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4   AS TICS SOB A ÓPTICA DA EAD 71

4.2   Panorama das TICs no Brasil: a questão da inclusão digital 73

4.2.2 A TV Digital 84

O uso da TV como meio de transmissão de conteúdo de EaD não representa nenhuma novidade. O Telecurso da Fundação Roberto Marinho (um dos mais conhecidos no Brasil), por exemplo, existe desde 1978. Portanto, para a EaD, o ganho resultante de uma mera migração da tecnologia analógica para a digital ficaria restrito basicamente a uma melhor qualidade de imagem, sem praticamente nenhum outro ganho significativo. A realidade, no entanto, é que a TV Digital vai além da técnica de codificação do sinal transmitido, introduzindo novas funcionalidades que podem ser bastante úteis à EaD, como será visto a seguir.

O Sistema Brasileiro de Televisão Digital Terrestre (SBTVD-T), nome oficial da TV Digital brasileira, foi instituído em novembro de 2003 (na época denominado apenas “SBTVD”, sem o termo “Terrestre” no título), por meio do Decreto nº 4.901, tendo por finalidade alcançar, entre outros, os seguintes objetivos:

I - promover a inclusão social, a diversidade cultural do País e a língua pátria

por meio do acesso à tecnologia digital, visando à democratização da informação;

II - propiciar a criação de rede universal de educação à distância;

III - estimular a pesquisa e o desenvolvimento e propiciar a expansão de tecnologias brasileiras e da indústria nacional relacionadas à tecnologia de informação e comunicação;

IV - planejar o processo de transição da televisão analógica para a digital, de modo a garantir a gradual adesão de usuários a custos compatíveis com sua renda; V - viabilizar a transição do sistema analógico para o digital, possibilitando às concessionárias do serviço de radiodifusão de sons e imagens, se necessário, o uso de faixa adicional de radiofrequência, observada a legislação específica;

VI - estimular a evolução das atuais exploradoras de serviço de televisão analógica, bem assim o ingresso de novas empresas, propiciando a expansão do setor e possibilitando o desenvolvimento de inúmeros serviços decorrentes da tecnologia digital, conforme legislação específica;

VII - estabelecer ações e modelos de negócios para a televisão digital adequados à realidade econômica e empresarial do País;

VIII - aperfeiçoar o uso do espectro de radiofrequências;

IX - contribuir para a convergência tecnológica e empresarial dos serviços de comunicações;

X - aprimorar a qualidade de áudio, vídeo e serviços, consideradas as atuais condições do parque instalado de receptores no Brasil; e

XI - incentivar a indústria regional e local na produção de instrumentos e serviços digitais.” (BRASIL, 2003, grifo nosso).

Como se vê, o primeiro item destaca o propósito de inclusão social e democratização de acesso à informação utilizando como meio a tecnologia digital, e já no item seguinte é mencionada de forma explícitaa intenção de se criar uma “rede universal” de EaD por meio da TV Digital, o que comprova a importância estratégica desta iniciativa para a massificação da EaD no Brasil.

As normas e diretrizes para implementação do SBTVD-T foram publicadas em junho de 2006, no Decreto nº 5.820. De acordo com o Art. 6º deste último, o SBTVD-T possibilitará:

I - transmissão digital em alta definição (HDTV) e em definição padrão (SDTV); II - transmissão digital simultânea para recepção fixa, móvel e portátil; e

III - interatividade.” (BRASIL, 2006b, grifo nosso).

Em relação ao item II, nota-se uma preocupação em garantir a recepção do sinal de TV Digital não somente nos domicílios, mas também em dispositivos móveis e portáteis, o que pode ser bastante explorado pela EaD, quando se pensa em proporcionar o acesso ao conteúdo educacional em qualquer lugar, a qualquer hora, dando oportunidade de capacitação (inicial ou continuada) àqueles que possuem restrições físicas ou de horário em decorrência de suas rotinas de trabalho ou de residirem em locais distantes dos grandes centros.

A interatividade, mencionada no item III, é provavelmente o grande diferencial introduzido pela TV Digital em relação à TV analógica, pois abre um leque de inúmeras novas oportunidades e promete revolucionar a forma como as pessoas se relacionam com o conteúdo que é transmitido pela TV de maneira geral.

