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Um diferente caminho a ser percorrido

No documento DiverCity: diversity in the city (páginas 135-138)

Paralelamente, por meio de conversas e indicações, conheci os Bonecos de Santo Aleixo, na cidade de Évora. Em dezembro de 2017, assisti a duas apresentações desse teatro e comecei a estabelecer contacto com um dos atores do grupo e também diretor do Centro Dramático de Évora (CENDREV), onde está o espólio dos Bonecos de Santo Aleixo e responsável pelas apresentações. Tive grande surpresa ao saber que já existia um diálogo estabelecido entre os Bonecos de Santo Aleixo e o Teatro de Mamulengos, tanto entre os títeres e mamulengueiros, como entre pesquisadores e intelectuais que se dedicam aos estudos do teatro de bonecos.

Ainda, investi na possibilidade de fazer um campo desses três teatros de bonecos, dado que se tangeciam em pontos que acredito serem importantes e frutíferos para uma análise mais aprofundada, mas, a essa altura, o tempo é pouco para conseguir aprofundar. Precisei escolher e, dadas algumas circunstâncias que já não cabem serem discutidas nessa comunicação, fiz a escolha de dedicar mais desse tempo que ainda tenho à pesquisa etnográfica junto ao CENDREV e aos Bonecos de Santo Aleixo.

Entretanto, nesse período de imersão nessas três expressões, alguns pontos têm chamado a minha atenção, como, por exemplo: o modo como essas relações são estabelecidas a partir da apresentação de objetos, de maneira que as dinâmicas internas e os circuitos muito próprios dessas expressões podem ser reveladores das diferentes dimensões artísticas e culturais, desde as Associações até os editais de financiamento que fazem parte das políticas públicas e também de patrimonialização.

Entre as justificativas para a definição do teatro de robertos como Patrimônio Imaterial Cultural nacional está a sua manutenção, visto que, na década de 1980, a iniciativa quase deixou de ter um representante e, portanto, de existir para além de uma narrativa de memória. Desde a década de 1990, o número de bonecreiros aumentou, e estes mantêm uma relação construída através do repasse de saber e da troca de conhecimento adquirido.

Nos dois casos, os museus aparecem como espaços importantes para a preservação e manutenção de uma memória sobre os teatros de bonecos. Em Glória do Goitá, não só como espaço de divulgação aberto a visitantes, mas também de sociabilidade entre os mamulengueiros que passam ali o dia a confecionar os bonecos. No caso do Museu de Marioneta de Lisboa, como espaço de exposição, proponente do Inventariado de Patrimonialização, e também na organização de temporadas de apresentações do teatro de Dom Roberto.

Tais questões me fazem pensar a respeito dessa “transição” rua-museu-rua/patrimonialização pela qual o teatro de Dom Roberto passou e passa como chave para compreender redes estabelecidas, sociabilidades a partir dos bonecos, considerando a hipótese de que, nesses casos, os museus se apresentam mais como um espaço de

movimento do que de congelamento cultural. Nesse sentido, cabe considerar de que modo a patrimonialização dialoga com esses dois casos específicos.

Lembro de José Reginaldo Santos Gonçalves quando fala a respeito da dimensão social e cosmológica dos objetos, pensando o patrimônio como categoria analítica para compreender dinâmicas e aspetos da vida social e cultural.

O que é preciso colocar em foco nessa discussão, penso, é a possibilidade de se transitar analiticamente com essa categoria entre diversos mundos sociais e culturais, iluminando-se as diversas formas que pode assumir. Em outras palavras: como é possível usar a noção de patrimônio em termos comparativos? Em que medida pode nos ser útil para também entender experiências estranhas à modernidade? (Gonçalves, 2007, p.214).

Reforçando, assim, a conceção a partir da qual a patrimonialização aparece de forma contextual e em diálogo com as dinâmicas já estabelecidas.

A materialidade enquanto campo de estudo nos permite pensar a relação objeto-pessoa revelando categorias, redes, uso e inserção em espaços públicos, trocas, etc. Penso ser possível acessar fenômenos urbanos a partir de determinadas categorias, como ‘arte’ e ‘patrimonialização’, para examinar circuitos urbanos que se constituem em torno de negociações de diferentes categorias, como ‘memória’ e ‘identidade’ de modo mais amplo, percebendo, no entanto, as narrativas – e não uma única narrativa, ou uma ideia essencialista – que, embora se apresentem como plurais e, muitas vezes, ambíguas, são capazes de indicar valores, sociabilidades, disputas no meio urbano.

Ainda que o teatro de mamulengos e o Teatro de Dom Roberto dialoguem com as políticas de patrimonialização de diferentes maneiras, ao que parece, buscam legitimação a partir dos bonecos, das suas próprias histórias ou ainda das histórias que eles narram, assim como os meios de vida proporcionados a partir das apresentações e manutenção dos mamulengos e dos robertos.

Referências

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Alcure, A. S. (2007). A Zona da Mata é rica de cana e brincadeira: uma etnografia do mamulengo (Tese Doutorado em Antropologia pelo Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Antropologia, Instituto de Filosofia e Ciências Sociais) Universidade Federal do Rio de Janeiro.

Campello, C. L. J. (2015). A cinética dramatúrgica do Teatro de Formas Animadas. Estudo comparativo entre os

Robertos, Mamulengos e companhia de Teatro de Marionetas do Porto. (Dissertação realizada no

Clifford, J. (1985). Objects and selves: an afterword. In Stocking, G. (Org.) Objects and others: essays on museums

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Gil, J. M. V. (2014). Teatro dom Roberto : o saloio de Alcobaça e os novos palheta : o teatro tradicional itinerante

português de marionetas = Dom Robert theatre : the bumpkin from Alcobaça and new swazzles : traditional portuguese travelling puppet theatre. Lisboa: Museu da Marioneta - EGEAC.

Gonçalves, J. R. (2007). Antropologia dos objetos: coleções, museus e patrimônios. Rio de Janeiro: IPHAN.

Inventário Nacional do Património Cultural Imaterial (2009). Pedido de Inventariação de Teatro Dom Roberto, Anexo I e II. Disponível em: http://www.matrizpci.dgpc.pt/matrizpci.web/home.aspx (Acessado em 24/05/2018).

Ireland, T. racy; Lydon, Jane (2006). Rethinking Materiality, Memory and Identity. Public History Review, vol (nº23) ISSN: 1833-4989.

Museu da Marioneta – EGEAC (2014), Teatro Dom Roberto: alguns testemunhos, retirado de https://www.youtube.com/watch?v=2hhVXl_eYjQ&t=22s (Acessado em 24/05/2018)

Ribeiro, Rute (2011). Henrique Delgado: contributos para a história da marioneta em Portugal. Lisboa: Museu da Marioneta - EGEAC.

Culture, Temporary Uses and Unusual Spaces in Rio de Janeiro

No documento DiverCity: diversity in the city (páginas 135-138)