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O texto: matéria genealógica e matéria narrativa

4.2 UMA PROPOSTA DE SEQUENCIAMENTO

Em oposição à dicotomia textual proposta, procuramos para o presente trabalho tomar o texto como uma unidade e tentar desvendar o que a ele subjaz num outro plano de análise. Não que não compartilhemos da ideia de que seja perpassado por elementos que mais imediatamente se distinguem por uma diferença temática de natureza, como as identificadas à partir da distinção entre matéria ”narrativa” e “genealógica”. Visto de tal perspectiva, ela é homogênea em toda a extensão do texto do também chamado Nobiliário do Conde. O problema reside em que com grande frequência os fragmentos narrativos são conjugados à “matéria genealógica”, indicando a presença da função semiótica. Embora em proporções desiguais, estão presentes indistintamente na totalidade do texto do Livro de Linhagens do

Conde D. Pedro. A base da distinção adotada por Mattoso, se trai quando sustenta que há que

se

358 CINTRA, Luis Filipe Lindley. Crônica Geral de Espanha de 1344, vol. 1. Lisboa: Imprensa Nacional Casa da Moeda, 2009, p. CLXXXVIII.

359 Chamado pelos cristãos de Mouro Rasis, Ahmad ibn Muhammad al-Razi (888-955) foi um historiador muçulmano do Al-Andalus à época da dominação islâmica na península ibérica. A chamada

Crônica do Mouro Rasis foi a tradução portuguesa da sua História dos Emires de Espanha, mandada fazer pelo

rei D. Dinis, de Portugal, no século XIV, da qual, como ela, inexistem exemplares. Algo de seu conteúdo nos foi dado conhecer pelo uso que desta crônica se fez como fonte para várias crônicas, tais como na Crônica Geral de Espanha de 1344 e derivações. Cf. REI, Antonio. Manuscrito inédito atribuído à Cronica do Mouro Rasis, em Portugal - o ms. LV do Museu Nacional de Arqueologia. Lisboa, Arqueólogo Português, série IV, 19, 2011, p. 235-246.

360 Trata-se de uma versão da Crônica de 1344, na qual o compilador compõe uma de suas partes com a Crônica de Castela. Cf. CINTRA, Luis Filipe Lindley. Crônica Geral de Espanha de 1344, vol. 1. Lisboa: Imprensa Nacional Casa da Moeda, 2009, p. CCXLV.

[...] distinguir os trechos propriamente genealógicos das narrativas. Destas algumas não são mais do que breves ampliações do traço característico de um personagem, que permitem identificá-lo como membro de uma linhagem, e distingui-lo dos seus homônimos. Devem-se considerar como fazendo parte da matéria genealógica, embora por vezes se possam

detectar analogias e mesmo coincidências textuais entre eles e fontes literárias ainda hoje conservadas362.

Por isto que a base da distinção, pelo que se disse, não nos parece seguir um critério unívoco para dar conta do sentido de sua presença no texto. É fluida, imprecisa, falta-lhe rigor e o autor o confessa, tal como na citação acima, quando afirma que por vezes se possam

detectar analogias e mesmo coincidências textuais entre eles e fontes literárias ainda hoje conservadas.

Nossa proposição, visto o que acima se mencionou, é pensar o texto do Conde D. Pedro como uno, homogêneo e dar atenção especial à função narrativa independentemente de sua proporção e forma de disposição em relação à demais matéria da qual se pretende distingui-la. Trata-se, sim, de procurar decifrar o sentido do texto em função da posição na qual situa os em relação a um universo axiológico em toda a extensão do texto.

Partimos do pressuposto de que todo relato, independente de sua extensão, invoca um ou mais personagens centrais, fundamentais na construção da memória da linhagem, e que se caracterizam fundamentalmente por ser um consanguíneo dos demais, ascendentes e descendentes. O que nos aproxima mais diretamente do sentido do texto, advém da hipótese de que a função dos relatos, independentemente da extensão que possuam, é a de investir de significação o texto, qualificando ou desqualificando os personagens e suas ações em função de critérios de inclusão/exclusão em relação a um universo axiológico.

Para os primeiros onze títulos, percebe-se um número mais ou menos expressivo de linhas entremeadas entre indivíduos das gerações em foco, dedicadas a narrar acontecimentos. Não vemos por que, por exemplo, teriam deixado de fora o título IX, relativo à formação do senhorio de Biscaia, no qual se dedica um volume bastante maior de texto do que o título VIII, relativo ao Cid, incluído entre os oito primeiros, e nos quais predominaria, segundo os estudiosos que mencionamos, a marca da componente narrativa.

