, ao admitir a possibilidade de a protecção ser concedida a quem seja perseguido por agentes privados (artigo 9.º, n.º 1, alínea c), da proposta). Quanto à definição de actos de perseguição (artigo 11.º, n.º 1, da proposta), a Comissão limitou-se a elaborar uma lista exemplificativa. A proposta tomou em consideração a situação e as necessidades específicas das mulheres que são discriminadas com base no sexo (artigo 18.º, n.º 3, parte final). Por último, é de realçar a cláusula de não discriminação inserida nas disposições finais da proposta (artigo 35.º).

O Parlamento Europeu sugeriu que no texto final estivesse previsto um sistema de sanções para reforçar a garantia das normas nacionais de transposição da Directiva140.

139 Cfr. Comissão das Comunidades Europeias – Proposta de Directiva do Conselho que estabelece normas mínimas relativas às condições a preencher por nacionais de países terceiros e apátridas para poderem beneficiar do estatuto de refugiado ou de pessoa que, por outros motivos, necessite de protecção internacional, bem como normas mínimas relativas ao respectivo estatuto, COM/2001/0510 final - CNS 2001/0207, disponível em http://eur-lex.europa.eu/legal- content/PT/TXT/?uri=CELEX%3A52001PC0510&from=EN&lang3=choose&lang2=choose&lang1=PT

[03.04.2014].

140 Cfr. European Parliament – Legislative resolution on the proposal for a Council directive on minimum standards for the qualification and status of third country nationals and stateless persons as refugees or as persons who otherwise need international protection, COM(2001) 510 – C5-0573/2001 –

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O Comité das Regiões ressaltou a necessidade de criação de serviços de acolhimento nas autarquias locais, coordenadas a nível regional e nacional. Propôs também que as autarquias, através do Fundo Europeu para os Refugiados, pudessem providenciar serviços de apoio especializados para fazer face a necessidades específicas destas pessoas. Estes serviços deveriam estar distribuídos de forma equilibrada por várias regiões, evitando a concentração das comunidades de refugiados apenas em determinadas áreas. O Comité apoiou ainda a criação de novos programas que visassem a inclusão social destas pessoas mais vulneráveis, sobretudo através de políticas de educação e emprego141.

O Comité Económico e Social também se pronunciou, emitindo um parecer, a 13 de Maio de 2002. O Comité realçou que, no âmbito da protecção de pessoas que sofrem de perseguição, “[a]s normas podem ser «mínimas» desde que reconheçam, respeitem e protejam os Direitos Fundamentais e Universais do Homem consagrados nos textos internacionais no âmbito dos direitos humanos”142.

Muitas das sugestões da Comissão presentes na proposta inicial foram adoptadas pelo Conselho na versão final da Directiva. Entre as normas mais importantes, encontramos a que trata dos agentes de perseguição (artigo 9.º, n.º 1, alínea c), da proposta e artigo 6.º, alínea c), da Directiva). No entanto, é de aplaudir o facto de o Conselho, em algumas normas, ter ido mais além do que a Comissão propôs inicialmente. Uma das normas mais importantes prevê a possibilidade de a perseguição consubstanciar um cúmulo de medidas que, em si mesmas consideradas, não são

2001/0207(CNS), disponível em http://www.europarl.europa.eu/sides/getDoc.do?pubRef=-

//EP//NONSGML+TA+P5-TA-2002-0494+0+DOC+PDF+V0//EN [26.03.2014], p. 4.

141 Cfr. Comité das Regiões – “Parecer sobre a Proposta de Directiva ao Conselho que estabelece

normas mínimas relativas às condições a preencher por nacionais de países terceiros e apátridas para poderem beneficiar do estatuto de refugiado ou de pessoa que, por outros motivos, necessite de protecção internacional, bem como normas mínimas relativas ao respectivo estatuto”, in Jornal Oficial nº 278 de 14.11.2002, p. 0044-0048, disponível em www.eur-

lex.europa.eu/LexUriServ/LexUriServ.do?uri=CELEX:52002AR0093(04):PT:HTML [15.04.2013].

142

Cfr. Comité Económico e Social – Parecer sobre a “Proposta de Directiva ao Conselho que estabelece normas mínimas relativas às condições a preencher por nacionais de países terceiros e apátridas para poderem beneficiar do estatuto de refugiado ou de pessoa que, por outros motivos, necessite de protecção internacional, bem como normas mínimas relativas ao respectivo estatuto”, 2002/C

221/11, disponível em www.eur-

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suficientemente gravosas para constituírem um acto de perseguição (artigo 9.º, n.º 1, alínea b), da Directiva). Um dos exemplos de actos de perseguição do artigo 9.º, n.º 2, da Directiva não se encontrava previsto na proposta (“[a]ctos cometidos especificamente em razão do sexo ou contra crianças”). Quanto ao princípio do non-

refoulement, o Conselho incluiu na versão final os casos específicos em que pode haver

lugar ao afastamento do refugiado (artigo 19.º da proposta e artigo 21.º da Directiva). No entanto, o Conselho não seguiu algumas recomendações da Comissão. A cláusula de não discriminação (artigo 35.º da proposta) não se encontra na Directiva, havendo apenas uma breve referência no preâmbulo, no seu considerando 11. Quanto à definição de actos de perseguição, é de notar que o texto final contém uma menção aos direitos inderrogáveis, segundo o artigo 15.º, n.º 2, da CEDH (artigo 9.º, n.º 1, alínea a), da Directiva), particularidade não incluída na proposta. Apesar de este ser um elenco exemplificativo, a Directiva coloca o foco nos direitos inderrogáveis, o que poderá restringir a protecção à vítima de perseguição quando estejam em causa direitos derrogáveis, como a liberdade religiosa, que pode sofrer restrições para salvaguardar os direitos de outrem ou a ordem e a segurança públicas.