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Actos de perseguição religiosa e protecção dos refugiados na União Europeia: análise do Acórdão do Tribunal de Justiça Bundesrepublik Deutschland contra Y e Z

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abril de 2014

Leonor Amaro Gonçalves Vieira

Actos de perseguição religiosa e protecção

dos refugiados na União Europeia – análise

do Acórdão do Tribunal de Justiça

Bundesrepublik Deutschland contra Y e Z

Universidade do Minho

Escola de Direito

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seguição religiosa e protecção dos refugiados na União Europeia – análise do Acórdão do T

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tiça

Bundesr

epublik Deutschland contra Y e Z

UMinho|20

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Trabalho efetuado sob a orientação da

Prof.ª Doutora Patrícia Jerónimo Vink

Leonor Amaro Gonçalves Vieira

Escola de Direito

Dissertação de Mestrado

Mestrado em Direito da União Europeia

Actos de perseguição religiosa e protecção

dos refugiados na União Europeia – análise

do Acórdão do Tribunal de Justiça

Bundesrepublik Deutschland contra Y e Z

abril de 2014

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RESUMO

Actos de perseguição religiosa e protecção dos refugiados na União Europeia – análise do Acórdão do Tribunal de Justiça Bundesrepublik Deutschland contra Y e Z

A presente dissertação de mestrado versa sobre o conceito de “perseguição”, tal como este é entendido para efeitos da concessão do estatuto de refugiado. Procura-se aqui entender a protecção que é concedida aos refugiados na União Europeia, que requisitos há a preencher para que haja lugar ao reconhecimento do estatuto. Analisaremos o modo como o conceito de “perseguição” é definido na Convenção de Genebra de 1951 relativa ao Estatuto dos Refugiados, bem como na Directiva 2004/83/CE do Conselho, de 29 de Abril de 2004, que estabelece normas mínimas relativas às condições a preencher por nacionais de países terceiros ou apátridas para poderem beneficiar do estatuto de refugiado ou de pessoa que, por outros motivos, necessite de protecção internacional, bem como relativas ao respectivo estatuto, e relativas ao conteúdo da protecção concedida, mas centraremos a nossa atenção, especificamente, no Acórdão do Tribunal de Justiça da União Europeia Y e Z, de 2012, onde é discutido o termo “acto de perseguição religiosa”. Em uma sociedade democrática, a liberdade religiosa, incluindo a liberdade de expressar e de manifestar determinada religião, é de importância vital para o respeito dos direitos humanos. Este tema é discutido desde os trabalhos preparatórios da Convenção de Genebra e a União Europeia procurou densificar o conceito de “perseguição” na Directiva do Conselho referida supra. O Tribunal de Justiça sempre teve um papel proactivo no reconhecimento dos direitos humanos, veremos até que ponto, analisando o Acórdão Y e

Z, o Tribunal contribuiu para a discussão da noção de perseguição religiosa, quais os

efeitos práticos da sua decisão. No Acórdão, a discussão centra-se no facto de saber se a perseguição por motivos religiosos associada à manifestação da religião em locais públicos cabe no conceito de perseguição para efeitos da concessão do estatuto de refugiado.

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ABSTRACT

Acts of religious persecution and refugee protection in the European Union - analysis of the Judgment of the Court of Justice Bundesrepublik Deutschland v. Y and Z

This master thesis is about the concept of “persecution”, such as it is understood in concern to granting refugee status. Hereby we try to understand the protection that is given to the refugees within the European Union, which requirements need to be fulfilled for the refugee status recognition to take place. We will analyze the way the concept of “persecution” is defined in the 1951 Geneva Convention relating to the Status of Refugees, as well as in the Council Directive 2004/83/ECof 29 April 2004, on minimum standards for the qualification and status of third country nationals or stateless persons as refugees or as persons who otherwise need international protection and the content of the protection granted, but we will focus specifically on the Judgment of the Court of Justice Y and Z, of 2012, where it is discussed the concept of “acts of religious persecution”. In a democratic society, the religious freedom, including the freedom to demonstrate and manifest certain religion, is crucial to the respect of human rights. This theme is discussed since the preparatory work of the Geneva Convention, and the European Union tried to densify the concept of “persecution” in the Council Directive mentioned above. The Court of Justice always had a proactive role in the recognition of human rights. We will see how the Court, analyzing the Judgment Y and Z, contributed to the discussion of the notion of religious persecution and what was the impact of its decision. In the Judgment, the discussion focuses on knowing if the persecution for religious motives, associated to the religious manifestation in public places, fits on the concept of persecution in concern to granting refugee status.

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ÍNDICE

RESUMO ... iii ABSTRACT ... v ÍNDICE ... vii INTRODUÇÃO ... 1

CAPÍTULO I – A PROTECÇÃO INTERNACIONAL DOS REFUGIADOS ... 5

1. A evolução histórica da protecção dos refugiados no Direito Internacional ... 5

2. A Convenção de Genebra de 1951 ... 11 2.1. A protecção concedida ... 13 2.2. A definição de refugiado ... 14 2.2.1. Fundado receio ... 16 2.2.2. Perseguição ... 19 2.2.3. Factores de perseguição ... 22

2.2.4. Ausência do país da nacionalidade ou residência ... 25

2.2.5. Impossibilidade ou falta de vontade de pedir protecção ao país de origem, ou de a ele voltar ... 26

CAPÍTULO II – A PROTECÇÃO DOS REFUGIADOS NA UNIÃO EUROPEIA .... 29

1. A construção de uma política comum de asilo ... 29

2. A Directiva 2004/83/CE do Conselho, de 29 de Abril de 2004 ... 38

2.1. Trabalhos preparatórios ... 39

2.2. Conteúdo da Directiva ... 42

2.3. Análise ao artigo 9.º da Directiva 2004/83/CE ... 46

CAPÍTULO III – O ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA Y E Z ... 53

1. A jurisprudência proactiva do TJUE em matéria de asilo ... 53

2. O Acórdão Y e Z ... 56

2.1. Os factos ... 56

2.2. Questões prejudiciais ... 59

2.3. As conclusões do Advogado-Geral ... 60

2.4. A decisão do Tribunal de Justiça ... 63

2.5. O impacto do Acórdão ... 66

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INTRODUÇÃO

O asilo1 é uma matéria sensível, pois requer um equilíbrio entre a soberania estadual sobre o controlo das fronteiras e dos acessos ao respectivo território e a protecção dos direitos humanos dos indivíduos que abandonam os seus países de origem, onde as suas vidas se tornaram insustentáveis devido à perseguição por motivos políticos e religiosos2. Foi, sobretudo, após a Segunda Guerra Mundial, que produziu milhares de deslocados, que a comunidade internacional despertou para este problema, tendo chegado à conclusão de que são os Estados que devem conceder protecção aos indivíduos perseguidos no seu próprio país. Ora, toda esta discussão deu origem, em 1951, à Convenção de Genebra relativa ao Estatuto dos Refugiados, ainda hoje o mais importante texto internacional sobre protecção de refugiados, que serviu de base para outros instrumentos regionais.

A União Europeia (daqui em diante, UE) nem sempre teve responsabilidade sobre a matéria de asilo, justamente por respeito pela soberania dos Estados-Membros. Estes decidiram concertar esforços neste âmbito após a abolição das fronteiras internas dentro da União, procurando-se a construção de um mercado interno. O objectivo na UE passou a ser a construção de um Sistema Europeu Comum de Asilo, instituído em 1999, e que até os dias de hoje tem evoluído. Em diversas fases, foram sendo adoptadas diversas Directivas, mas também alguns Regulamentos, sobre certos aspectos relativos aos refugiados. Quanto ao tema aqui explorado, cumpre mencionar a Directiva 2004/83/CE do Conselho, de 29 de Abril de 2004, que estabelece normas mínimas relativas às condições a preencher por nacionais de países terceiros ou apátridas para poderem beneficiar do estatuto de refugiado ou de pessoa que, por outros motivos, necessite de protecção internacional, bem como relativas ao respectivo estatuto, e relativas ao conteúdo da protecção concedida. Mais de cinquenta anos após a Convenção de Genebra, esta Directiva do Conselho procura explicitar de forma mais clara alguns dos conceitos cruciais para a aplicação do estatuto de refugiado.

