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CAPÍTULO 2 – PERSONALIZAÇÃO DA POLÍTICA

2.2 Uma tipologia para a personalização da política

Estudos mostram um processo mútuo de crescente centralidade do indivíduo, juntamente com uma diminuição no poder de grupos políticos, como os partidos políticos, parlamentos e gabinetes (BLUMLER e KAVANAGH, 1999; MAZZOLENI e SCHULZ, 1999; MCALLISTER, 2007; POGUNTKE e WEBB, 2005; RAHAT e SHEAFER, 2007; WATTENBERG, 1991). Apesar deste interesse crescente na personalização, ainda há uma necessidade de uma compreensão conceitual e teórico do mesmo e de sua influência potencial sobre a política democrática.

Balmas et al. (2014) vão caracterizar dois tipos aparentemente opostos de personalização da política: centralização e descentralização da personalização. Personalização centralizada implica que o poder flui para cima do grupo (por exemplo, para o partido político, para o gabinete) para um único líder (por exemplo, o líder do partido, o primeiro- ministro, o presidente). Esta é uma percepção comum de personalização que resulta na centralização do poder político nas mãos de alguns líderes. Um exemplo pode ser a “presidencialização da política” (MUGHAN, 2000), um processo no qual o líder executivo, em sistemas parlamentares, ganha mais autonomia em relação aos partidos e gabinetes políticos (POGUNTKE e WEBB, 2005).

Personalização descentralizada significa que o poder flui para baixo, do grupo para políticos individuais que não são o partido ou líderes executivos (por exemplo, candidatos, membros parlamentares, ministros). Um exemplo pode ser a adesão de indivíduos de fora do

campo político como candidatos, a fim de conseguir maior visibilidade e angariar mais votos para o partido (BALMAS et al., 2014).

Apesar de personalização centralizada e descentralizada aparentar serem processos opostos, cada um não necessariamente está à custa do outro e que ambos podem existir simultaneamente. Um resultado desse processo duplo é que ao mesmo tempo em que os líderes ganham mais poder pessoal – de modo que eles não são mais “o primeiro entre iguais”, mas sim “primeiro acima de seus semelhantes”, eles encontram mais dificuldades de execução da decisão política no partido que lideram. Isso ocorre porque outros membros individuais do grupo, tais como membros do parlamento, também ganharam mais poder pessoal e podem agir de forma mais independente, menos restritos por seu partido político ou o seu líder.

Gideon Rahat e Tamir Sheafer (2007) vão sugerir uma tipologia que distingue três tipos de personalização da política em diferentes instâncias: institucional, midiática e comportamental.

a) Personalização Institucional

Personalização institucional é definida como a adoção de normas, mecanismos e instituições que colocam mais ênfase no indivíduo político e menos em grupos e partidos políticos. Um exemplo para tal mudança é a substituição de um sistema eleitoral de lista fechada para um sistema de lista aberta ou com outros tipos de sistemas eleitorais que permitem a competição pessoal intrapartidária para fazer parte das eleições gerais (SHUGART, 2001).

b) Personalização Midiática

Refere-se a uma alteração na apresentação da política nos meios de comunicação que se expressa em um aumento no foco sobre os políticos individuais e uma diminuição no foco em partidos, organizações e instituições. Outra diferença é que entre personalização política nos meios de comunicação não-remunerado (ou seja, a cobertura da mídia sobre a política) e que na mídia paga (ou seja, propaganda política) ou a conduta de campanhas políticas. Alguns estudiosos também distinguem entre personalização da mídia e a privatização da mídia. Enquanto o primeiro refere-se ao foco da mídia sobre as atividades políticas de políticos individuais, este último, que é considerado uma forma específica de personalização, se refere a um foco da mídia sobre a vida pessoal dos candidatos individuais (HOLTZ- BACHA, 2004).

b1) Personalização na cobertura da mídia de campanhas

Personalização política nos meios de comunicação refere-se a uma mudança na cobertura da mídia sobre a política em geral, e das campanhas políticas, em particular, que se expressa em um aumento no foco dos jornalistas sobre as atividades dos políticos individuais em detrimento do coletivo, tais abstrato entidades como partidos, organizações e instituições.

b2) Personalização em estratégias de campanha

Personalização política nos meios de comunicação pagos refere-se a uma mudança na gestão de campanhas políticas, que se expressa em um aumento da ênfase em candidatos individuais em propaganda política e nas estratégias de campanha, e uma diminuição da importância dos partidos políticos e organizações nessas propagandas e estratégias (BENNETT e MANHEIM , 2001; BRETTSCHNEIDER e GABRIEL 2002; DIAMOND e BATES 1992; HOLTZ-BACHA 2002, 2004; SWANSON e MANCINI, 1996). A privatização refere-se aqui para estratégias de campanha que enfatizam as características pessoais dos candidatos sobre as suas adequações políticas e suas partes, realizações e metas (HOLTZ-BACHA 2004; por tais estratégias ver também, por exemplo, DIAMOND e BATES 1992).

