• Nenhum resultado encontrado

1.2. Nexos, ambiguidades e contradições

1.3.1. Uma verificação empírica

Tendo-se em vista explicitar alguns dos nexos teórico-empíricos entre as variáveis de pesquisa, quais sejam religião, espaço e cidadania, elegeu-se como objeto de uma verificação

empírica uma determinada cidade, no caso o município de São José dos Campos, e uma de suas igrejas, a Primeira Igreja Batista em São José dos Campos (PIBSJC), dada a importância observada nos trabalhos de campo, no que tange às correlações entre a produção social do espaço urbano nessa cidade e a produção do espaço religioso da referida igreja nesse contexto, conforme será explicitado no Capítulo 3.

Outras formas de espacialidades religiosas poderiam ser exploradas60, mas, para o escopo desta tese, esse empreendimento ficaria incompleto neste momento de pesquisa e exigiria um esforço de aprofundamento analítico e empírico que demandaria mais tempo de trabalho.

Nas pesquisas dos fenômenos religiosos, uma dinâmica entre objetos de pesquisa mais amplos e verificações empíricas mais pontuais tem sido uma forma de produção de

conhecimento nessa temática, e que é também seguida nesta tese61.

Nesse sentido, enuncia-se este objeto de uma verificação empírica, tomado de um modo mais específico:

A produção social do espaço religioso da Primeira Igreja Batista em São

José dos Campos (PIBSJC), desde sua fundação, em 1942, até 2010, como parte da formação do espaço urbano desse município, e suas correlações com a construção e exercício da cidadania em nível local, no mesmo período de tempo considerado.

Esse município é caracterizado por uma produção industrial em diversos setores da economia, atingindo mercados globalizados, e, de igual modo, em termos econômicos, há um dinâmico setor de serviços nessa cidade, a qual se localiza no eixo Rio – São Paulo e conta com uma população majoritariamente urbana, girando em torno de 600.000 mil pessoas, das quais cerca de 25% é considerada jovem, na faixa etária dos 14-35 anos.

A PIBSJC é, nesse contexto, um dos espaços que compõem tal cidade, com as devidas

implicações urbanísticas e arquitetônicas62 derivadas desse fato, e que se caracterizaria, como

será verificado ao longo da tese, por se constituir em um espaço coletivo privado63 incapaz de

articular com legitimidade e autonomia uma dimensão privada das relações sociais à esfera pública do espaço urbano e das relações de poder na cidade.

Conforme será oportunamente trabalhado ao longo dos capítulos, há certa confluência entre as modernas estratégias do marketing urbano64 aplicadas à cidade de São José dos Campos e de um marketing religioso assumido, sobretudo ao longo da última década, pela PIBSJC, com seus desdobramentos também em termos de um determinado marketing político no que tange às relações entre os fiéis e a igreja, e entre os citadinos e a cidade65.

As estratégias de localização socioespacial dos templos, privilegiando os espaços hegemônicos, apontam para uma rede de legitimações de poderes através de ações, muitas vezes intencionalmente coordenadas entre tais formas de comunicação social, afirmando laços clientelistas entre as massas urbanas e os representantes políticos, por meio das organizações religiosas66.

Nesse sentido, em termos das organizações religiosas cristãs, o púlpito confundir-se-ia com o palanque, e o palanque com o púlpito, pois não raras vezes os políticos pregam e os líderes religiosos fazem campanha, e desde que os limites são tênues entre ambas as situações, isso poderia alimentar posturas fundamentalistas e preconceituosas na política e na religião.

Desse modo, a PIBSJC (e outras no município/país) estabeleceria laços clientelistas com as autoridades públicas e com vertentes do capital, ou seja, com parte hegemônica dos poderes econômicos e políticos representados no espaço da cidade e fora dela, limitando de antemão toda e qualquer expressão autônoma de cidadania.

Esses laços clientelistas assumiriam, por vezes, formas típicas de gestão de comunicação social que se encontram entre modalidades de marketing religioso (venda de determinada forma de organização religiosa/religião), marketing urbano (venda de uma imagem específica de cidade/espaço) e marketing político (venda de formas de exercício do poder), como já se assinalou anteriormente.

Tais modalidades de comunicação social apresentariam suas respectivas implicações para a construção/obstrução de um exercício legítimo e autônomo de certa cidadania, tanto no governo de uma organização religiosa, quanto no governo da cidade, e também no autogoverno de si mesmo, apontando, antes, para a ausência de uma relativa auto-nomia e liberdade coletiva e pessoal, conduzindo, sim, a processos de alienação típicos dos indivíduos tornados massas urbanas, e que as compõem como parte de um ‘rebanho obediente aos seus pastores’.