Vejamos algumas estatísticas no que concerne a refugiados na UE. O Eurostat, organismo oficial de estatísticas da UE, divulgou no ano transacto alguns números

1 Neste trabalho, os termos asilo e refúgio são utilizados de forma equivalente. 2 Este trabalho não segue as regras do novo Acordo Ortográfico.

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importantes sobre asilo na Europa a 27. Em 2012, registaram-se 332 000 pedidos de asilo, estimando-se que 90% dos mesmos correspondam a novos pedidos e que 10% sejam pedidos repetidos (em 2011 os pedidos rondaram os 302 000). 6% da totalidade dos pedidos foram feitos por nacionais do Paquistão3. A Alemanha, a França, a Suécia, o Reino Unido e a Bélgica registaram 70% do total de candidatos, mas foi na Alemanha que o número foi mais elevado (77 500 pedidos, representando 23% do total). Das decisões em primeira instância, 73% foram rejeições (pedidos inadmissíveis ou infundados), 14% foram decisões favoráveis à concessão do estatuto de refugiado, 10% foram decisões positivas para protecção subsidiária e 2% foram autorizações de permanência no país por razões humanitárias (exemplos desta última categoria são pessoas que não possam ser expulsas por razões de saúde e menores não acompanhados)4.

Procuramos neste trabalho discutir o que pode ser considerado “perseguição”, que condições deve um acto preencher para tal ser considerado. Uma parte significativa dos pedidos de asilo é motivada por perseguição religiosa. E muitos deles são rejeitados, isto porque o conceito de perseguição religiosa é ainda muito controverso, apesar de já ser debatido a nível internacional há muito tempo. A liberdade de religião está intrinsecamente ligada à dignidade do ser humano, princípio fundamental da UE. A Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (daqui em diante, CDFUE) diz-nos no segundo parágrafo do seu preâmbulo: “[c]onsciente do seu património espiritual e moral, a União baseia-se nos valores indivisíveis e universais da dignidade do ser humano, da liberdade, da igualdade e da solidariedade; assenta nos princípios da democracia e do Estado de direito”5.

Concentraremos os nossos esforços no Acórdão do Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) Y e Z, de 2012, onde se discute a interpretação do conceito de

3 Este dado não contabilizou os números da Holanda, por razões técnicas.

4 Cfr. Eurostat – Asylum in the EU27: the number of asylum applicants registered in the EU27 rose to more than 330 000 in 2012, STAT/13/48, 22.03.2013, disponível em

www.europa.eu/rapid/press-release_STAT-13-48_en.htm [15.04.2013]. Para estatísticas de anos anteriores, v. Comissão das

Comunidades Europeias – Livro Verde sobre o futuro Sistema Europeu Comum de Asilo, COM (2007) 301 final, Bruxelas, 06.06.2007, disponível em

http://eur-lex.europa.eu/LexUriServ/site/pt/com/2007/com2007_0301pt01.pdf [06.02.2014], pp. 22-29.

5 O texto da Carta encontra-se disponível em

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perseguição religiosa, segundo a Directiva 2004/83/CE do Conselho. A discussão é centrada nas manifestações da religião em público, em que medida a violação dessa liberdade pode dar origem a um acto de perseguição religiosa, logo, sendo a vítima da perseguição elegível para o reconhecimento do estatuto de refugiado. Importa compreender, por um lado, que avanços é que este Acórdão produziu na interpretação destes conceitos no seio da União, e, por outro, que impacto é que essa decisão produziu na aplicação prática das políticas de asilo nos Estados-Membros da UE.

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CAPÍTULO I

A PROTECÇÃO INTERNACIONAL DOS REFUGIADOS

1. A evolução histórica da protecção dos refugiados no Direito

Internacional

Em termos etimológicos, a palavra refugiado tem origem no vocábulo latino

refugium, que significa abrigo ou fuga6. Asilo deriva da palavra grega que significa inviolável7. Do sentido de lugar onde se busca protecção, asilo passou, com o tempo, a designar a própria protecção concedida8. Nas palavras de Andreia Sofia Pinto Oliveira, “[a]través dele [do asilo], um detentor de poder, dentro dos limites espaciais em que se exerce o seu poder, protege uma ou mais pessoas contra um outro poder”9.

A perseguição de pessoas, pelos mais variados motivos, é um fenómeno antigo. O seu significado foi evoluindo, resultando em diferentes formas de protecção ao longo da história da Humanidade. Pense-se, por exemplo, na protecção concedida, na Grécia Antiga, pelos Deuses nos seus templos sagrados, a criminosos, devedores, escravos e exilados, ou na protecção concedida pela Igreja Católica, sobretudo na Idade Média,

6 Cfr. Livia Elena BACAIAN – “The protection of refugees and their right to seek asylum in the

European Union”, in Collection Euryopa, volume 70, 2011, disponível em

www.unige.ch/ieug/publications/euryopa/Bacaian.pdf [18.04.2013], p. 10.

7 Cfr. Constança Urbano de SOUSA – Introdução ao estudo do direito dos estrangeiros, s/d,

disponível em www.fd.unl.pt/docentes_docs/ma/CUS_MA_1146.doc [18.04.2013], p. 48; José Noronha RODRIGUES – A história do direito de asilo no direito internacional, Universidade dos Açores, Working Paper Series 18/2006, 2006, disponível em

https://repositorio.uac.pt/bitstream/10400.3/1151/1/WPaper%2018-2006%20%28Rodrigues%29.pdf

[04.02.2014], p. 5.

8

Cfr. José Noronha RODRIGUES – A história do direito de asilo no direito internacional, Working Paper Series 18/2006, 2006, disponível em

https://repositorio.uac.pt/bitstream/10400.3/1151/1/WPaper%2018-2006%20%28Rodrigues%29.pdf

[04.02.2014], p. 4.

9 Cfr. Andreia Sofia Pinto OLIVEIRA – O Direito de Asilo na Constituição Portuguesa: Âmbito de protecção de um direito fundamental, Coimbra, Coimbra Editora, 2009, p. 18, interpolação nossa.

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através da concessão de refúgio nos seus lugares de santuário e da intercessão junto das autoridades civis a favor dos delinquentes10.

Com a edificação dos Estados modernos, a concessão de asilo religioso decaiu significativamente, o que se compreende atento o interesse dos Estados em afirmar a sua soberania. Não deixaram de existir iniciativas no sentido de oferecer protecção jurídica a pessoas vítimas de perseguição por motivos políticos, como correlato do reconhecimento do valor da pessoa humana (refira-se, por exemplo, a Constituição francesa de 1793, pós-revolução liberal, que consagrava o direito de asilo “aos estrangeiros banidos da sua pátria pela causa da liberdade”11). As poucas iniciativas de consagração de algum tipo de protecção àquelas pessoas foram, no entanto, pouco

10 Sobre esta evolução histórica que, por brevidade de discurso, trataremos de forma

perfunctória, cfr. Andreia Sofia Pinto OLIVEIRA – O Direito de Asilo na Constituição Portuguesa: Âmbito de protecção de um direito fundamental, Coimbra, Coimbra Editora, 2009, pp. 19-61; S. Prakash SINHA – Asylum and international law, XII, Haia, Martinus Nijhoff, 1971, pp. 5-13; José Noronha RODRIGUES – A história do direito de asilo no direito internacional, Universidade dos Açores, Working Paper Series 18/2006, 2006, disponível em

https://repositorio.uac.pt/bitstream/10400.3/1151/1/WPaper%2018-2006%20%28Rodrigues%29.pdf

[04.02.2014], pp. 5-12; Livia Elena BACAIAN – “The protection of refugees and their right to seek asylum in the European Union”, in Collection Euryopa, volume 70, 2011, disponível em

www.unige.ch/ieug/publications/euryopa/Bacaian.pdf [18.04.2013], p. 10; Thais Silva MENEZES –

“Direitos Humanos e direito internacional dos refugiados: uma relação de complementaridade”, in 3º Encontro Nacional ABRI 2011, 3, São Paulo, 2011, disponível em

www.proceedings.scielo.br/scielo.php?pid=MSC0000000122011000300050&script=sci_arttext

[18.04.2013], p. 2; ACNUR – “Introdução à protecção internacional dos refugiados”, in ACNUR, Colectânea de estudos e documentação sobre refugiados, Lisboa, ACNUR, 1997, H-RLD 1, pp. 6-8; Márcia Constantino GONÇALVES – O princípio do non-refoulement, Tese de mestrado, Ciência Jurídico-Internacionais, Faculdade de Direito, Universidade de Lisboa, s/e, 2009, p. 4; Inês Filipa Pires MARINHO – O direito de asilo na União Europeia: problemas e soluções: algumas reflexões em sede do quadro geral da Convenção de Genebra relativa ao Estatuto do Refugiado, Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, 2003, pp. 3-4.

