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Um caminhar coletivo: a metodologia da investigação

3. UM OLHAR CRÍTICO DO ENEM A PARTIR DOS PROTAGONISTAS DE

3.1 Um caminhar coletivo: a metodologia da investigação

No percurso profissional da pesquisadora e em sua trajetória acadêmica várias foram as experiências com relação à Pesquisa Educacional, desde as participações em pesquisas como colaboradora, até na condição de pesquisadora propriamente dita. Em termos de formação teve contato com a disciplina, Pesquisa Educacional, nos Cursos de Especialização , Mestrado e Doutorado.

Enquanto profissional, realizou pesquisa experimental no curso de Especialização, pesquisa teórica com análise na perspectiva dialética no curso de Mestrado. Atuou como pesquisadora senior em trabalho com abordagem qualitativa. Fez uma entrada em campo na pesquisa etnográfica.

Neste momento, a opção metodológica foi pela pesquisa qualitativa, interpretativa considerando que esta rompe com a tradição lógico-responsiva, que estava ancorada nos pressupostos da linearidade e uniformidade dos problemas a serem analisados.

É relevante registrar que os pressupostos de pesquisa nas abordagens mais quantitativas, positivistas pela sua longa tradição estão introjetadas. Portanto é difícil raciocinar: em termos de perguntas norteadoras e não de hipóteses; em termos de fundamentação teórica e categorias de análise decididas, a priori, e não enquanto teorias requeridas. Ainda é difícil centrar o interesse da pesquisa no significado que os sujeitos atribuem as suas práticas pedagógicas, e, não simplesmente em medidas estatísticas, que neste trabalho, passam a ser apenas referências, indicações e não leis e regras rígidas para enquadrar pessoas e práticas sociais. Considerando o objeto desta pesquisa, as políticas de avaliação na percepção dos alunos, professores e gestores da escola pública constitui-se um desafio, a opção pela abordagem qualitativa. Buscando detectar as repercussões da política de avaliação na voz de alunos, professores e gestores, as dimensões quantitativas e qualitativas são consideradas parte de um movimento cumulativo e transformador, não se opõem, mas se inter relacionam. Modificam-se, transformam-se uma na outra, quando relativas a um mesmo fenômeno, portanto não houve secundarização

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de dados quantitativos, e sim a coleta de informações ricas e detalhadas, necessárias a compreensão das questões norteadoras.

Esta pesquisa busca a articulação entre o nível de macro-políticas, e o nível escolar, que pode ser entendido como micro-políticas e que contemplará as interações sociais ocorridas neste locus.

Esta opção viabilizará a análise das políticas públicas de avaliação em nível micro, tomando como unidade de análise a escola pública, não perdendo de vista a articulação com os níveis mais amplos, de macro-políticas e suas repercussões, a serem asseguradas pelos procedimentos de análise documental, da análise da legislação pertinente e dos dados fornecidos pela mídia.

Considere-se que o nível macro (nacional/estadual/municipal) tem sido objeto de estudo de políticas públicas, enquanto que a escola carece deste tipo de abordagem. Na investigação de campo elegeu-se a escola como locus da pesquisa contemplando as interações sociais que aí ocorrem.

O caminho metodológico para a análise considera a problematização como ponto de partida, após a etapa de registro, onde procura-se captar, na particularidade local, as manifestações do homem como um todo, enquanto identificados com a cultura de um grupo determinado, enquanto ser que tem identidade nessa especificidade, enquanto ponto de partida para a ampliação de conceitos.

No momento de análise as informações serão questionadas, confirmadas, negadas e ampliadas. A partir da constatação de mais dados, as informações, estabelecem quais as relações existentes entre os componentes da realidade em estudo, qual a compreensão que os sujeitos tinham e a que passam a ter dessa realidade.

