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NO ESPAÇO URBANO

3.3. Urbanismo tático

Pretende-se neste ponto desenvolver uma discussão em volta do planeamento urbano, no seu exercício, bem como os enclaves a que está sujeito atualmente e de como o urbanismo tático pode contribuir para o melhoramento do planeamento urbano.

84 O conceito de urbanismo tático é demonstrado, fisicamente, há vários séculos, mas nas últimas duas décadas tem-se manifestado mais ativamente. O termo

“urbanismo tático” começou a ser utilizado de forma usual a partir de 2010, devido

à publicação “Tactical Urbanism: Short Term Action, Long Term Change”, criado por um grupo de jovens urbanistas, onde são expostos alguns projetos temporários executados no espaço público de algumas cidades dos EUA (ISIDORO, 2016). Nesta publicação, o urbanismo tático é caracterizado como intervenções de pequena escala, com um curto prazo, mas com o objetivo de conseguir alterar a cidade a longo prazo (Fig.52). Estas ações podem ser autorizadas ou não, normalmente são chamadas de “pop-up urbanismo”, “urbanismo Do It Yourself”,

“urbanismo de guerrilha” ou “reparação cidade” (LYDON et al., 2011, p. 1).

Segundo Pfeifer (2013), existem conjunturas que levaram a um maior interesse no urbanismo tático, tais como:

- As indústrias desaparecerem das cidades, traduzindo-se num elevado número de espaços deixados ao abandono;

- O aumento da mobilidade, que trouxe uma carência ao nível de espaços e usos mais flexíveis;

- A incerteza económica, política e ambiental;

- As novas gerações terem um maior interesse na cidade, daí discutirem e partilharem novas ideias através deste mundo cada vez mais tecnológico, que

Fig. 52 – Herald Square, em Nova York: o urbanismo tático permitiu mais segurança e qualificar os espaços públicos

Fonte: https://thecityfixbrasil.com/2018/05/14/o-poder-de-transformacao-do-urbanismo-tatico/ (Consultado a 20 de Maio de 2019)

85 permite outro tipo de visibilidade em termos de novos projetos, conseguindo assim chegar aos cidadãos, gerando a vontade de que a comunidade pode influenciar a cidade;

- A ineficácia da política de planeamento e a perceção de que o planeamento tradicional não consegue responder às necessidades atuais, ergue nos cidadãos uma razão para que estes tentem melhorar o seu bairro;

- Os cidadãos demonstram agora, mais do que nunca, interesse em contribuir para a melhoria do seu bairro, da sua comunidade, através de iniciativas locais.

As intervenções táticas ao nível do urbanismo tático frequentemente surgem de processos de baixo para cima ou “bottom-up”, bastante informais. Estas intervenções juntam cidadãos, ativistas, organizações que servem a comunidade, empreendedores e proprietários com o objetivo de revitalizar um determinado lugar. Muitas vezes, o projeto pode ser efémero, sendo o real objetivo mudar a forma como esse espaço é entendido, podendo, ao mesmo tempo, ajudar a perceber se aquela ação poderá tornar-se permanente ou ser replicada (ISIDORO, 2016).

O urbanismo tático em relação à sua abordagem de intervenção é caracterizado por:

- Visão: tratamento gradual para estimular a mudança;

- Contexto: discussão de ideias de modo a alcançar respostas ao nível do planeamento local;

- Flexibilidade: acordos a curto prazo e perspetivas alcançáveis;

- Valor: baixo custo e com baixo risco, que possa ter um grande impacto;

- Comunidade: aumento do capital social, fomentação do desenvolvimento das organizações (públicas, privadas, sem fins lucrativos, ONG’s, etc);

Muitas vezes, é à escala do edifício, da rua e do bairro que se melhoram as condições de habitabilidade (Fig.53). Assim, estas ações de menor escala também geram a possibilidade de ensaiar futuros investimentos, dando hipótese à comunidade de experimentar, antes de assumir quaisquer compromissos de maior encargo a nível político ou financeiro. A expressão “urbanismo tático” pode ser utilizada para descrever diferentes ações na cidade, que podem acontecer em diferentes escalas, como intervenções temporárias, em espaços construídos, em vazios urbanos, podendo servir para revitalizar um bairro e/ou a cidade através de ações pouco convencionais. Simultaneamente, podem acontecer de modo

86 experimental para testar soluções que, de outra forma, não seriam viáveis economicamente (ISIDORO, 2016).