c) Personalização no Comportamento Político

Aqui os autores fazem uma distinção entre personalização do comportamento político dos políticos e do público, especialmente em seu papel como o eleitorado.

c1) Personalização no comportamento político dos políticos

Este tipo de personalização política é expresso com um aumento no comportamento político individual e um declínio na atividade partidária coletiva. Um aumento na apresentação de contas de membro privadas e da participação dessas contas seriam todos considerados como uma indicação de personalização no comportamento dos políticos (RAHAT e HAZAN, 2000).

c.2) Personalização no comportamento eleitoral dos eleitores

Esse tipo de personalização é originário de uma mudança na percepção do público da política. De acordo com este tipo de personalização, ao formar seus eleitores decisões eleitorais colocar uma maior ênfase sobre os candidatos em detrimento de se levar em considerações variáveis grupo de identidades coletivas, como grupos sociais e partidos políticos. Por exemplo, Kaase (1994, p. 221) explica que o processo de enfraquecimento do

partidarismo é lento, mas é consistente e é “ resultado do desalinhamento político está criando um sentimento crescente de que quando há eleitores não-alinhados, líderes políticos, mesmo em sistemas de governo do partido parlamentar pode tornar-se mais proeminente”. A distinção feita acima entre personalização e privatização também é relevante aqui. Personalização refere-se de modo mais geral a um maior foco dos eleitores sobre os candidatos e, especialmente, em suas características políticas e desempenho, enquanto a privatização é expressa em um aumento da atenção dos eleitores para as características pessoais não-políticas (BRETTSCHNEIDER e GABRIEL, 2002).

No geral, os estudiosos descrevem personalização como um produto das mútuas influências da mídia e da política, embora existam opiniões diferentes sobre os contornos deste processo. Alguns argumentam que os políticos adotam técnicas narrativas dos meios de comunicação de personalização e importaram estas na sua construção dos acontecimentos políticos, como as campanhas. Desta forma, as personalidades ganham um status cada vez mais importante na cultura política, que é também refletida na reportagem mais personalizada (SCHULZ et al., 2005, p 59; STRÖMBÄCK, 2008, p 238). Dito de outra forma, a política se adapta à “lógica de mídia”. Gideon Rahat e Tamir Sheafer (2007) desafiaram essa visão, considerando três diferentes tipos de personalização: institucional, mídia e comportamento de personalização (política). Ao contrário de outros estudiosos, Rahat e Sheafer conceberam a personalização não como um processo de mídia-política-mídia, mas da política-mídia- política: personalização institucional (por exemplo, as reformas políticas do sistema eleitoral em favor de políticos individuais) resulta em personalização de mídia (representação), que posteriormente aumenta personalização comportamental dos políticos (declínio na atividade do partido). No entanto, seria mais proveitoso apresentar personalização como um processo não-linear, em que a interação multidirecional entre mídia e política seria reconhecida, a tipologia de personalização de Rahat e Sheafer oferece um bom ponto de partida para a operacionalização.

Uma visão mais elaborada dos diferentes tipos de personalização é dada por Rosa Van Santen e Liesbet Van Zoonen, na medida em que eles discernem sete tipos de personalização (2009, pp. 167-169):

1. Personalização institucional: as mudanças institucionais que priorizam os políticos individuais – “presidencialização” (POGUNTKE & WEBB, 2005);

2. Ênfase nas lideranças políticas: pessoas que ganham a atenção da mídia em detrimento dos partidos;

3. Os líderes do partido como condutores das ações do partido: o líder é empurrado para a frente como a figura de proa do partido por políticos e / ou partidos;

4. Competência política individual: qualidades profissionais individuais estão cada vez mais escrutinadas pelos meios de comunicação;

5. Narrativas pessoais: os antecedentes pessoais e emoções de políticos individuais são trazidos para o centro pela mídia;

6. Privatização: a vida privada dos políticos vem na linha da frente na mídia;

7. Personalização comportamental: uma tendência para uma diminuição da atividade do partido em favor de comportamento político individual.

