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1. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

1.6 Um olhar da Psicanálise para a adolescência

Na Psicanálise, o trabalho voltado para o desenvolvimento infantil sempre foi vasto, no entanto, pouco se discutiu e se escreveu sobre a adolescência. Porém, Dolto (2004), referência na psicanálise, em seu livro A causa dos Adolescentes, discutiu sobre o conceito de adolescência e seus aspectos relevantes. A autora (2004) afirma que existem aqueles que colocam essa fase como transição da infância para idade adulta, há os que determinam em conceitos de crescimento, momento de desenvolvimento do corpo e outros teóricos que apresentam como o último capítulo da infância. Dolto (2004) considera-a como uma fase de mutação, comparando esse momento ao nascimento de um recém-nascido, que precisa aprender a passagem de deixar de ser feto para ser uma criança de peito, que precisa se adaptar ao ar e a digestão. O adolescente, para a Psicanálise, nesse processo mutativo, repete a fragilidade do bebê ao nascer, onde o olhar e as palavras do

outro possuem efeitos significativos. Ele passará por uma fase de inúmeras mudanças, e, para os adultos que o cercam, transformara-se em objeto de questionamento que, dependendo dos pais, poderá ser um momento de angústia ou de indulgência (DOLTO, 2004).

Essa é uma das maneiras imaginárias possíveis de definir a adolescência como uma idade em que o ser humano não é nem Deus, nem mesa, nem bacia. O estado de adolescência se prolonga de acordo com as projeções que os jovens recebem dos adultos e de acordo com o que a sociedade lhe impõe como limites de exploração. (DOLTO, 2004, p. 14).

Freud pouco utilizou o termo adolescência em seus trabalhos, em seu texto “Os três ensaios sobre a sexualidade”, ao dizer sobre esse momento de travessia da vida do sujeito (saída da infância e caminho a fase adulta) ele apresenta o tema da puberdade e expõe que com a chegada desta iniciam-se mudanças que “levam a vida a sua configuração normal definitiva” (FREUD, 2016, p.121). Em sua obra, o criador da psicanálise ainda que não tenha nomeado especificamente a adolescência, discorre sobre a puberdade como um “evento orgânico que faz o sujeito adolescer” (VIOLA & VORCARO, 2015). Freud explica que até esse período quase todo investimento do sujeito era autoerótico, ou seja, voltado a si próprio, e com a entrada na puberdade, ao encontrar o objeto sexual, este irá investir desejo nas suas relações com o outro e assim, desvincular-se aos poucos dos modelos parentais. Dolto (2004) nos chama atenção para a falta de ajuda que os adolescentes recebem nesse momento de passagem, ela elucida que na sociedade em que vivemos não existe nada que se equivalha a um rito de iniciação, que marcava esse período de ruptura.

Era um evento que deixava suas marcas, e a sociedade as considerava (as crianças) como entronizadas, quer dizer, provadas pela iniciação que permite a criança se tornar adolescente a partir daquela passagem. Quer estivessem interiormente preparadas ou não, eram vistas pelos adultos como quem tem o direito de alcançar aquele estágio (DOLTO, 2004, p.18).

Hoje, os adolescentes não são acompanhados nesse trajeto, vão por si só fazer essa travessia, o que exige deles uma posição delicada. “O fato de maior importância que marca a ruptura com o estado de infância é a possibilidade de dissociar a vida imaginária e a realidade, o sonho e as relações reais” (DOLTO, 2004, p. 19). Esse adolescente é então um sujeito em crise, inscreve-se a partir desse momento (entrada na adolescência) em um questionamento das representações que haviam sido construídas na infância, exigindo desse sujeito redefinir sua posição frente ao Outro, transformando-se em sujeito de desejo (MACEDO, 2010). O outro para psicanálise vem a ser o universo que organiza como cada

sujeito internalizará a vida social. Ela abrange os aspectos culturais (língua e a história de cada sociedade), as representações simbólicas e os diferentes objetos de demanda, que como citado anteriormente, terá seu lugar primordialmente em quem ocupa a função materna (MACEDO, 2010). Dessa forma, é relevante o papel das pessoas que rodeiam esse adolescente, pois elas podem auxiliar ou prejudicar o desenvolvimento e a confiança em si desse jovem. Dolto (2004) alerta que durante esse período os pais podem se incomodar e “invejar” essa “idade ingrata”, eles se recordam que foram prejudicados por adultos quando tinham a mesma idade e repetem a ação, ficando cegos. O que a autora quer dizer é que, quando o adolescente começa a expor as ideias e opiniões aos adultos, e estas divergem das ideias dos seus modelos parentais, logo são cortados, quando na verdade seria o momento de serem ouvidos: “Mas isso é porque eles não querem que esse menino pareça ser ouvido tanto quanto eles quando começam a falar à mesa, e o jovem não partilha da mesma opinião que ele. O pai não pretende que sua opinião deixe de prevalecer sobre a do filho” (DOLTO, 2004, p.17). A autora afirma que esse movimento dos pais, de menosprezar esse adolescente, cria um sentimento de julgamento, de não ter o direito de pensar como ele quer, buscando em outros lugares essa valorização. Os professores podem trazer luz a esse momento, inferindo como um incentivador para que esses jovens se expressem, deem suas opiniões, pois quando esta porta é aberta, quando se veem considerados por este professor (de todas as áreas, esportes, artes), sentem-se com voz e com isso os professores podem ajudar um jovem que em sua casa é desencorajado.

A entrada na adolescência exige desse sujeito um abandono do mundo infantil, para adentrar ao mundo dos adultos. Todo esse percurso poderá ser entendido como uma etapa de instabilidade e desequilíbrio, no qual o adolescente precisa dizer sobre os seus conflitos à medida que as experiências vão ocorrendo (SILVA, 2019). Para Macedo (2010), “Quando falamos em crise adolescente não estamos necessariamente referindo-nos a algo ruim, nocivo, mas sim a um conjunto de vivências impregnadas de incertezas e dificuldades, que fazem dessa fase da vida um momento importante e decisivo” (MACEDO, 2010, p. 18). No mesmo sentido, Silva (2019) argumenta que

O sujeito adolescente busca, através do processo identificatório e da elaboração do luto pelo corpo infantil perdido, uma definição de si mesmo, ao mesmo tempo em que estrutura sua identidade adolescente. Concomitantemente, começa a se afastar do seu núcleo familiar para buscar, em outros nichos, um olhar que confirme sua autonomia e valide sua identidade (SILVA, 2019, p.33).

Como vem-se discutindo, ainda na adolescência e junto com o processo de formação de identidade, acontece a escolha da profissão. Como esse jovem entende esse percurso, como suas relações podem influenciar e como ele se reconhece são as discussões que este trabalho pretendeu abordar.

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