Entende-se a análise como o trabalho de retomada e avanço do conhecimento; como compreensão de relações freqüentemente implícitas nos registros e produções, mas que não eram percebidos, porque a apropriação de informações ocorrera sem que houvesse participação na elaboração do conhecimento. Assim, a análise permite uma percepção mais consciente das idéias formadas sobre o assunto, uma compreensão das relações expressas no cotidiano e a revelação do que ele esconde. Permite finalmente, uma conclusão, o que não significa o final da tarefa, mas um degrau a mais, conduzindo à organização mais precisa do conhecimento.

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A escola pública foi o locus privilegiado da pesquisa. A opção por instituições estaduais prende-se a um dos objetivos da pesquisa que é levantar as repercussões da política do Enem junto às escolas públicas, principalmente, no que se refere à democratização do acesso ao ensino superior, ouvindo as vozes dos alunos, professores e equipe técnica.

Foram selecionadas para este estudo 2 (duas) escolas públicas estaduais da cidade de Curitiba-PR, que ministram o Ensino Médio. A escolha destas escolas como unidades de análise baseou-se em critérios qualitativos, a saber:

• abrangerem os períodos diurno e noturno; • ofertarem o ensino médio inclusive a série final; • estarem classificadas em escolas de grande porte13

;

• disponibilizar documentação relacionada à temática da pesquisa; • adesão à proposta da pesquisa;

• clientela com expectativa de ingresso no ensino superior; • distintas localizações geográficas.

A escolha deu-se também pelo fator exequibilidade da pesquisa, considerando que estas instituições aquiesceram à solicitação para serem o campo deste estudo, após terem sido informadas dos objetivos, metodologia e de terem recebido a correspondência com o pedido formal.

Foram escolhidas como unidades de pesquisa 2 (duas) escolas da rede estadual do Paraná, ambas de grande porte, situadas no bairro e centro

respectivamente, e que tradicionalmente vêm ofertando o Ensino Médio na cidade de Curitiba, inclusive na modalidade profissionalizante.

A pesquisa foi realizada no 2º semestre do ano de 2003, após realização do Enem, no final de agosto, estendendo-se até o início de 2004.

A coleta de dados na unidade de análise, foi realizada por meio de questionários que na visão de CHIZZOTTI (2001, p. 79), “é uma interlocução planejada, que requer conhecimento prévio do informante sobre o assunto questionado”. Optou-se pelo questionário semi-estruturado, por permitir coleta de dados mais qualitativas.

13 Conforme Resolução Secretarial n.º 115/2002 que trata do porte das Escolas Estaduais do PR, são critérios para atribuição do porte não só o número de alunos, turno de funcionamento, mas o número de turmas, área livre, área construída e acesso.

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UNIDADE DE PESQUISA I: Esta instituição da rede pública estadual é

tradicionalíssima, é centenária, com 128 anos de fundação, de porte grande, está situada no centro da cidade e tem se dedicado à formação de professores para a Educação Básica nas suas primeiras etapas. Paralelamente vem ofertando as séries iniciais do Ensino Fundamental e, ora, também oferece a Educação Infantil ( Pré- Escola). Na última gestão do governo Jaime Lerner (1999-2002) esta Instituição foi atingida pela medida de extinção dos Cursos Profissionalizantes. Passou a ofertar apenas o Ensino Médio voltado para a Educação Geral, e nestes últimos seis anos em que teve sua identidade de escola de magistério negada, reorganizou-se para tal tarefa. Nesta condição, as aspirações de continuidade são mais intensas, daí a instituição ser representativa para nosso estudo.

O Ensino Médio é ofertado no período da manhã e noite. A instituição selecionada, adota políticas de inclusão e, atende principalmente, alunos com necessidades educacionais especiais, ligadas à deficiência auditiva (DA), seja em turmas regulares ou na modalidade de classe especiais. Há uma preocupação com a continuidade dos estudos destes alunos, havendo acompanhamento através de intérprete nos processos seletivos com a finalidade de garantir igualdade de condições.

Constata-se que há teste seletivo para ser admitido no Ensino Médio deste estabelecimento, abrangendo todas as séries. Os professores em sua maioria são concursados.