Como o urbanismo tático tende a ser utilizado na criação de espaço público (Fig.54), como alternativa ao planeamento formal e às instituições públicas, este corre o risco de fortalecer regimes neoliberais, a que por norma se opõem. Isto porque os regimes neoliberais no urbanismo estão ligados à privatização do espaço público, o que levou a ser entendido como a “suburbanização” ou o fim do espaço público. De outro ponto de vista, substituir o papel do Estado pode ser visto como uma desregulamentação, fazendo com que existam menos investimentos por parte do Estado na criação de espaço público, sendo o resultado a separação de decisões, originando pequenos espaços geridos por grupos que não estão interligados (ISIDORO, 2016).

Fig. 53 – Antes e depois das intervenções de urbanismo tático na Prefeitura de São Paulo

Fonte: https://thecityfixbrasil.com/2018/05/14/o-poder-de-transformacao-do-urbanismo-tatico/ (Consultado a 20 de Maio de 2019)

87 Possibilitando aos cidadãos um aumento de responsabilização e dando reconhecimento à importância da participação nos processos de planeamento, torna-se possível para os planeadores descobrirem novas formas de habilitar os cidadãos de capacidades que sirvam para resolver os problemas da sua comunidade. Desta forma, os planeadores e as escolas de planeamento têm o dever de preparar e capacitar os profissionais e os futuros profissionais a procurarem novas estratégias entre a teoria e a prática que levem a novas abordagens. Apesar dos projetos táticos e temporários estarem a aumentar no seu número, o papel do planeador e a prática destas iniciativas ainda não são claros (ISIDORO, 2016).

Mesmo assim é visível o potencial do uso do urbanismo tático, até quando é utilizado para testar projetos através de projetos-piloto. Este efeito a curto prazo (designação tática) surge de forma contrastante em relação aos efeitos a médio e longo prazo (designação estratégica), que seguem certas diretrizes obrigatórias (ISIDORO, 2016).

Segundo Isidoro (2016), apresentamos algumas características do urbanismo tático que podem ajudar a solucionar algumas questões do planeamento:

- Flexibilidade: como os planos formais são demasiado rígidos na forma como têm de alcançar os seus objetivos, os projetos táticos acabam por mostrar uma maior eficácia na realização das ideias originais, resultante do seu comportamento mais flexível, o que vai admitir ajustamentos ao longo do processo de análise e implementação do projeto;

Fig. 54 – Times Square antes e depois das intervenções

Fonte: https://thecityfixbrasil.com/2018/05/14/o-poder-de-transformacao-do-urbanismo-tatico/ (Consultado a 20 de Maio de 2019)

88 - Baixo risco e custo: a diferença de custo entre um projeto-piloto e uma construção permanente é notável. Deste modo, o risco pode ser minimizado, uma vez que, se a implementação do projeto-piloto não funcionar, o gasto de recursos será menor;

- Rápida ação: um plano que siga o planeamento tradicional leva vários anos até estar completo e chegar à sua implementação, enquanto os projetos táticos conseguem chegar ao resultado de uma forma muito mais expedita;

- Pequena escala: o urbanismo tático consegue intervir no local de uma forma mais consciente, enquanto o planeamento formal, na maioria das vezes, não o consegue devido ao seu alcance, abstração científica e técnica;

- Bottom-up: a comunidade ter a capacidade de participar de forma ativa traduz-se na formação de consensos, de decisões revolucionárias para a criação de uma imagem partilhada para o espaço;

- Experimentação e replicabilidade: a possibilidade de ensaio que as intervenções táticas permitem, faz com que seja possível existirem ajustes em todas as fases do processo. Devido à sua prototipagem é possível identificar, no final, os pontos fortes e fracos de cada experiência tática.