11 Artigo 120.º: “Il donne asile aux étrangers bannis de leur patrie pour la cause de la liberté. - Il

le refuse aux tyrans”. Texto disponível em http://www.conseil-constitutionnel.fr/conseil-

constitutionnel/francais/la-constitution/les-constitutions-de-la-france/constitution-du-24-juin-1793.5084.html [19.03.2014]. A Constituição, no entanto, nunca chegou a entrar em vigor, dada a

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significativas, sendo que, nesta época, o asilo era mais uma prática tolerada, não existindo garantias jurídicas para aqueles que fugiam por motivos políticos.

No período entre as duas grandes guerras mundiais, a concessão de asilo tornou-se especialmente difícil, em virtude dos entraves colocados à circulação de pessoas, mas foi também neste período que foram dados os primeiros passos da comunidade internacional no sentido de definir o estatuto jurídico do refugiado. Em 1921, sob a égide da Sociedade das Nações, foi criado o Alto Comissariado para os Refugiados. O primeiro Comissário foi Fridtjof Nansen. Este nome iria ficar para sempre ligado à história da protecção dos refugiados. Isto porque, a partir de 5 de Julho de 1922, refugiados provenientes da Rússia passaram a possuir o chamado “passaporte Nansen”, que lhes permitia deslocarem-se com maior facilidade. Mais tarde, o passaporte passou a poder ser utilizado por arménios, sírios e turcos. A 28 de Outubro de 1933, foi assinada uma Convenção relativa ao estatuto dos refugiados12, que consagrava a proibição de expulsão dos refugiados para países onde alegavam sofrer perseguição. A sua eficácia ficou, no entanto, diminuída à partida, uma vez que poucos Estados a ratificaram. Mesmo os que o fizeram, apuseram várias reservas aos respectivos instrumentos de ratificação.

Com o eclodir da Segunda Guerra Mundial (1939-1945), o maior conflito armado da história da Humanidade, todos os avanços conseguidos até então, mesmo que pontuais, foram deixados em suspenso. A Segunda Guerra Mundial pôs em fuga, por toda a Europa, milhões de pessoas13, o que trouxe novamente para primeiro plano a questão da protecção internacional dos refugiados. Entretanto, os horrores do holocausto nazi haviam demonstrado que a tutela dos direitos humanos não podia ser inteiramente confiada aos Estados, já que estes eram, frequentemente, os responsáveis pelas mais horríveis formas de abuso e de perseguição.

Desta forma, a comunidade internacional passou a assumir um papel mais activo na protecção dos direitos humanos, o que se traduziu, desde logo, na inclusão do

12

Convention Relating to the International Status of Refugees, 28 de Outubro de 1933, League of Nations, Treaty Series, vol. CLIX, n.º 3663, disponível em

http://www.refworld.org/docid/3dd8cf374.html [15.03.2014].

13 Cfr. Margarida Salema D’Oliveira MARTINS – “O refugiado no Direito Internacional e no

Direito Português”, in Jorge Miranda (coordenador), Estudos em homenagem ao Prof. Doutor Martim de Albuquerque, volume II, Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, 2010, p. 264.

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respeito pelos direitos humanos, pelas liberdades fundamentais e pela dignidade da pessoa humana, entre os principais objectivos da Organização das Nações Unidas (daqui em diante, ONU), como se comprova pelo artigo 1.º da Carta das Nações Unidas14, e na adopção, em 10 Dezembro de 1948, pela Assembleia-Geral da ONU, da Declaração Universal dos Direitos Humanos (daqui em diante, DUDH)15. Em cumprimento e desenvolvimento dos princípios enunciados na DUDH, foram, posteriormente, firmados vários tratados de direitos humanos, incluindo os dois Pactos de 1966 (Pacto Internacional relativo aos Direitos Económicos, Sociais e Culturais, e Pacto Internacional relativo aos Direitos Civis e Políticos16), a Convenção internacional sobre a eliminação de todas as formas de discriminação racial de 1965, a Convenção contra a tortura e outros tratamentos ou penas cruéis, desumanos ou degradantes, de 1984, entre outros. A DUDH também serviu (e serve), como fonte de inspiração para a generalidade dos tratados de direitos humanos de âmbito regional (tais como, a Convenção Europeia para a Protecção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, de 195017, e a Carta Africana dos Direitos do Homem e dos Povos, de 198118), bem como para inúmeras constituições estaduais (veja-se, por exemplo, o artigo 16.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa).

Ora, esta responsabilidade que a comunidade internacional assumiu na defesa dos direitos humanos repercutiu-se em diversas matérias especiais, entre as quais a protecção dos refugiados. Afinal, como observa Gil Loescher, as violações de direitos

14 Assinada em São Francisco, a 26 de Junho de 1945, entrou em vigor a 24 de Outubro de 1945.

O texto encontra-se disponível em http://www.un.org/en/documents/charter/index.shtml [13.02.2014].

15 Texto disponível em http://dre.pt/util/pdfs/files/dudh.pdf [19.03.2014].

16 Os textos destes tratados encontram-se disponíveis em

http://www.refugiados.net/cid_virtual_bkup/asilo2/2pidesc.html e

http://www.refugiados.net/cid_virtual_bkup/asilo2/2pidcp.html [10.03.2014].

17 Também conhecida como Convenção Europeia dos Direitos do Homem (daqui em diante,

CEDH). O texto da Convenção encontra-se disponível em

http://dre.pt/pdf1s/1978/10/23600/21192145.pdf [19.03.2014].

18 O texto da Carta encontra-se disponível em

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humanos que ocorrem hoje conduzirão a situações de refugiados no futuro19. A defesa dos direitos dos refugiados passou, assim, a consubstanciar uma prioridade.

A DUDH contém uma menção expressa ao direito de asilo, estabelecendo, no seu artigo 14.º, que “[t]oda a pessoa sujeita a perseguição tem o direito de procurar e de beneficiar de asilo em outros países”. Na opinião de S. Prakash Sinha, aquela previsão sofre uma limitação: ao indivíduo é dada a liberdade de procurar asilo, mas os Estados não estão obrigados a concedê-lo20. Guy S. Goodwin-Gill acrescenta que aquela previsão foi insuficiente, pois os Estados nem sequer mostraram a intenção de assumir uma obrigação moral quanto a esta matéria21. Apesar das dificuldades políticas, em 1951, foi adoptada a Convenção relativa ao Estatuto dos Refugiados22, através de uma Conferência de plenipotenciários das Nações Unidas, sendo actualmente 145 os seus Estados-Parte23. Devido à importância que esta Convenção reveste, será analisada com mais pormenor mais à frente.

Ainda no âmbito mundial, é importante realçar um organismo, o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (daqui em diante, ACNUR). Criado pela Assembleia-geral da ONU, em 194924, o ACNUR encontra-se em funções desde 1 de Janeiro de 195125. O Alto Comissariado desempenha um papel de guardião

19 “[T]oday’s human rights abuses are tomorrow’s refugee problems”. Cfr. Gil LOESCHER–

“Refugees: a global human rights and security crisis”, in Tim Dunne e Nicholas J. Wheeler (editores), Human Rights in global politics, 8ª reimpressão, Cambridge, University Press, 2004, p. 244.