Há, de certo, um número bem maior de gerações descritas sucessivamente nas genealogias do texto a que se apõem fragmentos cuja função é investir de qualidades um indivíduo em decorrência de dadas ações. O título X, relativo aos Lara, ainda é muito maior.

362 MATTOSO, José. A Nobreza Medieval Portuguesa, A Família e o Poder. Lisboa: Estampa, 1987, p. 63. [itálicos nossos].

Ali se conjugam narrativas de fundo épico à lista de gerações. O título XI é dedicado aos Castro, onde se tem um relato de caráter romanesco que envolve Fernão Rodrigues de Castro e em cujo enredo está em jogo o valor da fidelidade.

Como passo seguinte faz-se necessário apontar que se há um diferencial no quantitativo em que se apresentam as narrativas nos primeiros oito títulos, eles, a nosso ver, ligam-se à necessidade de instaurar e qualificar o mundo de onde vêm os “nobres fidalgos de Espanha”: as primeiras gerações descritas e das quais se pretendem herdeiros são as gerações bíblicas, da antiguidade clássica, dos reis bretões, godos até os primeiros reis ibéricos. Trata- se de relatos com as características dos relatos fundacionais, nos quais se pretende falar para os homens que habitam o mundo do presente sobre a origem do seu mundo. Um mundo iniciado por seres dotados de excepcionalidade e no qual são dignos de figurar por terem incorporado e continuarem a transmitir um legado que é mister cultivar. Legado este que os qualifica, que diz o que são e o que é seu mundo.

Há assim que tomar-se em consideração as formas do léxico utilizadas. Principalmente as de que o autor lança mão para compor os títulos. Não é fortuito que estes quantitativos maiores de trechos narrativos estejam ligados às linhagens primevas do mundo. Sua função é justificar a existência dando um fundamento de legitimidade às prerrogativas que os fidalgos desfrutam no mundo do presente. São próceres das linhagens cuja formação neste tempo das origens foi forjada no confronto com forças e seres excepcionais, e que obtêm, com o concurso das forças que habitam regiões do sobrenatural, sagradas do cosmo, a sanção positiva ou negativa para a posição que detêm no presente.

É este o espírito que anima o episódio de independência da Biscaia; de Froom, irmão do rei da Inglaterra, e seu filho Furtam Frooez, que, expulsos da terra, aportam na Biscaya e a livram da suserania de D. Moninho, um tirânico senhor das Astúrias. O episódio vincula a Biscaia a uma ascendência de sangue régio de fora do âmbito peninsular. O mito fala-nos de “ũ homee boo”, “irmão d’el rei d’Ingraterra”, homem que “souberom que era d’alto sangue”

363

, que teria vindo com seu filho para livrar os biscainhos do jugo de um mau senhor. Destas estórias brotam a ancestral tradição de insubmissão dos biscainhos a uma autoridade régia peninsular. Pois começa dizendo que deste homem “d’alto sangue” que descenderam os de Biscaia, “que foi senhoria primeiro em seu cabo, ante que el rei houvesse Castela” 364

.

Na abordagem que propomos, não apenas os oito primeiros títulos serão tomados pelo

363 BARCELOS, Conde D. Pedro de. Livro de Linhagens do Conde D. Pedro, I. Tit. IX, fols.35-35v.°. In: MATTOSO, José (Ed.). Portugaliae Monumenta Historica, II/1, Scriptores, Lisboa: Academia de Ciências de Lisboa, 1980, p. 137-138. [itálicos nossos]

que suscitam seus pequenos excertos de natureza narrativa. Nossa proposição é que principalmente os títulos iniciais lançam mão de extensões maiores de texto, para construir histórias mais coesas acerca de como se formou o mundo no qual vivem aquelas linhagens primeiras que povoaram a terra de Espanha; e que valores e formas de relação foram eleitas como preferenciais para a construção da ordem do mundo na qual vivem os homens fidalgos que a ela pertencem. Trata-se, assim, de descrever o ordenamento do texto para apontar para o plano de significações em torno do qual se organiza.

O Livro de Linhagens do Conde D. Pedro compõe-se de um prólogo e setenta e seis títulos. De forma significativa, inicia-se com uma proposição que assimila linhagem a

homens. O título com que compõe o seu prólogo é eloquente neste sentido. Nele se lê:

Do linhagem dos homẽes como vem de padre a filho des o começo do mundo, e do que cada ũu viveo e de que vida foi, e começa em Adam, o primeiro homem que Deus fez, quando formou o ceo e a terra365.