O homem, no modelo tradicional de comunicação (emissor-mensagem-receptor), torna-se objeto e a sua finalidade última é o consumo. A introdução da interatividade na TV coloca em crise este modelo, já que o receptor não será mais um receptor passivo, e sim um receptor ativo (AMARAL, 2003, p.2).

Isto é particularmente importante em se tratando de conteúdo de EaD, uma vez que, conforme preceitua o próprio MEC, em seus Referenciais de Qualidade para Educação Superior a Distância, a interatividade é de fundamental importância para a comunicação entre professores, tutores e estudantes, e portanto deve estar presente qualquer que seja a TIC utilizada como veículo para a EaD (BRASIL, 2007b).

No contexto específico da TV Digital, a interatividade possui um conceito próprio, definido na Portaria nº 24, de fevereiro de 2009, que instituiu o Serviço de Televisão Pública Digital, como sendo “a funcionalidade de uma determinada mídia que proporciona ao telespectador a possibilidade de atuar sobre o conteúdo ou a forma de comunicação acessível localmente ou mediante canal de retorno para a emissora de televisão pública digital” (BRASIL, 2009d)

Para dar suporte padronizado aos recursos de interatividade, foi criado o Ginga, um middleware (tipo específico de software) que deve ser instalado em todos os conversores digitais. De acordo com o portal oficial da TV Digital brasileira na Internet, “o Ginga é constituído por um conjunto de tecnologias padronizadas e inovações brasileiras que o tornam a especificação de middleware mais avançada do mundo atualmente e a melhor solução para os requisitos do país. O Ginga é o resultado de vários anos de pesquisas realizadas pela Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio) e pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB).” (DTV, 2010). Embora a TV Digital tenha entrado em operação no Brasil em dezembro de 2007, os recursos de interatividade disponibilizados atualmente pelas emissoras são limitados, muitas vezes ainda em caráter experimental, e a grande maioria dos conversores digitais já comercializados não possui o Ginga pré-instalado de fábrica, sendo necessário atualizar seu software interno (quando possível) ou adquirir um novo equipamento para poder interagir com o conteúdo.

Outro obstáculo à expansão da interatividade é a necessidade do “canal de retorno” que é utilizado para prover interatividade à TV Digital. De acordo com Lamas (2005) o “canal de retorno é composto por qualquer combinação de tecnologias de redes de acesso de

telecomunicações, desde que estabeleça a comunicação no sentido dos usuários para o provedor de serviço ou aplicação. Com a implementação do Canal de Interatividade, a comunicação poderá ocorrer no sentido emissoras/programadoras para usuário7 e usuário para emissoras/programadoras, por meio da integração das redes de televisão com as redes de telecomunicações, como ilustra a Figura 3”:

Figura 3 – Diagrama simplificado do Canal Interatividade

Fonte: Lamas (2005).

Embora a definição proposta por Lamas não seja explícita neste ponto, é natural assumir que a “tecnologia de redes de acesso de telecomunicações” a ser utilizada para implementar o “canal de retorno” da TV Digital seja a própria Internet. A esse respeito, Amaral (2003) vai ainda mais longe, conferindo à Internet o mérito de ter viabilizado a introdução da interatividade na TV Digital. Também é razoável pensar, conforme as tendências constatadas por meio da análise dos resultados da PSUTICB (BRASIL, 2009a), que esta conexão se dará por meio de banda larga, seja qual for o tipo (linha telefônica, TV a cabo, celular, satélite etc.). Desta forma, fica claro também que o PNBL é fundamental para potencializar a expansão da EaD no Brasil, não apenas por si só, mas também como habilitador da interatividade da TV Digital. Esta visão foi reforçada recentemente por uma declaração de André Barbosa, assessor especial da Presidência da República para a Área de Políticas Públicas em Comunicação feita em 29 de julho de 2010: “Segundo ele [André Barbosa], o que o governo quer fazer é política pública por meio da TV Digital e da banda

7 Lamas (2005) justifica o uso do termo “usuário” (em detrimento do termo “telespectador”, mais tradicional)

com o argumento de que “nesta nova concepção de televisão, o telespectador passa a ser um sujeito ativo que utiliza serviços com os quais interage”.

larga. ‘São dois projetos que se somam lá na frente, para tirar proveito do poder interativo da internet e da simultaneidade da TV’, afirma.” (DE LUCA, 2010).