20 Cfr. S. Prakash SINHA – Asylum and international law, XII, Haia, Martinus Nijhoff, 1971, p.

90; Marcos WACHOWICZ – “Nota breve acerca do direito de asilo”, in Revista Jurídica da Associação Académica da Faculdade de Direito de Lisboa, números 2 e 3, Lisboa Nova Série, 1985, p. 226.

21 Cfr. Guy S. GOODWIN-GILL – The refugee in international law, 2ª edição, colecção

Clarendon paperbacks, Oxford University Press, 1998, p. 175.

22 O texto da Convenção está disponível em

http://www.cidadevirtual.pt/acnur/refworld/refworld/legal/instrume/asylum/conv-0.html [14.02.2014].

23 Informação disponível em

https://treaties.un.org/Pages/ViewDetailsII.aspx?&src=UNTSONLINE&mtdsg_no=V~2&chapter=5&Te

mp=mtdsg2&lang=en#Participants [10.01.2014].

24 Através da Resolução 319 (IV), de 3 de Dezembro de 1949.

25 A sua sede situa-se em Genebra, mas existem várias delegações espalhadas pelo mundo. O seu

Estatuto foi criado através da Resolução 428 (V), de 14 de Dezembro de 1950. Texto disponível em

http://www.cidadevirtual.pt/acnur/acn_lisboa/a-estat.html [10.01.2014]. O Comissário é eleito pela

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dos refugiados26, pessoas privadas da protecção do seu Estado de nacionalidade ou residência habitual (no caso dos apátridas), cujos direitos fundamentais básicos não estão garantidos. Este tem ainda a função de promover a conclusão e a ratificação das convenções internacionais para a protecção dos refugiados e de velar pela sua aplicação27, tendo um papel consultivo em todo o processo28. Portanto, o ACNUR, sem se substituir aos Estados, procura garantir que estes estão conscientes das suas obrigações para com aqueles que procuram asilo dentro das suas fronteiras, e, por isso mesmo, a cooperação dos Estados é imprescindível para garantir uma resolução rápida do problema dos refugiados29.

A nível regional europeu, foi adoptada, em 1950, sob a égide do Conselho da Europa, a CEDH, a que fizemos referência supra30. Com vista a assegurar o respeito pelos direitos consagrados na Convenção, foi criado o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, visto como o guardião da Convenção31. A CEDH não reconhece expressamente o direito de asilo, mas muitos dos seus preceitos (direito à vida, proibição da tortura) contribuem para a tutela dos refugiados, como tem vindo a ser sublinhado na doutrina32.

Desde a sua criação, foram eleitos 10 Comissários, sendo o cargo actualmente ocupado pelo antigo primeiro-ministro português, António Guterres, desde 2005. Cfr.

http://www.acnur.org/t3/portugues/informacao-geral/alto-comissario-das-nacoes-unidas-para-refugiados/

[10.01.2014].

26 Capítulo I, n.º 1 e Capítulo II, n.º 8, do Estatuto do ACNUR.

27 Capítulo II, n.º 8, alínea a), do Estatuto do ACNUR. O objectivo será a harmonização, isto é, a

construção de padrões comuns entre os Estados, que assegure uma cooperação internacional neste âmbito.

28 Cfr. C. W. WOUTERS – International legal standards for the protection from refoulement: a legal analysis of the prohibitions on refoulement contained in the Refugee Convention, the European Convention on Human Rights, the International Covenant on Civil and Political Rights and the Convention against Torture, Antuérpia, Intersentia, 2009, p. 41.

29 Cfr. Erika FELLER – Em direcção a um Sistema Comum Europeu de asilo, Lisboa, Serviço de

Estrangeiros e Fronteiras, 2001, p. 36. Artigos 35.º e 36.º da Convenção de Genebra de 1951.

30 Assinada em Roma, a 4 de Novembro de 1950. A CEDH entrou em vigor a 3 de Setembro de

1953, existindo até à data 14 protocolos adicionais. São signatários da CEDH todos os países pertencentes ao Conselho da Europa onde, por sua vez, se encontram todos os Estados-Membros da União Europeia.

31 Cfr. Andreia Sofia Pinto OLIVEIRA – O Direito de Asilo na Constituição Portuguesa: Âmbito de protecção de um direito fundamental, Coimbra, Coimbra Editora, 2009, p. 69.

32 Como lembra Andreia Sofia Pinto Oliveira, “[a] CEDH consagra um conjunto de direitos

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2. A Convenção de Genebra de 1951

É assim designada a Convenção relativa ao Estatuto dos Refugiados, assinada em Genebra, a 28 de Julho de 1951, e em vigor desde 22 de Abril de 195433. A preparação da Convenção teve lugar de 1947 a 1950, surgindo da necessidade de se adoptar um estatuto legal que se aplicasse a pessoas desprovidas de protecção de qualquer Estado34. Na origem desta iniciativa está também a pressão da comunidade internacional para que se pusesse cobro às deslocações incontroláveis que estavam a ocorrer na Europa, após a Segunda Guerra Mundial35.

A Convenção de Genebra reconhece o carácter social e humanitário da questão dos refugiados, sendo até hoje o instrumento jurídico mais relevante nesta matéria36.

obrigados a respeitar; sempre que a execução de uma medida de expulsão possa pôr em causa algum desses direitos, o Estado-parte não pode aplicar a dita medida”. Cfr. Andreia Sofia Pinto OLIVEIRA – O Direito de Asilo na Constituição Portuguesa: Âmbito de protecção de um direito fundamental, Coimbra, Coimbra Editora, 2009, p. 69. A protecção concedida pela CEDH pode ser, desta forma, caracterizada como “indirecta”, sendo proibido o refoulement, isto é, um Estado não pode expulsar uma pessoa para um país onde esta corra o risco de ser perseguida. Cfr. Jane MCADAM – Complementary protection in international refugee law, Oxford, Oxford University Press, 2007, p. 137.

33 A Convenção de Genebra foi completada pelo Protocolo Adicional relativo ao Estatuto dos

Refugiados, celebrado em Nova Iorque, em 31 de Janeiro de 1967, que entrou em vigor a 4 de Outubro de 1967. Sendo um instrumento jurídico independente, os Estados podem aderir ao Protocolo sem terem aderido anteriormente à Convenção. À data, são 146 os Estados-Parte do Protocolo de Nova Iorque.

Informação disponível em

https://treaties.un.org/Pages/ViewDetails.aspx?src=UNTSONLINE&tabid=2&mtdsg_no=V-5&chapter=5&lang=en#Participants [10.01.2014].

34 Cfr. ACNUR – “Introdução à protecção internacional dos refugiados”, in ACNUR, Colectânea de estudos e documentação sobre refugiados, Lisboa, ACNUR, 1997, H-RLD 1, p. 14.

35 Cfr. José Noronha RODRIGUES – A história do direito de asilo no direito internacional,

Universidade dos Açores, Working Paper Series 18/2006, 2006, disponível em

https://repositorio.uac.pt/bitstream/10400.3/1151/1/WPaper%2018-2006%20%28Rodrigues%29.pdf

[04.02.2014], p. 17.

36 “A Convenção também se reveste de um significado de natureza jurídica, política e ética que

vai muito além dos seus termos concretos – jurídica na medida em que estipula as normas básicas que devem presidir às acções assentes nos princípios supracitados; política, na medida em que constitui um

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Pode argumentar-se que as suas normas colidem com o direito soberano de cada Estado de regular as entradas realizadas através das suas fronteiras, mas, como bem lembra Erika Feller, esta é “uma excepção necessária relativamente a uma categoria específica de pessoas”37

. O objecto da Convenção de Genebra é a protecção de direitos humanos de pessoas que no momento não gozam de protecção pelo seu próprio país (de nacionalidade ou residência habitual) tendo o direito a gozar de protecção num outro local. Assim, esta forma de protecção internacional é substituta, pois só actua em casos onde a protecção nacional falha38.