Os autores brasileiros Sérgio Braga e André Becher (2012) identificam como diversos analistas têm detectado o surgimento deste fenômeno mesmo nas democracias mais institucionalizadas e estáveis, o qual se manifestaria nos seguintes níveis ou dimensão da atividade política:

1. No patamar mais alto das instituições e em procedimentos de decisão de caráter mais amplo, os autores vão destacar um movimento em direção à “presidencialização dos sistemas políticos”. Como a expressão deixa transparecer, trata-se de uma tendência à centralização de poderes nas mãos do gabinete ou do chefe do Executivo (prefeitos, governadores e presidentes), elemento que se manifestaria até mesmo em períodos eleitorais, através do destaque às candidaturas de lideranças políticas carismáticas em escala nacional e enfraquecimento da figura partidária enquanto sinalizadora de policies e organização capaz de agregar os interesses e demandas do eleitorado (MUGHAN, 2000; POGUNTKE & WEBB, 2005);

2. O fenômeno da personalização da política também despontaria, segundo os autores, em um fortalecimento de serviços junto à base eleitoral, prestados pelos parlamentares a fim de adquirir apoio e transferir recursos para tais bases em detrimento de outras funções (divulgação da legenda partidária e/ou posicionamento em relação à políticas públicas discutidas em nível tanto nacional e/ou setorial);

3. A terceira forma é caracterizada pelos diferentes atores do sistema político que participam da organização das campanhas eleitorais (MANCINI & SWANSON, 1996). A personalização, nesse caso específico, aconteceria principalmente por meio da utilização estratégias de marketing político, resultando no declínio da identificação

ideológica com partido por parte dos eleitores e centralização na personalidade do candidato, em detrimento do programa político da legenda a qual faz parte.

Estas distinções são cruciais por várias razões. Estudos têm argumentado que não podem haver variações significativas na forma como os diferentes aspectos de personalização se desenvolvem, tanto ao longo do tempo quanto entre países (por exemplo, KARVONEN, 2009; LANGER, 2011; RAHAT e SHEAFER, 2007). Como resultado, não fazer essas distinções risco é arriscar de dar muita importância a evidências pontuais e interpretar os dados de maneira equivocada. Por exemplo, enquanto Wattenberg (1991) encontrou uma maior personalização na cobertura da imprensa nas campanhas norte-americanas, Sigelman e Bullock (1991) não o fizeram: eles estavam procurando, no entanto, por diferentes tipos de personalização (RAHAT e SHEAFER, 2007). Além disso, parece evidente que estas diferentes dimensões são susceptíveis de serem afetadas por diferentes fatores causais.

Vale ressaltar, conforme explicam Braga et al. (2013), que, mesmo entre estudiosos do fenômeno da “personalização”, não há concordância sobre se ele estaria ou não ligado a uma suposta “crise de representação política” que estaria ocorrendo nos sistemas políticos das democracias contemporâneas. Também não há consentimento na literatura sobre os impactos da personalização na qualidade da democracia, ou seja, se tal fenômeno teria efeitos positivos ou negativos para a manutenção do regime e para o ganho de legitimidade de suas decisões junto aos cidadãos. Alguns estudiosos veem tais acontecimentos como negativos para a democracia, pois se acredita que enfraquecem os partidos políticos e os órgãos legislativos no processo decisório (WEFFORT, 1973, LOSURDO, 2004), outros tendem a ressaltar aspectos mais positivos do fenômeno, defendendo que a personalização aproxima as lideranças políticas do eleitorado através do emprego de métodos menos burocratizados de representação (BRAGA et al., 2013;JACKSON & LILLEKER, 2009).

Em pesquisas brasileiras, Julian Borba (2005) realizou um estudo sobre a cultura política, ideologia e comportamento eleitoral. Na visão do autor, o Brasil se caracteriza pela presença da cultura política de um eleitor de tipo personalista, que decide seu voto, principalmente, çevando em conta atributos individuais, de competência e honestidade dos candidatos. Ribeiro et al. (2011) fazem uma investigação sobre a identificação partidária dos eleitores brasileiros num período entre 2002 e 2010 e suas relações com variáveis atitudinais e de comportamento dos eleitores. Um dos principais problemas encontrado para que essa identificação seja efetiva é que há algumas décadas assiste-se, no plano internacional, a uma queda nos níveis de confiança e identificação partidária, na diferenciação ideológica entre os

partidos e na relevância dos partidos em termos de decisão do voto (RIBEIRO, 2011; WATTENBERG, 1991 e 1998; DALTON e WATTENBERG, 1993 e 2001; CLARKE e STEWART, 1998). No Brasil, tal fato já apontava para uma fragilidade histórica da identificação partidária.

Castro (1994), que elaborou uma tese sobre o comportamento eleitoral brasileiro, afirma que, enquanto os eleitores sofisticados – que, na visão da autora, seriam uma minoria – votam orientados por opiniões sobre acontecimentos diversos e por uma preferência partidária fundamentada em uma visão informada e contextualizada sobre os partidos e os candidatos, a grande parte gos eleitores brasileiros é desinformada e não tem opinião formada sobre as grandes questões do campo político. Além do que, “[...] tende a atribuir a seus candidatos as qualidades que mais lhe agradam e as opiniões que eventualmente tem quanto a issues diversos e possui baixo grau de consistência ideológica” (CASTRO, 1994, p. 180).