De acordo com o Art. 10º, o prazo para transição definitiva do sistema de transmissão analógica para o SBDTV-T foi estipulado em 10 anos contados a partir da publicação do Decreto nº 5.820 (portanto até junho de 2016). Os sinais digital e analógico serão transmitidos simultaneamente até esta data, quando o sinal analógico deixará de ser transmitido. Duas preocupações surgem naturalmente a partir desta informação:

a) as emissoras de TV já deverão estar transmitindo seu sinal de forma digital para todo o Brasil: isto não deverá representar nenhum empecilho, uma vez que o Art. 11 estipulou que a partir de julho de 2013, o MC “somente outorgará a exploração do serviço de radiodifusão de sons e imagens para a transmissão em tecnologia digital”;

b) todos os lares brasileiros que possuírem TV já deverão estar equipados com conversores (sejam embutidos, como nos aparelhos de TV mais modernos, sejam acoplados – os chamados set-top boxes). Este é um desafio maior que o anterior, porém algumas medidas já estão sendo tomadas pelo Governo Brasileiro no intuito de cumprir este objetivo, como as parcerias com fabricantes para produzirem conversores mais baratos, baixando o preço dos atuais R$ 500 para menos de R$ 200 (De Luca, 2010); a obrigatoriedade de todos os aparelhos de TV já saírem de fábrica com conversor embutido a partir de 2012 (em vigor desde o início de 2010 para os de 32 polegadas ou mais); os incentivos tributários e linhas de crédito destinados à população de baixa renda, e as os incentivos fiscais e linhas de crédito que visam a facilitar a aquisição de conversores de TV Digital pelas classes D e E (FSP, 2010).

Outro ponto que merece destaque no Decreto nº 5.820 é o Art. 13, que afirma que:

A União poderá explorar o serviço de radiodifusão de sons e imagens em tecnologia digital, observadas as normas de operação compartilhada a serem fixadas pelo Ministério das Comunicações, dentre outros, para transmissão de:

I - Canal do Poder Executivo: para transmissão de atos, trabalhos, projetos, sessões e eventos do Poder Executivo;

II - Canal de Educação: para transmissão destinada ao desenvolvimento e aprimoramento, entre outros, do ensino à distância de alunos e capacitação de professores;

III - Canal de Cultura: para transmissão destinada a produções culturais e programas regionais; e

IV - Canal de Cidadania: para transmissão de programações das comunidades locais, bem como para divulgação de atos, trabalhos, projetos, sessões e eventos dos poderes públicos federal, estadual e municipal. (BRASIL, 2006b, grifo nosso).

Nota-se, no item II, a intenção de se criar um canal da União voltado diretamente à EaD e à capacitação de professores, reforçando a ideia da “rede universal” de EaD mencionada no Decreto nº 4.901, e da priorização da formação de professores preconizada pela UNESCO e seguida pela UAB, conforme visto anteriormente.

Para a definição e consolidação do modelo de TV Digital brasileira, teve destaque o Grupo Técnico ABERT/SET, criado em 1994 pela Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (ABERT), que congrega emissoras de rádio e televisão brasileiras, e pela Sociedade Brasileira de Engenharia de Televisão e Telecomunicações (SET), que reúne empresas e profissionais que atuam nas áreas de engenharia e afins nos campos de Televisão, Telecomunicações, Rádio e Multimídia. Na área dedicada à TV Digital no portal do MC, existe uma carta da ABERT/SET de fevereiro de 2003 (poucos meses antes da publicação do Decreto nº 4.901) que traz um breve histórico do programa e apresenta uma série de princípios e premissas que nortearam os trabalhos. A seguir, destacaremos alguns trechos dessa carta que mostram alinhamento com a visão defendida neste trabalho em relação ao papel da TV Digital para potencializar a massificação da EaD no Brasil:

[...] Num país onde as emissoras de TV aberta são a principal fonte de informação e entretenimento para a população, a migração para as transmissões digitais é imprescindível para que ela possa, além de concorrer com as demais mídias, continuar a prestar seus relevantes serviços à comunidade.

[...] O público tem hoje a sua disposição muitos meios de distribuição de conteúdo. Através do cinema, do rádio, da televisão, das TVs por assinatura (pagas) e da Internet tornou-se possível disseminar cultura, informação e entretenimento para todo o tipo de consumidor. Mas só a radiodifusão não cobra nada por isso. A TV aberta firmou-se como o mais importante veículo de comunicação, difundindo nossa cultura, nossa língua, nossos hábitos e costumes em todos os cantos do País.