As negociações do texto da Convenção foram particularmente difíceis, especialmente devido ao desacordo quanto à definição de refugiado. As dificuldades de entendimento centraram-se também na obrigação de non-refoulement, hoje considerada um princípio de Direito internacional consuetudinário39. A Convenção veio, assim, preencher uma lacuna jurídica existente até então, pois, até à data, as situações de refugiados eram resolvidas através de acordos internacionais pontuais, uma vez que a Convenção de 1933 não teve o impacto esperado40.

A Convenção de Genebra tem vindo a ser criticada há várias décadas, principalmente pelo facto de se percepcionar que a mesma não consegue responder a

quadro verdadeiramente universal no âmbito do qual os Estados podem cooperar entre si e partilhar os encargos resultantes da deslocação forçada; e ética, na medida em que constitui uma declaração única na qual os 139 Estados partes se comprometem a defender e a proteger os direitos de algumas das pessoas mais vulneráveis e desfavorecidas do mundo”. Cfr. Erika FELLER – Em direcção a um Sistema Comum Europeu de asilo, Lisboa, Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, 2001, p. 36.

37 Cfr. Erika FELLER – Em direcção a um Sistema Comum Europeu de asilo, Lisboa, Serviço de

Estrangeiros e Fronteiras, 2001, p. 37.

38 “Sempre que possível, a protecção nacional tem primazia sobre a protecção internacional”.

Cfr. ACNUR – Manual de procedimentos e critérios a aplicar para determinar o estatuto de refugiado: de acordo com a Convenção de 1951 e o Protocolo de 1967 relativos ao estatuto dos refugiados, Lisboa, ACNUR, 1996, p. 25.

39 Cfr. Margarida Salema D’Oliveira MARTINS – “O refugiado no Direito Internacional e no

Direito Português”, in Jorge Miranda (coordenador), Estudos em homenagem ao Prof. Doutor Martim de Albuquerque, volume II, Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, 2010, p. 265.

40 Cfr. José Noronha RODRIGUES – A história do direito de asilo no direito internacional,

Universidade dos Açores, Working Paper Series 18/2006, 2006, disponível em

https://repositorio.uac.pt/bitstream/10400.3/1151/1/WPaper%2018-2006%20%28Rodrigues%29.pdf

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situações actuais de deslocações forçadas de indivíduos ou populações41. No entanto, como observa Inês Filipa Pires Marinho, “não deverá questionar-se a importância e valor da Convenção de Genebra, antes repensar o sistema por forma a revitalizá-lo, mas integrando as mais valias que este instrumento nele encerra”42.

2.1. A protecção concedida

A Convenção começa por ressalvar, no seu artigo 5.º, que as suas disposições não prejudicam outros direitos dos refugiados que poderão existir em determinado Estado43. Os refugiados não podem ser discriminados (artigo 3.º), devendo beneficiar de reciprocidade no que toca ao regime instituído para os estrangeiros no país de acolhimento. A liberdade religiosa é objecto do artigo 4.º, onde pode ler-se que “[o]s Estados Contratantes concederão aos refugiados nos seus territórios um tratamento pelo menos tão favorável como o concedido aos nacionais no que diz respeito à liberdade de praticar a sua religião e no que se refere à liberdade de instrução religiosa dos seus filhos”.

O estatuto de refugiado confere aos seus titulares diversos direitos, entre os quais, o direito de propriedade, o direito de associação, o direito ao livre exercício de profissão, o direito a habitação, o direito à educação, o direito à assistência pública, o direito de livre circulação, o direito a possuir documentos de identidade e de viagem, o direito à igualdade de tratamento no que concerne a encargos fiscais, entre outros, plasmados nos artigos 12.º a 29.º da Convenção de Genebra.

De notar que os refugiados não podem ser submetidos a sanções penais se entraram ou se encontram de forma irregular no país de acolhimento, segundo o artigo

41 Cfr. Márcia Constantino GONÇALVES – O estatuto de refugiado e o direito de asilo,

Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, 2006, p. 39.

42 Cfr. Inês Filipa Pires MARINHO – O direito de asilo na União Europeia: problemas e soluções: algumas reflexões em sede do quadro geral da Convenção de Genebra relativa ao Estatuto do Refugiado, Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, 2003, p. 27.

43 Artigo 5.º: “Nenhuma disposição desta Convenção prejudica outros direitos e vantagens

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31.º da Convenção44. Desta forma, é excluída qualquer ilicitude que possa ter ocorrido, como falsificação de documentação necessária à circulação da pessoa entre o território de origem, onde sofria perseguição, e o país de acolhimento45. Isto desde que, agindo de boa-fé, o refugiado se apresente às autoridades o quanto antes e exponha o seu caso.

A proibição de devolução é talvez o direito mais importante dos refugiados que caibam na definição da Convenção, consagrado no artigo 33.º, n.º 1, da mesma. Este direito não é absoluto, sendo que a Convenção elenca um conjunto de excepções, no n.º 2 da referida norma46.

O refugiado também tem deveres em relação ao Estado que o acolhe, entre os quais, “a obrigação de acatar as leis e regulamentos” (artigo 2.º).

2.2. A definição de refugiado

O artigo 1.º A (2) da Convenção de Genebra define o termo refugiado, tendo sido o debate desta norma dos mais complicados, durante os trabalhos preparatórios. Posteriormente, vários organismos tentaram clarificar este conceito.

A definição de refugiado engloba qualquer pessoa “que, em consequência de acontecimentos ocorridos antes de l de Janeiro de 1951, e receando com razão ser perseguida em virtude da sua raça, religião, nacionalidade, filiação em certo grupo social ou das suas opiniões políticas, se encontre fora do país de que tem a

44

Artigo 31.º: “1. Os Estados Contratantes não aplicarão sanções penais, devido a entrada ou estada irregulares, aos refugiados que, chegando directamente do território onde a sua vida ou liberdade estavam ameaçadas no sentido previsto pelo artigo 1.º, entrem ou se encontrem nos seus territórios sem autorização, desde que se apresentem sem demora às autoridades e lhes exponham razões consideradas válidas para a sua entrada ou presença irregulares”.

45 Cfr. Andreia Sofia Pinto OLIVEIRA – O Direito de Asilo na Constituição Portuguesa: Âmbito de protecção de um direito fundamental, Coimbra, Coimbra Editora, 2009, p. 68.

46 Artigo 33.º: “1. Nenhum dos Estados Contratantes expulsará ou repelirá um refugiado, seja de

que maneira for, para as fronteiras dos territórios onde a sua vida ou a sua liberdade sejam ameaçados em virtude da sua raça, religião, nacionalidade, filiação em certo grupo social ou opiniões políticas. 2. Contudo, o benefício da presente disposição não poderá ser invocado por um refugiado que haja razões sérias para considerar perigo para a segurança do país onde se encontra, ou que, tendo sido objecto de uma condenação definitiva por um crime ou delito particularmente grave, constitua ameaça para a comunidade do dito país”.

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nacionalidade e não possa ou, em virtude daquele receio, não queira pedir a protecção daquele país; ou que, se não tiver nacionalidade e estiver fora do país no qual tinha a sua residência habitual após aqueles acontecimentos, não possa ou, em virtude do dito receio, a ele não queira voltar”.

Devido às novas proporções e complexidade das situações de refugiados a necessitar de ajuda por todo o globo, o Protocolo de Nova Iorque, referido supra, veio eliminar a limitação temporal existente nesta norma, tornando a Convenção verdadeiramente universal47.

