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CAPÍTULO 2 A gestão de recursos humanos no Brasil: uma breve evolução histórica para situar a educação corporativa

2.1 Treinamento e Desenvolvimento – T&D – uma evolução histórica e o conceito ampliado

O objetivo deste subitem é uma breve retrospectiva da evolução do treinamento e desenvolvimento de recursos humanos, junto à evolução das teorias organizacionais, identificando as transformações ocorridas – em termos de conceito, abordagens e finalidade – e seus impactos na gestão de T&D.

O treinamento é uma prática antiga – desde o século XIX – e universal, em evolução com as tendências econômicas e sociais de países diversos. É generalizadamente reconhecido pela importância que exerce na gestão empresarial, mais especificamente, na correlação positiva que estabelece entre competência e otimização de resultados e que coloca o desenvolvimento profissional como elemento-chave da eficácia empresarial.

Historicamente, o treinamento é dissidente dos avanços do ambiente produtivo e da conseqüente evolução da teoria geral da administração, absorvendo releituras e reinterpretações que configuraram mudanças na sua base conceitual, metodológica e no posicionamento na estrutura organizacional. Num primeiro momento, o conceito têm sua ênfase nas tarefas e sua

finalidade voltada para maior rendimento da mão-de-obra e maior eficácia do indivíduo na organização. Ele assume uma conotação estritamente racional, utilitarista e com base em uma concepção instrumental de ser humano. A base filosófica desse período estava no princípio da divisão do trabalho de Adam Smith, cujas idéias influenciaram o processo de industrialização e seus representantes, Taylor (1987) e Fayol (1990). Nessa época, “a capacitação profissional constituiu-se menos no desenvolvimento do indivíduo como sujeito, mas muito mais no desenvolvimento de traços previstos nos perfis” (MALVEZZI,1999, p.23). Inicialmente, tais traços eram limitados às habilidades motoras e, portanto, o treinamento destinado ao chão de fábrica. Posteriormente, com a necessidade de ampliação da estrutura hierárquica e o aprofundamento dos perfis, os traços ganham também características cognitivas e de personalidade, próprios dos funcionários administrativos, contra-mestres e supervisores.

Num segundo momento, o conceito de treinamento admite a existência de variáveis de ordem comportamental e social, que dizem não só de uma concepção de ser humano mais ampla, entendido como elemento do grupo social, seja dentro ou fora da empresa, como também de uma abordagem mais complexa do homem no trabalho, para além das necessidades do cargo, reconhecendo o conhecimento e as progressivas potencialidades dos indivíduos e buscando sintonizá-las com as necessidades organizacionais. Sob a ênfase do trabalho em grupo, percebe- se a influência de aspectos psicológicos, sociais, políticos e coletivos, funcionando como forças informais na execução e motivação do trabalho. Destacam-se os seguintes autores: Argryris (1968), Herzberg (1971), Likert (1967), McGregor (1960), Mayo (1945), Maslow (1954) entre outros.

Nesse processo, a função de desenvolvimento foi ganhando ênfase também no campo da formação profissional, e sua conotação sempre esteve relacionada com o sentido de educação e orientação para o futuro e, por isso, assumiu a perspectiva de crescimento na carreira, dado pela possibilidade de mudança nas responsabilidades e no nível do poder11.

Em seguida, nas décadas de 60 e 70, ganha relevância o pensamento sobre a mudança no âmbito organizacional, por meio da corrente do desenvolvimento organizacional e que também influenciou bastante as atividades de T&D. Destaque para os seguintes autores: Bennis (1972), Bechard (1972), Souza (1979), Kirkpatrick (1976) e Flippo (1970) entre outros.

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Os termos treinamento e desenvolvimento, apesar de manterem certa distinção didática e conceitual, são entendidos e apresentados neste trabalho com base na relação de implicação e interdependência que estabelecem e que pode ser confirmada pela sua própria evolução histórica.

Os avanços possibilitados pelo reconhecimento da racionalidade limitada e pela abordagem mais sistêmica em pensar as organizações, nas décadas de 70 e 80, levaram o T&D a uma concepção mais ampla, para além da preparação das pessoas para a execução de tarefas rotineiras. Abe rta às mais diversas interpretações e formas de intervenções, a área de T&D absorve significativa proliferação de técnicas e abordagens novas – principalmente na América do Norte – como as dinâmicas de grupo e as dramatizações. Isso favoreceu a necessidade de maior controle e sistematização sobre o uso das atividades de T&D, requerendo planejamento, definição de metodologias e avaliação dos seus resultados.

Com base nessa concepção sistêmica e em conformidade com as novas tendências do trabalho – administração mais flexível, controles sobre resultados e menos sobre a execução, auto-regulagem do profissional – aumentaram as exigências de planejamento na administração de recursos humanos, e a função do treinamento tornou-se cada vez mais integrada à função de desenvolvimento, que começa a ganhar espaço nas estratégias empresariais. Indo além das situações formais de sala de aula e das tarefas restritas aos cargos, as atividades de treinamento, assim como as de desenvolvimento, adquirem conotação de educação permanente, embora não se confundindo com ela. No dizer de Pontual (1980, p.1): “sendo uma forma de educação, o treinamento dela difere em grande parte”.

Mesmo sistematizado e orientado para objetivos e resultados específicos, o treinamento ampliou progressivamente o seu escopo de idéias e de recursos para propiciar a aprendizagem. O próprio sentido de aprendizagem também é mais abrangente: não mais aprender algo específico, com foco na sua atividade e que vá corresponder a um desempenho melhor, mas aprender do específico ao global; aprender a aprender, continuamente, tendo em vista a variabilidade dos conteúdos, dos negócios, dos mercados. O treinamento tornou-se mais versátil, flexível, programável em conformidade com a complexidade do trabalho, associando recursos diversos e configurando-se num caminho de construção e desenvolvimento de idéias, de processos, de informações e conceitos, de abstrações, percepções e habilidades, que sejam valorizadas pelo contexto do negócio e dos resultados prospectados. De um evento direcionado para o trabalhador interno, o treinamento assume também a conotação de um processo vitalício de aprendizagem, abrangendo, inclusive, os membros da cadeia de valor (clientes,fornecedores,franqueados), com ênfase na ética, nos valores e nos aspectos interculturais e globais. Ao mesmo tempo, deve manter-se sistemático e tornar-se seqüencial e aplicado ao local de trabalho (BERGAMINI, 1980; CARVALHO,1999; JAIN e MURRAY,1984; MATTOS,1985; ODENWALD e MATHENY, 1996; PONTUAL,1980).

Seguindo a linha evolutiva, o conceito de treinamento é ampliado, com base num processo de responsabilidade estratégica e de sofisticação, que lhe permite certa proximidade ou interface com o desenvolvimento. Na visão de Carvalho (1999), isso não impede que o treinamento preserve também o seu caráter instrumental e pragmático, isto é, focado nas necessidades mais prementes. Nesse sentido, preserva-se seu processo elementar: clareza do conteúdo a ser ensinado, diagnóstico da necessidade do contexto, de quem aprender, da metodologia a ser utilizada e avaliação dos resultados.

Essa idéia de intercessão entre treinamento e desenvolvimento pode ser constatada na literatura mais recente, cujos textos, na sua maioria, utilizam os termos T&D como uma expressão semântica única (BOOG, 1999; CARVALHO,1999; DRUCHER, 1996; EBOLI, 1999a,b; 2001; MEISTER, 1999; NADLER, 1984; ODENWALD e MATHENY,1996) entre outros.