Em Aveiro, temos um exemplo de projeto-piloto, o Vivó Bairro, um exemplo de revitalização urbana e urbanismo tático, atuando à escala do bairro, onde toda a comunidade colaborou. Existiram sessões abertas à comunidade, de forma a perceber as ameaças e oportunidade do local, tendo em conta a opinião de todos os envolvidos, inclusive a Câmara Municipal de Aveiro. Existiu um contributo de todos através das redes sociais, foram organizados dois workshops para o estudo e a validação do projeto. De forma a chegar a todos, foram criados formulários online. Chegando à conclusão sobre que temática e em que espaço era necessário intervir, 150 pessoas dedicaram-se à criação de um espaço lúdico para crianças, as lojas devolutas foram temporariamente utilizadas para a exposição e divulgação de diversos autores, decoraram-se espaços públicos, mobiliário urbano (Fig.55), realizaram-se workshops de forma a espalhar saberes locais e valorizando o comércio local. No final, organizou-se um jantar comunitário onde todos partilharam a sua opinião (ISIDORO, 2016).

89 No urbanismo tático, o papel do planeador, como já foi referido, não está definido. No entanto, podemos ver que, algumas instituições públicas locais e departamentos municipais, principalmente nos Estados Unidos da América, já promovem estas formas de urbanismo tático. O programa Public Plaza Program, em Nova York, talvez seja um dos exemplos mais conhecidos, onde a administração pública aplicou o urbanismo tático para ensaiar um conceito de gestão do espaço público. Em 2007, o Departamento de Transportes (New York City Department of Transportation) foi quem promoveu esta iniciativa, estimulando a comunidade e organizações sem fins lucrativos locais a modificarem uma zona de uma rua numa praça pública (Fig.56).

Fig. 55 – Bancos ilustrados perante o programa “Vivó Bairro”

Fonte: Izidoro, 2016

Fig. 56– Pearl Street Plaza, Brooklyn, New York

Fonte:https://www.nytimes.com/2013/06/02/arts/d esign/a-prescription-for-plazas-and-public- spaces.html?_r=0 (Consultado a 20 de Maio de

90

Intervenção de Urbanismo Tático de Sucesso

Trabalhar com iniciativas dos Cidadãos

Demonstrar que é possível

Obter apoio interno

Utilizar os recursos existentes

Adaptar ideias ao contexto

Aprender com os projetos táticos informais realizados

pelos cidadãos

Utilizar projetos temporários para demonstrar as oportunidades aos outros

atores

Trabalhar com os diferentes departamentos municipais

para a implementação de projetos táticos

Usufruir das politicas e dos recursos públicos para apoiar

novas ideias

Conhecer e integrar boas praticas de intervenções

táticas

Outro exemplo é em Raleigh, nos Estados Unidos da América, é o projeto WalkRaleigh, uma proposta realizada por Tomasulo (2015), um ex-estudante de planeamento urbano. A proposta centrava-se na afixação de sinalética no espaço público, de modo a estimular a população a optar pela movimentação pedonal pela cidade e desta forma redescobri-la. É, assim, possível perceber como a prática do planeamento pode ser enriquecida por ideias e ações da população.

Na Europa, nas últimas décadas, vários países têm implementado novas formas de participação da população, durante os processos de tomadas de decisão que influenciam o seu dia-a-dia e os sítios que vivenciam. A nível internacional reconhecem-se tendências de um aumento de modelos cada vez mais participativos (ISIDORO, 2016).

Desta forma, surge o planeamento colaborativo, que possui mais interação entre as partes e é mais interpretativo, todos os atores podem trabalhar em conjunto para modificar certas situações existentes num projeto. Através da institucionalização é garantido o consenso e todas as partes são tidas em conta, inclusive quando é para chegarem a uma decisão. Assim, dentro do sistema de planeamento, está contida a participação pública que engloba os processos de colaboração, negociação e gera consensos, traduzindo-se num planeamento mais transparente e mais eficaz (Fig.57).