Trata-se de uma referência ao Gênesis, que narra como foram feitos o mundo e os homens. Com esta proposição o texto busca uma ancoragem primordial. Adão é o pai de quem descendem todos os homens. A sociedade que o texto representa posiciona-se numa tradição – bíblica, vetero-testamentária – da qual Adão é o primeiro patriarca, e da qual é herdeira a sociedade que fala através do texto.

Inicia-se o Livro de Linhagens do Conde D. Pedro selecionando os elementos que o referenciam a uma ordem maior do cosmo, pois diz pretender falar “[...] des o começo do mundo, e do que cada ũu viveo e de que vida foi [...]” 366

desde que Deus formou o Céu e a Terra. Ao que dá prosseguimento dizendo-se o Conde “filho do mui nobre rei D. Dinis”, que diz falar em nome de Deus, que, segundo ele, “é fonte e padre d’amor”; sentimento pelo qual nenhum homem “nom sofre nem ũa cousa de mal” e que “nem ũu melhor serviço nom pode o homem fazer do que ama-lo de todo o seu sem, e seu proximo como si mesmo”, segundo o preceito de Moisés expresso naquela que designa como a “vedra lei” 367

.

Ao título I subjaz a noção do território primordial por excelência das origens da humanidade, à qual associa seu pertencimento a civilização ocidental, pois o texto começa a falar do primeiro homem que habitou o mundo, Adão, ao qual se seguem seus dois filhos

365 BARCELOS, Conde D. Pedro de. Livro de Linhagens do Conde D. Pedro. Prólogo, fol. 1; In: MATTOSO, José (Ed.). Portugaliae Monumenta Historica, II/1, Scriptores, Lisboa: Academia de Ciências de Lisboa, 1980, p. 55. [itálicos nossos].

366 Ibidem, p. 55. 367 Ibidem, p. 55.

Abel e Caim (o texto não faz menção a Eva). Segue-se o terceiro, Seth, do qual se diz que “[...] viveo…novecentos e doze annos” 368

. Enumeram-se as gerações seguintes e sobre as quais introduz uma característica que faz especiais os personagens: a longevidade. O mais expressivo é Matusalém, que “[...] viveo novecentos e sassenta e nove anos[...]”, e sobre o qual se diz estar “[...] vivo em corpo e em alma no paraíso terreal per mandado de Deus” 369

. Trata-se da nona geração, e na qual num segundo fragmento narrativo se faz menção ao tema da rixa entre irmãos. O primeiro é o assassinato de Abel pelo irmão. Nas dez gerações que se seguem, o modelo é:

Adam houve dous filhos, Caim e Abel. Matou Caim Abel, e depois houve Adam outro filho que houve nome Seth. Viveo Adam oitocentos e trinta annos.

Viveo Seth, seu filho, novecentos e doze annos, houve filho Enos. Viveo Enos novecentos e cinco annos, e houve filho Caynan. Viveo Caynam novecentos e dez annos, e houve filho Malalael. Viveo Malalael oitocentos e XL e cinco annos, houve filho Jareth. Viveo Jareth novecentos e sassenta e dous annos, e houve filho Enoch. Viveo Enoch trecentos e sassenta e cinco annos le houve filho Matusalém, e ele está vivo em corpo e em alma no paraíso terreal per mandado de Deus370. Passa-se mais uma geração descrita segundo este modelo até Noé, quando se abre um novo percurso narrativo371

- que não responde unicamente ao imperativo de identificar personagens situando-os uns em relação a outros com base no parentesco, mas o de referenciar o personagem a uma narrativa acerca de fatos paradigmáticos da tradição da qual faz parte. Assim nos diz o texto:

Noe, quando houve quinhentos annos, houve três filhos, Sem, Cam, e Jafeth. E quando houve Noé seiscentos annos, foi o deluvio, e fez a arca e esteve i onze meses, e despois do deluvio, viveo trezentos e cincoenta annos, e per todo viveo novecentos e cincoenta annos, e morreo372.

O texto segue segregando elementos que vão compondo o cosmo. Diz: “Esta é a geeraçom d’Adam ataa Jesu Christo, como vem dereitamente de padre em filho” 373

. Até

368 BARCELOS, Conde D. Pedro de. Livro de Linhagens do Conde D. Pedro Tít. I, fol. 2v. In: MATTOSO, Portugaliae Monumenta Historica, II/1, Scriptores, Lisboa: Publicação do IIº Centenário da Academia de Ciências de Lisboa, 1980, p. 59.