Os batistas, por exemplo, historicamente atuariam na escala do bairro, embora tenham representações estaduais e nacionais, mas que não deveriam afetar a vida política de cada igreja local, que possuiria, nessa perspectiva, sua autonomia administrativa e de autogoverno eclesiástico.

Isso deixou de ser fato para a igreja que permitirá uma verificação empírica desta tese, justamente pelas transformações no modelo de gestão administrativa e eclesiástica da PIBSJC, sobretudo nesta primeira década do século XXI, como será oportunamente abordado, e que tem se tornado um padrão a ser alcançado nas demais igrejas, ‘atualizando-as’ em face dos novos modelos de gestão de marketing religioso e de comunicação empresarial, que têm

marcado a vida organizacional em que se estruturam parte significativa das práticas religiosas contemporaneamente no Brasil.

A PIBSJC adotou esta lógica de gestão eclesiástica, empresarial e midiática, que resulta em crescimento numérico de membros e crescimento monetário, em termos de arrecadação, de modo que essa igreja contaria atualmente com cerca de quatro mil e oitocentos membros.

Esse tamanho, em termos numéricos, reduziria, assim, as possibilidades das interações pessoais significativas e também as alternativas de atuação na igreja, à medida que institui uma arquitetura monumental para abrigar essa massa urbana de fiéis, chamada literalmente de ‘rebanho’ por seus pastores, desde que estes se referem a eles como ‘suas ovelhas’.

Nesse contexto eclesiástico, toda forma de ministério, ou de servir, estaria de antemão subordinada a um critério tão aleatório quanto quaisquer outros, no entanto, com suas implicações específicas, quais sejam, as de atender às técnicas modernas de gestão das massas urbanas, embutidas nos conceitos de gestão empresarial e de marketing religioso, no caso, todos os suportes organizacionais dados a uma marca denominada ‘igreja com propósitos’.

Apontaria esse simbolismo do ‘rebanho/ovelhas/pastores’ para um tipo de cidadão passivo, que lideranças políticas e religiosas desejariam construir a partir das práticas religiosas e de seus espaços de interação na cidade, e que tenderiam antes para a edificação do indivíduo alienado do que ao sujeito autônomo, fazendo, deste último, caso se constituísse, um alvo de hostilidade e de estigma pelo ‘homem do rebanho’, este, sim, incapaz de pensar no homem livre de seus ‘pastores’.

Tal liberdade em face do rebanho faria deste além-homem desejar não se ‘fazer pastor’ de rebanho algum, garantindo, mais uma vez, sua autonomia e, neste gesto, uma autonomia a todo o grupo, apontando para o fato de que tais ‘líderes do rebanho’, denominados pastores, em verdade, usualmente, também não são livres, o suficiente, do desejo de comandar e de controlar a vida de outros.

Nesse sentido, retornando ao enfoque empírico, a PIBSJC tornou-se, na última década, literalmente uma ‘igreja de massas’, com as respectivas estratégias de comunicação e de gestão empresarial adaptáveis a essa forma de organização eclesiástica, tipificando uma forma das ‘grandes igrejas’ presentes nas cidades brasileiras, e que são muito parecidas entre si, nos

modelos organizacionais e doutrinários, e, sobretudo, no que tange aos nexos, contradições e ambiguidades entre as variáveis desta pesquisa, como se pretende analisar, a partir do dado empírico, nos tópicos desta tese que perfazem seu Capítulo 3.

Portanto, optou-se por uma verificação empírica que permitisse uma reflexão teórica acerca da religião no espaço, conforme os nexos teórico-empíricos apreendidos a partir de uma compreensão do processo histórico de urbanização do município de São José dos Campos – SP, e, nesse contexto, é possível situar parte da produção do espaço religioso da PIBSJC, correlacionando-a às transformações socioespaciais na cidade.

Nesse contexto empírico, busca-se uma compreensão de parte das mútuas implicações para a construção/obstrução ao exercício de cidadania, sobretudo em que esta se relacione ao governo de uma organização religiosa, da cidade em que esta se insere de fato e das possibilidades e limites a uma edificação autônoma de si mesmo.

Isso tendo-se em vista uma relativa liberdade humana, que se constituiria a partir da interação de uns com os outros, em dada organização, que se comunica e se estrutura ao se tornar espaço, e indica, dessa forma, o lugar de cada qual, podendo hierarquizá-los conforme critérios alienantes e/ou esclarecedores, nas diversas situações envolvidas em tais construções sociais.

Segue-se, neste Capítulo, em que se apresentam as formas de organização desta pesquisa, com a abordagem das questões e hipóteses que têm norteado esta forma de reflexão científica, porém também filosófica, e por que não considerar, religiosa e artística.