A equipe técnica tem uma composição diferente devido à natureza, às especificidades e ao tamanho da instituição.

Por ter projetos especiais e assumir as tarefas de inclusão tem um maior número de gestores do que as demais.

UNIDADE DE PESQUISA II: Esta instituição da rede pública estadual é

tradicional, de grande porte e está situada no Bairro Portão, na cidade de Curitiba. Colégio conceituado na região, funciona nos três períodos e oferta a 2.ª e a 3.ª etapas da Educação Básica. Quanto ao Ensino Fundamental oferta apenas as séries finais (5.ª a 8.ª séries) e o Ensino Médio voltado à Educação Geral. Esta última etapa, agora, está sendo ofertada apenas nos períodos matutino e noturno. Nesta unidade, os professores, na sua maioria, são concursados. O Colégio além

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ser bem conceituado, tem boa localização, fácil acesso e por isso tem a procura de alunos de outros bairros da região e até de municípios vizinhos.

A clientela tem aspirações à continuidade dos estudos, principalmente, os alunos do período da manhã.

Os alunos, sujeitos da pesquisa, foram selecionados dentre aqueles que estavam cursando a 3.ª série; os sujeitos – professores que fizeram parte da pesquisa são os que lecionaram nesta série, independente de sua disciplina fazer ou não parte da prova do Enem e, finalmente, os sujeitos – equipe técnica são os componentes da equipe técnico-pedagógico que exerçam cargos de direção e/ou responsáveis pela coordenação pedagógica nos períodos em que a pesquisa foi realizada.

ALUNOS - Para a determinação do conjunto destes sujeitos, os

procedimentos foram os seguintes: levantamento do número de turmas de 3.º ano, por período (matutino e noturno), com o respectivo ensalamento; levantamento do número de alunos que estavam matriculados e cursando regularmente a 3ª série nas diferentes turmas; levantamento dos alunos inscritos no Exame, junto ao responsável pelo Enem na escola; levantamento dos alunos que efetivamente realizaram a prova do Enem em 2003, em cada uma das turmas, considerando que a equipe escolar não possuía este dado.

De posse do número de alunos que realmente fizeram a prova, calculou-se o percentual de 10% considerados os dois turnos, estimando-se, assim, o número de turmas e de alunos.

Observou-se, no momento da determinação da amostra, que houve um grande número de alunos que se inscreveram, porém não realizaram o Exame.

Informalmente, fez-se o registro de alguns dos motivos alegados: distância dos locais da realização da prova, perda do horário, ficar sem a carona do pai que viajou, a Federal só considerar a nota do Enem para desempate, preguiça, não sabe dizer, errar o local por ter tido informações incorretas e não conseguir chegar a tempo no outro local, coincidência de datas com outros concursos para os quais haviam se inscrito, o fato do Exame ser realizado no domingo.

Muitos alunos que se inscreveram não retiraram seu comprovante de inscrição e portanto, ficaram sem a condição de participar no Exame. Calcula-se que a quebra entre os inscritos e alunos que realizaram o Exame foi de

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aproximadamente 35% em uma das unidades. Note-se que nem todos os alunos concluintes se inscrevem para o Enem, e nesta mesma unidade, observou-se que 27% dos alunos não se inscreveram.

Não houve dificuldades no entendimento das questões, mas muitos respondentes foram lacônicos em suas respostas.

Num dos estabelecimentos, na Unidade I, havia duas turmas de alunos que freqüentavam os turnos diurno e noturno, com necessidades educacionais especiais (DA) e que foram incluídos no grupo de sujeitos. Para estes alunos, contou-se com o apoio da intérprete e um dos professores da turma. Foi permitido que levassem o questionário para casa, após a explicação em sala de aula dos objetivos da Pesquisa e do preenchimento do questionário.