369

Ibidem, p. 59.

370 Ibidem, Tít. I, fol. 2v. In: MATTOSO, José. Op. Cit., p. 59.

371 Cf. GREIMAS, A. J. (Pref.). As Aquisições e os Projetos, In: COURTÉS, J. Introdução à Semiótica Narrativa e Discursiva, Coimbra: Livraria Almedina, 1979, p. 31.

372

BARCELOS, Conde D. Pedro de. Livro de Linhagens do Conde D. Pedro. Tit. I, fol. 2v. In: MATTOSO, José. Op. Cit., p. 60. [itálicos nossos].

Abraão somam-se vinte gerações. O atributo dominante que as descreve, como se viu, é a longevidade. Ao fim do que se diz acabar “duas idades do segre” 374.

Após o patriarca Abraão, prossegue o desfiar de sucessões geracionais, onde aparece outro fragmento narrativo. Aqui o citaremos à guisa de demonstração da forma como o texto vai fazendo segregar os seres e objetos com os quais dá a feição do mundo. Além do parentesco e da longevidade, emergem a fertilidade, morte, riqueza e um traço de cultura do povo judeu. No trecho se vê escrito:

Quando Abraão houve oitenta e seis annos, houve filho Ismael, de Agar, sa manceba. E quando houve Abraão oitenta e nove annos, circuncidou-se e circuncidou Ismael, seu filho, e circuncidou toda sa casa. E quando houve Abraão noventa annos, houve filho Isaac de Sarra, sa molher, Sarra havia oitenta annos. Viveo Sara cento e vinte annos, e morreo em Quiriatabro, a que dizem Ebrom. E Abraão soterrou-a na cova doblada, que dizem em na leenda ‘spelunca’, que comprou de Flenez por quatrocentos marcos de prata375.

Os exemplos acima referidos nos possibilitam uma interpretação em favor de que se trata de um procedimento de escrita que torna complementares narrativa e genealogia, pois tal se reproduz por toda a extensão do Livro de Linhagens: à descrição de gerações são apostos pequenos fragmentos com os quais o texto atribui valor e, portanto, significado a fatos através de referências a fatos outros, emblemáticos da tradição que está sob foco. Marca-se com isto a excepcionalidade própria aos seres ali associados, a seus atos e aos atributos que caracterizam as tradições de que se pretendem herdeiros a sociedade e o tempo do qual fala o narrador.

A narrativa tem como finalidade configurar o universo semântico no qual se inscrevem e transitam os personagens, aferindo-lhe o valor pela distância em que se encontram em relação a determinadas práticas e objetos376

. Os prodígios reprodutores de Abraão, assim, o apresentam como modelo de ser que o texto valoriza. Trata-se de valorizá-lo como herdeiro do “povo eleito”. E quando se diz que, aos oitenta anos, “circuncidou-se e circuncidou Ismael, seu filho, e circuncidou toda sa casa” 377, atribui significação para os destinatários da obra de uma prática que individualiza e comunica um importante traço identitário a uma sociedade cujo legado o sujeito da narrativa se pretende herdeiro.

374 Ibidem, Tit. I, fol. 3. In: MATTOSO, José. Op. Cit., p. 60. 375

BARCELOS, Conde D. Pedro de. Livro de Linhagens do Conde D. Pedro. Tit. I, fol. 3, In: MATTOSO, José. (Ed.). Portugaliae Monumenta Historica, II/1, Scriptores, Lisboa: Academia de Ciências de Lisboa, 1980, p. 60.

376 Cf. GREIMAS, A. J. (Pref.). As Aquisições e os Projetos, In: COURTÉS, J. Introdução à Semiótica Narrativa e Discursiva, Coimbra: Livraria Almedina, 1979, p. 7-34

377 BARCELOS, Conde D. Pedro de. Livro de Linhagens do Conde D. Pedro. Tit. I, fol. 3. In: MATTOSO, José (Ed.). Op. Cit., 1980, p. 60.

Já nos primeiros títulos emergem recorrentes referências ao ato de sepultar os mortos, que nos dá a saber sobre a importância que a sociedade concede às formas através das quais lida com os seus mortos. Vê-se escrito: “E viveo Abraão cento e setenta e cinco annos, e morreo e soterrarom-no em Quiriatabor, em na cova com sa molher” 378. José “soterraron-no em Sichem assi como lhes avia [aos irmãos] rogado” 379. O mesmo se fala do rei David, “que

viveo oitenta annos e morreo, e soterranrom-no em Jerusalém” 380.