Fig. 57 – Estratégias para um urbanismo tático de sucesso

91 Passamos a expor algumas das mais-valias que uma maior participação pode trazer:

- Com o conhecimento que a população pode fornecer, que muitas vezes os atores públicos não possuem, é de facto um auxílio que pode evitar projetos inadequados; - Ao juntarem todos os atores, todos os pontos de vista e todas as possibilidades de conflito, tanto os atrasos, bem como os erros e os conflitos podem ser evitados; - Com a participação contínua pode atingir-se um processo pacífico, desde a conceção à realização (ISIDORO, 2016).

Vários autores defendem que a definição de comunidade não deve significar só a população que habita uma certa área, mas sim a população que utiliza essa área no dia-a-dia, seja porque motivos for. Existem outros autores que abrangem mais este conceito, considerando que o conceito de comunidade deve considerar também grupos com importância para a comunidade, como associações não- governamentais, o sector privado, etc.

O envolvimento da comunidade tem os seguintes objetivos: - Obter informações e perceber as opiniões dos cidadãos;

- Aproveitar o conhecimento tático de forma a melhorar as tomadas de decisão; - A capacidade de resposta dos serviços locais melhora bastante, como resultado do envolvimento dos cidadãos;

- Renovar a sociedade civil e abranger os cidadãos nos processos locais;

- Atribuir poder aos habitantes, de modo a prestarem serviços a si próprios (ISIDORO, 2016).

92 A “Escada da Participação” de Arnstein (Fig.58), explica que, no patamar inferior, o envolvimento que o residente local tem é de beneficiário de atitudes geradas pelas autoridades. No degrau superior, o envolvimento é um pouco mais forte, o cidadão pode participar como voluntário ou como representante de uma comunidade, durante o processo de um determinado projeto local. Isto quer dizer que, quando a decisão está só na posse dos profissionais, o nível de envolvimento do cidadão é muito baixo.

O aumento de interesse no urbanismo tático deve-se também ao pouco investimento por parte do Estado, o que resulta em comunidades que desenvolvem formas expeditas de resolver certos problemas, entre si, exercendo de forma informal e colaborativa. Outra razão para este interesse repentino sobre o urbanismo tático deve-se aos muitos planeadores que apresentam alguma descrença em relação aos atuais modelos participativos. Fazendo críticas à institucionalização do planeamento participativo, pois já não conseguem atingir a finalidade para que foram criados, a participação passa a ser utilizada como um critério obrigatório e não para a comunidade poder ser, realmente, envolvida no planeamento. Desta forma, a participação dos cidadãos tornou-se demasiado burocratizada e estandardizada. A abordagem bottom-up surge como opção ao planeamento tradicional, fazendo com que os cidadãos tomem decisões e, de forma inclusiva, sejam produtores de cidade (ISIDORO, 2016).

Fig. 58 – Escada de participação de Arnstein

Fonte:https://en.wikipedia.org/wiki/Sherry_Arnstein#/media/File:Ladder_of_citizen_participation,_ Sheey_Arnstein.tif (Consultado a 30 de Maio de 2019)

93 Certos autores defendem que todos os projetos urbanos, sejam eles de pequena, média ou grande escala, necessitam de negociações entre planeadores, comunidade e políticos (Fig.59).

É importante perceber que apesar de uma excelente qualidade de desenho de um determinado espaço público, isto não é um pressuposto para que este espaço público vá ser utilizado, pois as pessoas têm diferentes necessidades, recursos e motivações que gerem a sua vontade de vivenciar um determinado espaço (GEHL, 2010).

Um bom exemplo de como o urbanismo tático pode colaborar para a revitalização de um local é o exemplo de ‘BUILD A BETTER BLOCK’, onde se promove a vitalidade dos bairros e das suas ruas. A cidade de Dallas, nos Estados Unidos da América, foi o primeiro caso deste género, em que ativistas locais se juntaram para criar esplanadas, ciclovias temporárias, recuperar lojas devolutas e melhorar o mobiliário urbano. O projeto fez com que as autoridades locais se comprometessem em melhorar o espaço público, naquele momento e futuramente, permitindo, desta forma, que as lojas continuassem ativas (LYDON

et al., 2011). Este tipo de estratégias já foi utilizado inúmeras vezes, percebendo-se

assim o resultado que o urbanismo tático pode criar na revitalização das cidades.