PROFESSORES: Para ouvir a voz dos professores, enquanto sujeitos da

pesquisa, levantou-se o número de professores que lecionava na 3ª série, suas respectivas disciplinas e turnos de atuação. A expectativa era a de que, pelo menos, um professor de cada uma das disciplinas do elenco curricular respondesse ao questionário. Com alguns professores que solicitaram auxílio, o próprio pesquisador fez as perguntas e o registro das respostas, momento em que o questionário se transformou em entrevista estruturada. Nesta situação, constatou-se respostas mais longas. Alguns professores que receberam o questionário, foram respondê-lo fora da escola, alguns devolveram, outros não.

EQUIPE TÉCNICA: Os sujeitos gestores selecionados foram os profissionais

da educação vinculados à direção e aqueles na condição de membros da equipe pedagógica, que estavam desempenhando funções ligadas especificamente ao ensino médio. Portanto, estes sujeitos gestores estavam mais ligados às atividades de coordenar as ações que envolvem esta política, tais como: divulgação, inscrição, informação sobre locais, horários, recebimento e distribuição de materiais entre outras.

QUESTIONÁRIO DOS ALUNOS: a partir da determinação da amostra,

procedeu-se à aplicação do questionário que passou por diversas versões, para efeito de validação, até a formatação final. Foram aplicadas nos dois turnos e nas diferentes turmas, até completar o número estabelecido sem, necessariamente,

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cobrir todas as turmas. A aplicação do questionário, tanto foi realizada na própria sala de aula com a anuência e auxílio dos professores como foram aplicados no espaço das salas de aula disponíveis, no momento, reunindo os alunos relacionados e que se encontravam presentes, no dia e horários da aplicação. Deste questionários constam onze questões abertas.

QUESTIONÁRIO DOS PROFESSORES: o questionário para os professores

sofreu diversas modificações, e por orientação metodológica, passou pelo crivo de cinco juizes, professores universitários com formação em Pedagogia e Letras que ofereceram contribuições valiosas quanto à ordenação, linguagem, contextualização, questões que auxiliassem na checagem das informações e estabelecessem eixos facilitando a interpretação dos dados. Estas contribuições, na sua maioria, foram incorporadas aos instrumentos de pesquisa. Não houve dificuldades em seu preenchimento, sendo que dela constam, dez questões abertas.

QUESTIONÁRIO DOS GESTORES: O questionário para a equipe técnico-

pedagógica foi distinto do instrumento destinado aos professores, porém resguardou questões comuns. Não se constatou dificuldades no preenchimento das questões abertas propostas em número de doze.

No momento de coleta dos dados, perceberam-se algumas resistências que até podem ser atribuídas ao período de aplicação, final de semestre e ano letivo. O pesquisador, no entanto, conseguiu um grau de confiança, principalmente junto aos alunos que o identificavam. Estes passaram a solicitar informações sobre a divulgação dos resultados, e sobre o processo seletivo na Instituição de Ensino Superior onde o pesquisador atua.

Para a organização e interpretação dos dados foram feitas várias tentativas metodológicas. Uma delas, foi a partir da leitura e registro das respostas dos questionários dos diferentes sujeitos, separadamente. Fez-se, igualmente, uma análise dos sujeitos alunos que foi considerada apenas descritiva e sem relação entre os respondentes professores e gestores.

Na superação deste esforço inicial, estabeleceram-se eixos relacionados às questões norteadoras e objetivos, para agrupar as questões comuns aos diferentes sujeitos e, desta forma, foi possível analisar envolvendo as diferentes vozes da comunidade escolar.

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De posse das respostas, buscou-se caracterizá-las considerando a sua natureza e incidência no diálogo intersubjetivo com a teoria.

Detectar e dimensionar as repercussões foi tarefa baseada na categorização a partir das informações dos respondentes.

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4 O VERSO E O REVERSO DO ENEM COMO POLÍTICA PÚBLICA DE AVALIAÇÃO

4.1 O CONTRAPONTO ENTRE O DISCURSO OFICIAL E A PRÁTICA