A emergência de significação, já a partir dos primeiros títulos, e pela frequência com que emerge no léxico, marca a posição dominante que ocupam neste universo as relações de parentesco. Antes de menção a qualquer atributo ou ação, emergem os personagens indefectivelmente definidos pelas relações de parentesco que mantêm uns com os outros. Assim, se diz que “ficou Isaac, e era de idade de quorenta annos, quando filhou por molher Rabeca, filha de dom Batuel, irmã de Labão e houve dous filhos, Esau e Jacob juntos.” 381

. Tanto neste título quanto em outros – não importa o quanto distem entre si – a maior frequência no léxico é a de menções a relações de parentesco. Assim, no polêmico título XXI, objeto de uma das refundições do Livro de Linhagens do Conde D. Pedro, se lê após a descrição de cerca de umas duas dezenas de gerações, no transcurso das quais se repete a fórmula essencial:

Prossegue pelos descendentes de Dom Rodrigo Gonçalvez de Pereira,

neto de Dom Rodrigo Froiaz, e de dom Vasco Pereira, bizneto de dom

Rodrigo Gonçalvez de Pereira. Este suso dito dom Vaasco Pereira, filho de dom Gonçalo Pereira e de dona Orraca Vaasquez e irmão do arcebispo dom Gonçalo Pereira, como se mostra em este título, parafro 12°, seve casado com dona Eines de Cuinha, filha de dom Lourenço Martiiz de Cuinha e de dona Maria de Lousãa de Loifrei, como se mostra no título LV, dos de Coinha, parafro 4° 382.

Nestas duas idades que se encerram em Abraão aparecem fragmentos associados a personagens que a tradição liga a fatos paradigmáticos na trajetória daquela sociedade. Fala-se de Isaac, de Esaú e Jacó e sua ida para a Mesopotâmia; da troca de dons entre este e Labão e em cuja base estão os “divedos” 383

que dão sustentação às relações de parentesco; passa-se por José no Egito, estendendo-se entre outros personagens e fatos a que se atribuem a história

378 BARCELOS, Conde D. Pedro de. Livro de Linhagens do Conde D. Pedro. Tit. I, fol. 3. In: MATTOSO, José. (Ed.). Portugaliae Monumenta Historica, II/1, Scriptores, Lisboa: Academia de Ciências de Lisboa, 1980, p. 61.

379 Ibidem, p. 62.

380 Ibidem, Tit. I, fol. 4. In: MATTOSO, José. Op. Cit., p. 63. 381

Ibidem, Tit. I, fol. 3. In: MATTOSO, José. Op. Cit., p. 61 382 Ibidem, Tit. XXI, fol. A

1 9v-10v. In: MATTOSO, José. Op. Cit., p. 257. 383 Ibidem, Tit. I, fol. 3. In: MATTOSO, José. Op. Cit., p. p. 61.

do povo de Israel. Passa-se por David, Salomão e todos os reis de Israel, Egito e Babilônia, até Alexandre Magno e a destruição do templo de Jerusalém. Um ponto da narrativa vale assinalar pela ocorrência de um fato análogo que em sua estrutura irá reproduzir-se num futuro longínquo e é retomado em vários pontos do texto: a ausência de rei e tomada do poder por outros personagens que se guindam a tal condição por eleição. Um dos exemplos é o do episódio de Ordonho de Leão no qual este rei assassina os Condes de Castela e os castelhanos elegem dois alcaides para reger a terra.384

E quando há referência a tempo, vê-se escrito “que os filhos de Israel, nam houveram rei nem princepe de seu linhagem atee a vinda de Christo”

385

.

O título II se desenvolve dando continuidade à expansão do universo de símbolos. Partiu-se, do título I, com a enumeração de gerações, nas quais no texto é caracterizado com um mínimo de elementos descritivos386

, a partir dos quais se instituem relações sintáticas entre formas que configuram a presença de dois entes elementares para que se constitua um sujeito e o mundo. Tem-se um sujeito, e a forma que lhe segue imediatamente – filho – com que faz o texto emergir a ideia de parentesco consanguíneo. O pressuposto deste, o parentesco por afinidade, não aparece; Eva, tanto quanto as outras mulheres, cujas existências são omitidas, mas que se sabe, óbvia e absolutamente, necessárias à produção das seguintes gerações, estão