• Nenhum resultado encontrado

2.5 A pobreza evangélica e o fim dos tempos: interpretações

2.5.2 Ubertino de Casale

Nascido em 1259, Ubertino de Casale entrou na ordem franciscana em 1273. Foi estudar em Paris, mas consta que deixou logo os estudos na universidade para retornar à Itália. Retornando teve contato com Pedro de João Olivi quando este ensinava em Florença entre os anos de 1287-1289. Esteve Ubertino ainda com os frades da chamada ala espiritual, como João de Parma e Angelo Clareno. Existem algumas discordâncias sobre as datas e a ordem dos fatos citados, sendo as datas utilizadas encontradas nos artigos de Falbel (1995), Encyclopaedia Universalis France Sa (1996) e em Garcia-Villoslada (1988).

Ubertino foi considerado um dos líderes dos espirituais na Toscana. Ele ensinou com entusiasmo as idéias de uma “nova igreja” que surgiria, guiada pelo rigor e pobreza de seus líderes. Possivelmente em 1304, pregou contra os pseudo- apóstolos considerados hereges pela Igreja. Foi preso em 1304 pelo papa Bendito XI (1303-1304) por causa de suas idéias sobre a Igreja, sendo libertado no mesmo ano.

Ubertino de Casale recebeu uma censura papal que lhe proibiu de pregar. No ano de 1305 enquanto permanecia num estado de semi-prisão, escreveu sua obra mais importante Arbor Vitae Crucifixae Iesu. Na Abor Vitae reuniu as idéias de suas pregações, suas concepções de Igreja e defendeu a pobreza original vivida por São Francisco. Afirmou claramente que Bonifácio VIII era o “Anti-Cristo” místico que anunciava a chegada do verdadeiro “Anti-cristo”. Ubertino citou textos literais da

luta, a “igreja carnal” e a “igreja espiritual”. Esta igreja espiritual seria representada pelos verdadeiros pobres evangélicos.

Na Arbor Vitae, Ubertino identificou os personagens que Olivi havia deixado

de modo impreciso. Ubertino se deteve nos temas da função escatológica dos franciscanos, na Igreja e suas vicissitudes, o Anti-Cristo místico e a igreja espiritual.

Ubertino de Casale (1961) interpretou que os franciscanos seriam os novos portadores da verdadeira interpretação do evangelho. Por isso, os franciscanos deviam permanecer alheios à tentações que sofria a igreja carnal (ecclesia carnalis). Somente a pobreza evangélica, entendida como ausência de privilégios eclesiásticos, podia ser o escudo para os fiéis enfrentarem as tentações. Ubertino de Casale (1961) escreveu no livro V da Arbor Vitae que o desprezo da pobreza evangélica pelos franciscanos significava um novo desprezo do Cristo. Para ele, os franciscanos ao aceitarem uma vida menos austera deixariam de ser o pequeno resto que não faria parte da igreja carnal.

Ubertino identificou o Anti-Cristo místico e a nova Babilônia dos textos de Olivi ao papa Bonifácio VIII e à cúria papal respectivamente. Olivi devido ao seu temperamento não havia feito esta identificação direta. Ubertino atraiu, com a sua postura na Arbor Vitae, a condenação de sua obra.

Manselli (1965, p. 98) defendeu que o conhecimento que Ubertino tinha de Joaquim de Fiore provinha de Olivi. Foram as citações de Olivi do abade calabrês que constituíram o conhecimento que Ubertino teve das idéias joaquimitas. Para Manselli até as citações de Fiore no livro Arbor Vitae seriam provenientes das obras de Olivi. Segundo Manselli, não seria correto entender o pensamento de Ubertino através de Fiore ou entendê-lo como um mero repetidor das idéias joaquimitas. Manselli discordou de Callaey (1910) que afirmava que Ubertino conhecia profundamente a obra de Joaquim de Fiore. Manselli não encontrou elementos dentro da obra de Ubertino que demonstrassem que ele conhecia a fundo a obra de Joaquim de Fiore.

Segundo os estudos de Magalhães (2003) e Manselli (1965) a preocupação principal da obra Arbor Vitae era o projeto de S. Francisco que estava ameaçado pela ruptura da pobreza evangélica e o relaxamento dos costumes entre os franciscanos. Todavia, Ubertino por meio de uma interpretação cristocêntrica da Igreja, de uma escatologia mediada pela importância de S. Francisco, fez sua obra

desdobrar-se em vários temas tendo como ponto unificador a renovação da Igreja pretendida pelo próprio Deus através do santo de Assis.

Ubertino de Casale compareceu, em 1309, a uma audiência solicitada pelo papa Clemente V. O papa queria entender qual era o caráter da discussão entre os franciscanos da comunidade e os espirituais. Ambos os grupos franciscanos trocavam acusações de heresia. Gonçalo de Balboa representou a comunidade e Ubertino de Casale, os espirituais. As questões feitas pelos cardeais encarregados de ouvir os franciscanos na audiência foram:

a) a presença de elementos na Ordem Franciscana que denominavam a si mesmo “Irmãos de Livre Espírito” (Secta Spiritus Libertatis) e sua relação com a Ordem; b) a observância da Regra e a interpretação da pobreza; c) a doutrina e os escritos de Pedro João Olivi; d) as perseguições dos Espirituais. (FALBEL, 1995, p. 122).

As discussões acima não encontraram uma conciliação, excetuando-se a primeira cujos dois grupos alegaram nenhum envolvimento com o grupo herege chamado de Irmãos de Livre Espírito. A situação, após a audiência, continuou tensa.

Ubertino escreveu em 1311 a apologia Sanctati apostolicae notum fiat quod em defesa de seu mestre Pedro de João Olivi. Porém, Ubertino não conseguiu convencer o papa e os cardeais da ortodoxia de seu mestre, sendo algumas idéias de Olivi condenadas em 1312 no documento conciliar, chamado de Fidei catholicae. Devido às inúmeras perseguições, Ubertino deixou a ordem franciscana e entrou na ordem beniditina em 1317. Em 1321, o papa João XXII constestou as idéias de Ubertino sobre a pobreza no documento Responsio circa quaestionem de paupertate

Chrisri et Apostolorum.

O pensamento de Ubertino, especialmente na Arbor Vitae, não pode ser considerado simplesmente uma repetição de Olivi. Ubertino interpretou o franciscanismo como o modo correto de seguir o Cristo; descreveu a situação da Igreja de modo ainda mais dramático que Olivi e deu nome aos personagens da interpretação do Apocalipse de Olivi.

Não seria possível aos pontífices defender seu poder no âmbito temporal com a contestação do exercício da função deles no interior da própria Igreja. A idéia de uma igreja carnal contradiz a vontade de constituir o poder pontifício como o poder

fundamental dentro da cristandade. A igreja carnal recusaria a pobreza evangélica, segundo os textos comentados, procurando aumentar seu poder econômico, moral e legal sobre todo o mundo. Para Ockham os pontífices do seu tempo haviam recusado a pobreza evangélica por dificultar suas pretensões no poder temporal. Os papas João XXII e Bendito XII teriam se confundido nos debates sobre a pobreza evangélica, a questão do uso pobre e do que constituía o direito de domínio sobre um bem, para atacar a impossibilidade da pobreza que requeriam Ubertino e Olivi.

Outro franciscano que confrontou os papas na questão da pobreza evangélica e na definição da eclesiologia foi Angelo Clareno.