A definição de refugiado dada pela Convenção de Genebra tem sido objecto de várias críticas ao longo das últimas décadas. Kay Hailbronner diz-nos que “o conceito actual de protecção de refugiados não é suficientemente flexível para poder lidar com categorias de refugiados diferentes”48. Noronha Rodrigues aponta dois outros aspectos negativos, sendo um deles o facto de os fundamentos para a concessão do estatuto de refugiado estarem apenas ligados a direitos civis e políticos, “ignorando por completo os direitos económicos, sociais e culturais”. A outra crítica prende-se com a prática diferenciada de atribuição deste estatuto em várias partes do mundo, essencialmente devido à não determinação de conceitos como os de “receio fundado” e de “perseguição”49

. Na opinião de outros autores, no entanto, esta definição de refugiado continua a ser válida hoje50. É também essa a perspectiva da Comissão Europeia, segundo a qual “[a] definição do termo «refugiado», tal como formulada no ponto A, n.º

47 Artigo 1.º, n.º 2: “Para os efeitos do presente Protocolo, o termo refugiado deverá, excepto em

relação à aplicação do parágrafo 3 deste artigo, significar qualquer pessoa que caiba na definição do artigo 1, como se fossem omitidas as palavras como resultado de acontecimentos ocorridos antes de l de Janeiro de 1951 e... e as palavras... como resultado de tais acontecimentos, no artigo 1-A (2)”. Texto disponível em http://www.cidadevirtual.pt/acnur/acn_lisboa/protoc.html [13.01.2014].

48 Cfr. Kay HAILBRONNER – Em direcção a um Sistema Comum Europeu de asilo, Lisboa,

Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, 2001, p. 101.

49 Cfr. José Noronha RODRIGUES – A história do direito de asilo no direito internacional,

Universidade dos Açores, Working Paper Series 18/2006, 2006, disponível em

https://repositorio.uac.pt/bitstream/10400.3/1151/1/WPaper%2018-2006%20%28Rodrigues%29.pdf

[04.02.2014], p. 22.

50 Cfr. Volker TÜRK, e Frances NICHOLSON – “Refugee protection in international law: an

overall perspective”, in Erika Feller, Volker Türk e Frances Nicholson (editores) – Refugee protection in international law: UNHCR's global consultation on international protection, Cambridge University Press, 2003, p. 38.

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2, do artigo 1.º da Convenção de Genebra de 1951, bem como a própria Convenção, conservam actualmente toda a sua pertinência e são suficientemente flexíveis, completas e gerais para garantir uma protecção internacional a grande parte das pessoas que dela necessitam”51.

Mesmo por isso, justifica-se que analisemos os vários termos em que se decompõe a definição de refugiado dada pela Convenção de Genebra, o que faremos nas páginas que se seguem.

2.2.1. Fundado receio

Pode dividir-se este critério em dois: o receio, que é um elemento subjectivo, e a fundamentação desse mesmo receio, um elemento objectivo52.

51

Cfr. Comissão das Comunidades Europeias – Proposta de Directiva do Conselho que estabelece normas mínimas relativas às condições a preencher por nacionais de países terceiros e apátridas para poderem beneficiar do estatuto de refugiado ou de pessoa que, por outros motivos, necessite de protecção internacional, bem como normas mínimas relativas ao respectivo estatuto, COM/2001/0510 final - CNS 2001/0207, disponível em

http://eur-lex.europa.eu/legal-content/EN-PT/TXT/?uri=CELEX:52001PC0510&from=EN [26.03.2014].

52 Cfr. Andreia Sofia Pinto OLIVEIRA – O Direito de Asilo na Constituição Portuguesa: Âmbito de protecção de um direito fundamental, Coimbra, Coimbra Editora, 2009, p. 316; C. W. WOUTERS – International legal standards for the protection from refoulement: a legal analysis of the prohibitions on refoulement contained in the Refugee Convention, the European Convention on Human Rights, the International Covenant on Civil and Political Rights and the Convention against Torture, Antuérpia, Intersentia, 2009, p. 83; Margarida Salema D’Oliveira MARTINS – “O refugiado no Direito Internacional e no Direito Português”, in Jorge Miranda (coordenador), Estudos em homenagem ao Prof. Doutor Martim de Albuquerque, volume II, Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, 2010, p. 269; ACNUR – Manual de procedimentos e critérios a aplicar para determinar o estatuto de refugiado: de acordo com a Convenção de 1951 e o Protocolo de 1967 relativos ao estatuto dos refugiados, Lisboa, ACNUR, 1996, p. 12; ACNUR – Interpreting Article 1 of the 1951 Convention Relating to the Status of Refugees, Abril de 2001, disponível em

http://www.refworld.org/cgi-bin/texis/vtx/rwmain?docid=3b20a3914 [16.01.2014], pp. 3-4; Márcia Constantino GONÇALVES – O

estatuto de refugiado e o direito de asilo, Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, s/e, 2006, p. 14; Inês Filipa Pires MARINHO – O direito de asilo na União Europeia: problemas e soluções: algumas reflexões em sede do quadro geral da Convenção de Genebra relativa ao Estatuto do Refugiado, Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, 2003, p. 16.

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Concordamos com C. W. Wouters, que defende que o elemento subjectivo, o medo, enquanto mero estado emocional, não pode ser decisivo para o reconhecimento do estatuto de refugiado, pois poderia desencadear desigualdades de tratamento. Há pessoas mais destemidas que outras. Bebés ou pessoas com deficiências mentais não têm noção dos perigos que podem correr, mas, no entanto, naturalmente, merecem a mesma protecção que qualquer outra pessoa. Nestes casos, é necessário que o elemento objectivo pese mais na decisão a tomar53. Andreia Sofia Pinto Oliveira defende mesmo que o receio é apenas um indicador de perseguição, não sendo de todo um pressuposto para o reconhecimento do estatuto de refugiado54. De resto, para se determinar o elemento subjectivo, é necessário realizar uma avaliação à personalidade do requerente, isto porque cada indivíduo tem a sua própria forma de lidar com este tipo de situações55. O receio não é quantificável56. Tendo em conta o perigo de perseguição, é necessário avaliar o contexto social e político (objectivo, portanto) em que o indivíduo se insere, para ser possível determinar se esse receio é justificável. Este é um exercício que deve ter em conta também actos de perseguição já sofridos no passado e não apenas o risco ou uma forte possibilidade de ocorrerem actos de perseguição no futuro. Mas esta não é uma condição suficiente, nem sequer necessária, para o reconhecimento do estatuto de refugiado. A perseguição que possa ter ocorrido no passado releva para a avaliação da situação futura do requerente, mas apenas na medida em que permitirá desenhar um padrão que ajude o examinador a chegar à conclusão de que aquela pessoa corre um sério risco de vir a ser perseguida no futuro. Isto porque, mesmo que tenham

53

Cfr. C. W. WOUTERS – International legal standards for the protection from refoulement: a legal analysis of the prohibitions on refoulement contained in the Refugee Convention, the European Convention on Human Rights, the International Covenant on Civil and Political Rights and the Convention against Torture, Antuérpia, Intersentia, 2009, p. 84. V. também ACNUR – Manual de procedimentos e critérios a aplicar para determinar o estatuto de refugiado: de acordo com a Convenção de 1951 e o Protocolo de 1967 relativos ao estatuto dos refugiados, Lisboa, ACNUR, 1996, pp. 52-53.

54 Cfr. Andreia Sofia Pinto OLIVEIRA – O Direito de Asilo na Constituição Portuguesa: Âmbito de protecção de um direito fundamental, Coimbra, Coimbra Editora, 2009, p. 317.

55

Cfr. ACNUR – Manual de procedimentos e critérios a aplicar para determinar o estatuto de refugiado: de acordo com a Convenção de 1951 e o Protocolo de 1967 relativos ao estatuto dos refugiados, Lisboa, ACNUR, 1996, p. 12.

56 Cfr. Inês Filipa Pires MARINHO – O direito de asilo na União Europeia: problemas e soluções: algumas reflexões em sede do quadro geral da Convenção de Genebra relativa ao Estatuto do Refugiado, Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, 2003, p. 16, nota de rodapé nº 56.

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ocorrido actos de perseguição no passado, tal facto não significa necessariamente que ocorrerão novamente no futuro, se não existirem fortes condições para que isso aconteça. Portanto, o risco de perseguição deve ser actual57.

O Tribunal Constitucional alemão pronunciou-se, em diversos casos, sobre este assunto, afirmando que deveria existir uma "probabilidade considerável" de o sujeito ser perseguido caso regressasse ao país de origem. O principal factor a ter em conta seria a existência de determinados elementos objectivos que permitam concluir, de acordo com o senso comum, que é razoável que aquela pessoa receie ser perseguida58.