[...] A digitalização das transmissões de TV aberta não mudará as características do veículo. O público, além de continuar a ser contemplado com os mesmos serviços que se acostumou a receber, poderá contar com mais serviços e informações possibilitados pela tecnologia.

No decorrer dos últimos três anos [2000-2003], período em que as discussões sobre TV digital se ampliaram, uma série de equívocos têm sido colocados ao público, alguns deles se sedimentando nos círculos de debates sobre o tema. Este fato causa grande preocupação ao Grupo ABERT/SET, pois poderá levar importantes decisões a rumos prejudiciais ao Brasil e à sociedade brasileira. Alguns exemplos são: [...] Mito: ‘Não há interesse na recepção móvel’

Realidade:

• O ser humano é por natureza móvel;

• A mobilidade é uma característica inerente aos meios de comunicação atuais; • O tempo médio gasto no deslocamento casa-trabalho-casa, numa cidade

como São Paulo é semelhante ao tempo de exposição médio do brasileiro à televisão;

• Seria a única aplicação que não poderia ser disponibilizada pelo serviços de TV a Cabo.

[...] Mito: ‘Somente um receptor barato, acessível a todas as camadas da população e que ofereça apenas a melhoria introduzida pela transmissão digital, poderá alavancar a introdução da TV digital no Brasil’

Realidade:

• Este postulado é o oposto do que se verifica na introdução de qualquer nova tecnologia;

• A introdução da TV digital somente pelos receptores baratos limitaria as aplicações a apenas uma parte do que a TV digital poderia oferecer ao cidadão;

• Os itens de alto preço na introdução de uma nova tecnologia, em pouco tempo tornam-se acessíveis, promovendo a inclusão do cidadão de baixa renda.

[...] PREOCUPAÇÕES DO SETOR DE RADIODIFUSÃO

Foi para que os canais de TV aberta continuem a chegar na casa do telespectador sem custar um centavo sequer que o Grupo Abert/SET se empenhou em estudar a implantação da TV digital no Brasil, e tem como principais preocupações:

[...] a flexibilização dos modos de recepção, para que o público tenha acesso à programação das emissoras onde quer que ele esteja (mobilidade e portabilidade) [...] CONSIDERAÇÕES SOBRE A NECESSIDADE DE FLEXIBILIDADE NO MODELO DA TELEVISÃO DIGITAL BRASILEIRA

[...] O Grupo ABERT/SET considera imprescindível que o modelo a ser estabelecido permita que as seguintes aplicações possam ser oferecidas, desde o início da implantação da TV digital, combinadas com total flexibilidade, dentro do que se mostrar adequado e viável para cada emissora, o que deverá variar de uma empresa para outra, de uma região para outra e de uma cidade para outra:

• HDTV alternada com múltiplos programas; • Interatividade e Multimídia (datacasting); • Recepção móvel;

• Recepção portátil.

[...] O Grupo ABERT/SET vê com extrema preocupação a intenção de alguns segmentos de prever o futuro, ou até mesmo tentar projetá-lo com pesquisas de mercado, uma vez que as necessidades e as expectativas do público consumidor em relação à radiodifusão, de fato ainda desconhecidas, certamente evoluirão muito ao

longo de três décadas, período em que a televisão digital deverá conviver conosco. Considerando, ainda, a velocidade de evolução dos softwares e da capacidade de processamento dos microprocessadores, é impossível imaginar-se quais as aplicações que estarão disponíveis, até mesmo em cinco anos.

[...] O grupo destaca a enorme importância do HDTV para a televisão digital, em especial no modelo que tem defendido, em que o HDTV poderá ser disponibilizado simultaneamente com conteúdo interativo e transmissões para receptores móveis e portáteis.”(ABERT/SET, 2003)

De acordo com Amaral, (2003), a plataforma do SBTVD poderá ser utilizada para acessar, baixar e armazenar os dados na forma de vídeo, áudio, gráfico e texto para serem vistos mais tarde, fazendo da TV um meio de acesso à informação comparável de certa forma ao computador de hoje em dia, propiciando uma inclusão digital para as camadas mais carentes da nossa sociedade.

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