Marcello Baquero vai trazer em seus estudos, sob influência da tradição da cultura política, a identificação do Brasil como país com um tipo de eleitor personalista e pragmático, caracterizado por fenômenos como o descrédito e a desconfiança em relação ao sistema político e aos seus atores (BAQUERO, 1994; BORBA, 2005), além de um forte sentimento da política como ineficaz (BAQUERO e CASTRO, 1996). Tais elementos levariam, segundo o Baquero, a uma cultura política fragmentada e descrente em relação às instituições políticas, tendo como maior implicação desse processo o “personalismo eleitoral”:

As atitudes de desconfiança e desencanto com as instituições, particularmente com os partidos, se dão num sentido de desvalorização e desconfiança dessas instituições, gerando uma cultura política claramente personalista no sentido estrutural (BAQUERO, 2000, p. 149).

Tradicionalmente, os sistemas eleitorais foram avaliados quanto à sua capacidade para “representar” os grupos sociais e étnicos. Mais recentemente, a atenção foi desviada para a escolha que é oferecida aos eleitores, e as consequências de tal escolha para a estabilidade democrática, e da maneira que os eleitores exercem as suas escolhas para avaliar candidatos. Essa concentração na visibilidade do político traz à tona a questão do alto grau de personalização da política especificamente em seu momento eleitoral, onde as circunstâncias do período corroboram para técnicas de comunicação voltada para grandes audiências. Os partidos, por exemplo, têm sua imagem encoberta pela figura do agente político que atrai eleitores, a agremiação torna-se apenas pano de fundo na campanha. A identificação com imagens políticas, no contexto com vários partidos pós-1979, configuravam-se principalmente

a partir das imagens do candidato a partir de elementos como competência e honestidade (BORBA, 2005).

Alguns autores vão argumentar que os meios de comunicação têm participação sobre essa centralização na figura do agente político. Daniel Boorstin (1962) afirma que a necessidade de estar em destaque e se fazer presente nos media noticiosos faz com que os acontecimentos políticos tendam a ser planejados para se tornarem notícia, ou seja, precisam ser atrativos para a imprensa, o autor os nomeia esses acontecimentos de “pseudo-eventos” (MIGUEL, 2001). Tal fato leva à adequação das estratégias políticas aos critérios e à gramática dos meios de comunicação, à cretalização dos movimentos coletivos em um só indivíduo e à preferência por acontecimentos “espetaculares” (GITLIN, 1980; CHAMPAGNE, 1990).

Personalização pode ocorrer especialmente em novos meios de comunicação: as características específicas usadas em sites de redes sociais é que “são projetados para facilitar uma ligação direta entre o emissor (político) e o receptor (cidadão), e vice-versa” (VAN SANTEN e VAN ZOONEN, 2010, p. 65), o que, consequentemente, coloca políticos individuais mais à frente. Poucos estudos têm abordado as consequências da personalização da política na internet e oque tem se encontrado de efeitos positivos, incluindo o aumento da eficácia das mensagens entre políticos e cidadãos (BRETTSCHNEIDER, 2008), a identificação mais forte dos eleitores com os políticos (LANGER, 2007) e, possivelmente, maior participação eleitoral dos cidadãos mais engajados (KLEINNIJENHUIS et al., 2001; ROSENBERG et al., 1986).

Utilizar-se de tais recursos digitais também traz novas configurações de relações interpessoais entre agentes políticos e esfera civil (MARQUES et al., 2013). A criação de sites e perfis pessoais em redes sociais leva a outro nível de personalização, onde o candidato ou ocupante de um cargo político está acima do partido a qual faz parte mais do que nunca, fazendo desses meios um modo direto de comunicação com o internauta.

Em sistemas altamente mediatizados, a necessidade de restaurar esse elo entre partidos e sociedade civil produziu resultados significativos em termos de liderança política. Encorajou, na verdade, aumentando personalização, empurrando os políticos para realizar – através da mídia – uma nova relação “direta” com os cidadãos, que é mais livre de ambas as mediações partidárias e jornalísticas. A adoção de sites próprios por políticos, blogs e perfis em redes socais digitais, mais do que uma mera exposição de diários pessoais, são ferramentas abertas ao cidadão conectado que permitem ações multimidiáticas, com a

utilização de textos, fotos e vídeos para postar conteúdos na internet, além de ser uma mídia interativa que abre espaço para a liberdade de expressão sem necessariamente ter que passar pela mediação dos meios de comunicação convencionais.