Guy S. Goodwin-Gill chama a atenção para a importância que poderá ter o facto de a perseguição ser intencional, isto porque será mais fácil de provar um receio fundamentado59. Mas esta não é uma condição necessária, pois imporia ao requerente um fardo demasiado pesado para provar intenção dolosa por parte do autor da perseguição. Uma interpretação contrária iria contra o espírito da Convenção de Genebra, que procura proteger as pessoas em risco, e não responsabilizar os agentes de perseguição60.

57 Cfr. C. W. WOUTERS – International legal standards for the protection from refoulement: a legal analysis of the prohibitions on refoulement contained in the Refugee Convention, the European Convention on Human Rights, the International Covenant on Civil and Political Rights and the Convention against Torture, Antuérpia, Intersentia, 2009, p. 85; Karen MUSALO – “Claims for protection based on religion or belief”, in International Journal of Refugee Law, volume 16, número 2, 2004, pp. 196-197; Catrinel BRUMAR – “Definition of refugee in International Law: challenges of the present times”, in Lex et Scientia International Journal, XVI-1, 2009, disponível em

www.ceeol.com/aspx/getdocument.aspx?logid=5&id=d3e94ea3-653f-469a-9f3e-78eb7af6922e

[18.04.2013], p. 251.

58 Cfr. ACNUR – “Estudos sobre assuntos de protecção na Europa Ocidental: tendências

legislativas e posições tomadas pelo ACNUR”, in ACNUR, Colectânea de estudos e documentação sobre refugiados, Lisboa, ACNUR, 1997, 2J, p. 27; Márcia Constantino GONÇALVES – O estatuto de refugiado e o direito de asilo, Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, s/e, 2006, p. 15.

59 Cfr. Guy S. GOODWIN-GILL – The refugee in international law, 2ª edição, colecção

Clarendon paperbacks, Oxford University Press, 1998, p. 51. Na mesma esteira, v. C. W. WOUTERS – International legal standards for the protection from refoulement: a legal analysis of the prohibitions on refoulement contained in the Refugee Convention, the European Convention on Human Rights, the International Covenant on Civil and Political Rights and the Convention against Torture, Antuérpia, Intersentia, 2009, pp. 77-78.

60 Cfr. C. W. WOUTERS – International legal standards for the protection from refoulement: a legal analysis of the prohibitions on refoulement contained in the Refugee Convention, the European

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2.2.2. Perseguição

A Convenção de 1951 não possui nenhuma definição deste termo, o que pode explicar-se pela intenção de evitar deixar de fora algum aspecto importante, atenta a circunstância de o ser humano estar constantemente a inventar novas formas de perseguir o seu semelhante61. De resto, não existe uma definição deste termo que seja universalmente aceite.

O ACNUR, no seu Manual de procedimentos e critérios, diz-nos, desde logo, que ameaças à vida e à liberdade, baseadas num dos fundamentos da Convenção, constituem sempre perseguição, bem como violações graves de direitos humanos62.

Pode dizer-se que já há consenso no que toca à necessidade do dano infligido ao indivíduo dever revestir-se de uma certa gravidade ou seriedade63. Isto, porque nem

Convention on Human Rights, the International Covenant on Civil and Political Rights and the Convention against Torture, Antuérpia, Intersentia, 2009, p. 79.

61 “[T]he drafters intended that all future types of persecution should be encompassed by the

term”. Cfr. ACNUR – Interpreting Article 1 of the 1951 Convention Relating to the Status of Refugees, Abril de 2001, disponível em http://www.refworld.org/cgi-bin/texis/vtx/rwmain?docid=3b20a3914

[16.01.2014], p. 5. Com a mesma opinião, v. Volker TÜRK, e Frances NICHOLSON – “Refugee protection in international law: an overall perspective”, in Erika Feller, Volker Türk e Frances Nicholson (editores) – Refugee protection in international law: UNHCR's global consultation on international protection, Cambridge University Press, 2003, p. 39; Guy S. GOODWIN-GILL – The refugee in international law, 2ª edição, colecção Clarendon paperbacks, Oxford University Press, 1998, p. 69.

62 Cfr. ACNUR – Manual de procedimentos e critérios a aplicar para determinar o estatuto de refugiado: de acordo com a Convenção de 1951 e o Protocolo de 1967 relativos ao estatuto dos refugiados, Lisboa, ACNUR, 1996, pp. 14-15. Com a mesma opinião, v. Guy S. GOODWIN-GILL – The refugee in international law, 2ª edição, colecção Clarendon paperbacks, Oxford University Press, 1998, p. 69; Márcia Constantino GONÇALVES – O estatuto de refugiado e o direito de asilo, Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, s/e, 2006, p. 16. Esta última autora acrescenta atentados à dignidade e à integridade da pessoa humana.

63 “[T]he term can be characterised as requiring a certain level of severity or seriousness; a level

that is determined by the type, nature and scale of human rights violations”. Cfr. C. W. WOUTERS – International legal standards for the protection from refoulement: a legal analysis of the prohibitions on refoulement contained in the Refugee Convention, the European Convention on Human Rights, the International Covenant on Civil and Political Rights and the Convention against Torture, Antuérpia,

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todo e qualquer tipo de discriminação pode consubstanciar uma perseguição. É necessário que aquela tenha uma natureza suficientemente grave, que restrinja os direitos individuais e que a vítima dessa perseguição não tenha possibilidade de viver o seu dia-a-dia de uma forma considerada normal64. Mas as disparidades de opiniões e argumentos começam aí, discutindo-se, por exemplo, se bastará um acto isolado para ser possível a existência de perseguição, ou se serão necessários vários actos que se repitam ao longo do tempo65. Na nossa opinião, pode existir perseguição com um único acto, se ficar provado que há grandes possibilidades de outros ocorrerem no futuro, caso contrário a pessoa não necessitará de protecção.

Na opinião de Karen Musalo, presume-se que constituam perseguição tentativas de agressão e ataques à integridade física do indivíduo que resultem em danos graves, sendo que essa presunção continua a existir mesmo quando os actos não sejam repetitivos66. Livia Elena Bacaian define perseguição como abuso, maus-tratos ou assédio67.

Concordamos com Goodwin-Gill quando defende que existe perseguição se as medidas em causa afectam a integridade e a dignidade humanas, a um nível considerado inaceitável segundo os padrões internacionais de direitos humanos comummente aceites68. Este autor defende que é necessário ter-se em conta três factores, para poder

Intersentia, 2009, p. 58. V. também Andreia Sofia Pinto OLIVEIRA – O Direito de Asilo na Constituição Portuguesa: Âmbito de protecção de um direito fundamental, Coimbra, Coimbra Editora, 2009, p. 316.

64 Cfr. ACNUR – Manual de procedimentos e critérios a aplicar para determinar o estatuto de refugiado: de acordo com a Convenção de 1951 e o Protocolo de 1967 relativos ao estatuto dos refugiados, Lisboa, ACNUR, 1996, p. 15.

65 Cfr. Karen MUSALO – “Claims for protection based on religion or belief”, in International Journal of Refugee Law, volume 16, número 2, 2004, p. 175.

66 “Serious harm in the form of an assault or attack on the physical integrity of an individual is

presumed to constitute persecution, and the presumption of persecution applies even if the harm was not repetitive or ongoing”. Cfr. Karen MUSALO – “Claims for protection based on religion or belief”, in International Journal of Refugee Law, volume 16, número 2, 2004, p. 187.

67

“[I]t might be understood as the act of abusing, illtreating or harassing a person”. Cfr. Livia Elena BACAIAN – “The protection of refugees and their right to seek asylum in the European Union”, in Collection Euryopa, volume 70, 2011, disponível em

www.unige.ch/ieug/publications/euryopa/Bacaian.pdf [18.04.2013], p. 12.

68 “Persecution results where the measures in question harm those interests and the integrity and

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concluir-se que determinada restrição consubstancia perseguição: a natureza da liberdade ameaçada, a natureza e a severidade da restrição em si mesma e a probabilidade de aquela restrição ser imposta à pessoa considerada69. Este autor conclui que é deixada uma ampla margem de apreciação aos Estados para que interpretem o termo perseguição70.

