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2. JUSTIÇA SOCIAL E DESENVOLVIMENTO

3.2 Os princípios da ordem econômica constitucional

3.2.9 Tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte

Por fim, o último princípio arrolado no art. 170 como um dos princípios da ordem econômica é aquele contido em seu inciso IX, que confere “tratamento

207 GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na Constituição de 1988. 14. ed. São Paulo: Malheiros,

favorecido para as empresas de pequeno porte constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no País.”

Entretanto, a Constituição não se contentou com o simples enunciado do princípio, estabelecendo logo a seguir, no art. 179, que “a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios dispensarão às microempresas e às empresas de pequeno porte, assim definidas em lei, tratamento jurídico diferenciado, visando a incentivá-las pela simplificação de suas obrigações administrativas, tributárias, previdenciárias e creditícias, ou pela eliminação ou redução destas por meio de lei.”

A inserção de um princípio específico que estabeleça tal tratamento também está de acordo com a teleologia constitucional. O alcance e significado deste princípio constituem a preocupação do presente tópico. Como anota a doutrina, trata-se de princípio constitucional impositivo, de caráter conformador, não se configurando, entretanto, uma diretriz ou norma-objetivo.208 Ele fundamenta a reivindicação de políticas públicas pelas microempresas e pelas empresas de pequeno porte.

Como transcrito acima, o art. 179 da Constituição foi mais detalhista, incluindo as microempresas, objetivando fomentar o seu desenvolvimento.209

Uma primeira observação sobre o princípio em exame é que, apesar de a redação falar somente em empresas de pequeno porte e o art. 179 consagrar tratamento diferenciado também para as microempresas, há de se tomá-lo como abrangente das duas hipóteses. A ratio legis indica que o tratamento favorecido de que fala o último princípio do art. 170 abrange as situações em que o agente econômico é tido como de pequenas dimensões, parâmetro delegado à legislação ordinária.210

Uma segunda anotação, então, diz respeito ao fato de se a Constituição Federal houve por bem mencionar três espécies de empresas – empresas em geral, de pequeno porte e microempresas –, esta graduação dimensional pautará o tratamento

208 GRAU, Eros Roberto. Op. cit., p. 259.

209 As micro e pequenas empresas têm normas gerais de regramento previstas na Lei Complementar 123,

de 14 de dezembro de 2006. O SEBRAE – Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas –, serviço social autônomo, que funciona com recursos da iniciativa privada (0,3% sobre a folha de pagamentos das empresas), é regulado pela Lei 8.029/1990.

210 Neste sentido, precisa é a lição de André Ramos Tavares: “E já que a renda das empresas é o fator

determinante para auferir as benesses, seria incongruente admitir esse tratamento [favorecido] para as empresas de pequeno porte (únicas referidas no art. 170), mas recusá-lo para as microempresas, que do ponto de vista do critério constitucional seriam as primeiras a necessitar do referido tratamento favorecido. Portanto, quando a Constituição, no art. 170, elencou apenas empresas de pequeno porte, devem-se considerar aí incluídas também as microempresas. Perante o critério constitucional utilizado para identificar essas empresas, se as empresas de pequeno porte devem fazer jus ao tratamento, com muito maior razão também devem fazer jus a ele as microempresas (Op. cit., p. 218).

diferenciado.211 Explica-se: às microempresas haverá de se outorgar um tratamento mais favorecido do que às empresas de pequeno porte. A essas, um tratamento mais favorecido do que às empresas em geral. A conclusão se impõe, pois está pressuposto que o tratamento favorecido é decorrente, entre outras razões, das desvantagens comparativas que as menores têm em relação às outras.

Destarte, entre microempresas e empresas de pequeno porte haverá de se prestigiar a mesma lógica. Induz-se de modo natural o escopo do dispositivo: impor um tratamento mais favorecido tanto quanto menor for a empresa. Exemplificativamente, a não desprezível atividade administrativo-burocrática que marca a escrita fiscal obrigatória – obrigações tributárias acessórias que, do prisma econômico, são custos com repercussão nos preços de bens e serviços – cresce de forma inversamente proporcional ao tamanho da empresa: quanto menor a empresa, maior o custo relativo de tais obrigações legais.

Assim, tanto mais necessário favorecê-las para que, ao tempo em que contribuírem para os cofres públicos, possam desempenhar suas atividades desoneradas, total ou parcialmente, de imposições que visem tão somente a estabelecer maiores controles por parte da Administração sobre suas atividades com significado fiscal. Obviamente, tal tarefa é mais simples em empresas de menor dimensão, de modo que é mesmo natural que os controles sejam mais modestos e menos burocratizados.

O princípio aqui analisado está em íntima conexão com outro, qual seja, o princípio do desenvolvimento nacional (art. 3º, II, da Constituição). É que por meio do regime simplificado permite-se que determinado segmento de empresas se desenvolva, gerando empregos e riquezas para a nação. Também se nota, pois, a ligação com os princípios da livre iniciativa e da livre concorrência, pois de outra forma seria inviável que esse segmento pudesse manter-se na economia nacional. Acaba sendo tutelado, indiretamente, o consumidor (além do mercado propriamente dito), já que esta tutela acaba por gerar um mercado sempre aberto a novos agentes, dificultando a formação de grandes empresas que dominem todo o segmento econômico, impondo preços abusivos.

211 Aqui importa considerar que podem ser adotados diversos parâmetros para fins de classificação. As

leis fiscais têm utilizado, preponderantemente, o critério econômico relativo ao faturamento da empresa. Parece natural que isto ocorra em relação ao aspecto tributário. Faturamento maior é indício de capacidade contributiva. Mas as empresas podem ser classificadas tendo em vista o número de empregados que nela labutam, o que deve ser relativizado em função dos aspectos setoriais e tecnológicos.