Põe-se, naturalmente, o problema da prova. Como nos diz o ACNUR, “[f]alsas declarações não constituem, por si só, motivo para a recusa do estatuto de refugiado”71

. Assim, se o essencial da história contada pelo indivíduo é credível, o facto de ter faltado à verdade em alguns pormenores ou exagerado com o intuito de fortalecer a sua pretensão, não conduz necessariamente à negação do reconhecimento do estatuto72. Gina Clayton fala-nos dos efeitos traumáticos em pessoas torturadas, que podem ter consequências na sua memória, devendo este aspecto ser tido em conta73.

Ao requerente incumbe o ónus da prova. No processo de reconhecimento do estatuto de refugiado, no entanto, os elementos de prova estão, muitas vezes, inacessíveis. Por isso mesmo, neste campo, há regras mais flexíveis. Se toda a explicação do requerente for coerente e plausível, mesmo que este não consiga provar todos os elementos necessários, deve ser-lhe concedido o benefício da dúvida74.

standards or under higher standards prevailing in the State faced with determining a claim to asylum or refugee status”. Cfr. Guy S. GOODWIN-GILL – The refugee in international law, 2ª edição, colecção Clarendon paperbacks, Oxford University Press, 1998, p. 77.

69 Cfr. Guy S. GOODWIN-GILL – The refugee in international law, 2ª edição, colecção

Clarendon paperbacks, Oxford University Press, 1998, p. 68.

70 Cfr. Guy S. GOODWIN-GILL – The refugee in international law, 2ª edição, colecção

Clarendon paperbacks, Oxford University Press, 1998, p. 67.

71 Cfr. ACNUR – Manual de procedimentos e critérios a aplicar para determinar o estatuto de refugiado: de acordo com a Convenção de 1951 e o Protocolo de 1967 relativos ao estatuto dos refugiados, Lisboa, ACNUR, 1996, p. 50.

72 Cfr. Gina CLAYTON – Textbook on immigration and asylum law, XLIV, Oxford University

Press, 2004, pp. 398-399; Karen MUSALO – “Claims for protection based on religion or belief”, in International Journal of Refugee Law, volume 16, número 2, 2004, p. 224.

73 Cfr. Gina CLAYTON – Textbook on immigration and asylum law, XLIV, Oxford University

Press, 2004, p. 399.

74 Cfr. Gina CLAYTON – Textbook on immigration and asylum law, XLIV, Oxford University

Press, 2004, p. 400. Para explicações mais detalhadas acerca do processo de reconhecimento do estatuto de refugiado, cfr. ACNUR – Manual de procedimentos e critérios a aplicar para determinar o estatuto de

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2.2.3. Factores de perseguição

Os motivos de perseguição que podem conduzir ao reconhecimento do estatuto de refugiado são: raça, religião, nacionalidade, pertença a certo grupo social e opiniões políticas. Uma pessoa pode ser vítima de perseguição por apenas um dos motivos, ou por vários.

Raça deve ser interpretada de forma a abranger a definição dada pela Convenção Internacional sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial de 196575, e que inclui: raça, cor, descendência e origem nacional ou étnica76.

Segundo o ACNUR, a nacionalidade não inclui apenas a ligação entre o indivíduo e o Estado de origem, isto é, a cidadania77. Deve abarcar também comunidades unidas por motivos étnicos, religiosos, culturais e linguísticos78.

No que respeita à pertença a um grupo social, importa referir que um grupo social possui determinadas características intrínsecas que unem os seus membros, tais

refugiado: de acordo com a Convenção de 1951 e o Protocolo de 1967 relativos ao estatuto dos refugiados, Lisboa, ACNUR, 1996, pp. 49-51.

75 Cfr. Catrinel BRUMAR – “Definition of refugee in International Law: challenges of the

present times”, in Lex et Scientia International Journal, XVI-1, 2009, disponível em

www.ceeol.com/aspx/getdocument.aspx?logid=5&id=d3e94ea3-653f-469a-9f3e-78eb7af6922e

[18.04.2013], p. 252.

76 Artigo 1.º, n.º 1. Texto disponível em

http://www.gddc.pt/direitos-humanos/textos-internacionais-dh/tidhuniversais/pd-eliminacao-discrimina-racial.html [16.02.2014].

77 Cfr. ACNUR – Manual de procedimentos e critérios a aplicar para determinar o estatuto de refugiado: de acordo com a Convenção de 1951 e o Protocolo de 1967 relativos ao estatuto dos refugiados, Lisboa, ACNUR, 1996, p. 19; ACNUR – Interpreting Article 1 of the 1951 Convention Relating to the Status of Refugees, Abril de 2001, disponível em

http://www.refworld.org/cgi-bin/texis/vtx/rwmain?docid=3b20a3914 [16.01.2014], p. 7.

78 Cfr. Catrinel BRUMAR – “Definition of refugee in International Law: challenges of the

present times”, in Lex et Scientia International Journal, XVI-1, 2009, disponível em

www.ceeol.com/aspx/getdocument.aspx?logid=5&id=d3e94ea3-653f-469a-9f3e-78eb7af6922e

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como interesses, valores, aspirações, estatuto social ou actividades79, podendo ser identificado pelas próprias pessoas que o compõem, pela sociedade em geral e pelas autoridades estaduais80. Para que sejam reconhecidos como tal, os membros de determinado grupo não precisam de se conhecer ou de se reunir. Podemos dar como exemplo de grupos sociais para efeitos do artigo 1.º da Convenção de Genebra, as mulheres chinesas forçadas a serem esterilizadas se tiverem mais do que um filho, devido à política do filho único existente naquele país; as mulheres africanas que são submetidas a mutilação genital feminina, assim que atingem determinada idade; os homossexuais, etc.

Quando a perseguição se baseia em opiniões políticas, o que acontece é que a pessoa sujeita a perseguição possui opiniões contrárias às dos seus perseguidores. Este termo deve ser interpretado amplamente, como podendo significar opiniões sobre o funcionamento, as decisões e as medidas tomadas pelo governo81, o Estado, a sociedade ou uma causa pública. Concordamos com a visão do ACNUR, que considera que pode ser considerado refugiado alguém que não sofre no momento perseguição devido às suas convicções políticas, isto porque ainda não são conhecidas, mas determinados factores podem levar-nos à conclusão razoável de que, mais cedo ou mais tarde, essas opiniões serão expressadas, logo, o risco de perseguição é sério82.

Para o objectivo deste trabalho, o mais importante motivo de perseguição é a religião, razão que nos dias de hoje motiva muitas pessoas a fugir do seu território de origem. De notar que o conceito de religião tem evoluído nos últimos 50 anos,

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Cfr. Catrinel BRUMAR – “Definition of refugee in International Law: challenges of the present times”, in Lex et Scientia International Journal, XVI-1, 2009, disponível em

www.ceeol.com/aspx/getdocument.aspx?logid=5&id=d3e94ea3-653f-469a-9f3e-78eb7af6922e

[18.04.2013], p. 252. V. também Andreia Sofia Pinto OLIVEIRA – O Direito de Asilo na Constituição Portuguesa: Âmbito de protecção de um direito fundamental, Coimbra, Coimbra Editora, 2009, p. 312.

80 Cfr. Andreia Sofia Pinto OLIVEIRA – O Direito de Asilo na Constituição Portuguesa: Âmbito de protecção de um direito fundamental, Coimbra, Coimbra Editora, 2009, pp. 312-313.

81 Cfr. Catrinel BRUMAR – “Definition of refugee in International Law: challenges of the

present times”, in Lex et Scientia International Journal, XVI-1, 2009, disponível em

www.ceeol.com/aspx/getdocument.aspx?logid=5&id=d3e94ea3-653f-469a-9f3e-78eb7af6922e

[18.04.2013], p. 253.

82 Cfr. ACNUR – Manual de procedimentos e critérios a aplicar para determinar o estatuto de refugiado: de acordo com a Convenção de 1951 e o Protocolo de 1967 relativos ao estatuto dos refugiados, Lisboa, ACNUR, 1996, p. 21.

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