D O C U M E N T O
D E F I N I T I V O
D i a n a F i l i p a R i b e i r o F e r n a n d e s
L i s b o a , F A U L i s b o a , J u l h o , 2 0 1 9
Dissertação de Natureza Científica
para a obtenção do Grau de Mestre em Arquitetura, especialização em Urbanismo
Orientação Científica:
Professor Doutor José Luís Mourato Crespo
Júri:
Presidente: Doutor João Carlos Vassalo Santos Cabral Vogal: Doutor Francisco Manuel Camarinhas Serdoura
I
Resumo
Neste trabalho estudaram-se os processos de formação e transformação das áreas periféricas metropolitanas, tendo como caso de estudo a localidade de Caneças, situada no município de Odivelas.
A ausência de planeamento e regulação nos processos de expansão urbana na Área Metropolitana de Lisboa, resultaram em áreas periféricas fragmentadas, derivando em espaços vazios e expectantes, que se apresentam hoje em diferentes formatos. Recorremos ao estudo de estratégias de intervenção, como a reabilitação urbana, a acupuntura urbana e o urbanismo tático, como complementares ao planeamento formal, bem como a casos de referência onde intervenções pontuais possibilitaram a revitalização e forneceram um sentido e energias ao espaço urbano.
Numa primeira fase analisamos o processo de formação e desenvolvimento da Área Metropolitana de Lisboa, para depois fazer o mesmo exercício numa área central de Caneças, analisando-a nas suas vertentes social, cultural, espacial, histórica, e na sua organização e dinâmica, para compreender como a população vive o espaço público e de que modo é possível melhorá-lo, apresentando algumas propostas.
Palavras-Chave:
Áreas Periféricas | Urbanismo Tático | Acupuntura Urbana | Espaço Público | Reabilitação Urbana | Caneças/Odivelas
II
Abstract
In this work the processes of formation and transformation of the metropolitan peripheral areas were studied, taking as a case study the locality of Caneças, located in Odivelas.
The absence of planning and regulation in the processes of urban expansion in the Lisbon Metropolitan Area has resulted in fragmented peripheral areas, resulting in empty and expectant spaces, which present themselves in different formats today. We used the study of intervention strategies, such as urban rehabilitation, urban acupuncture and tactical urbanism, as complementary to formal planning, as well as cases of reference where punctual interventions made possible the revitalization and provided a sense and energy to the urban space.
In the first phase, we analyze the process of formation and development of the Lisbon Metropolitan Area, and then do the same exercise in a central area of Caneças, analyzing it in its social, cultural, spatial and historical aspects, and its organization and dynamics, understand how the population lives in the public space and how it can be improved by presenting some proposals.
Key words:
Peripheral Areas | Tactical Urbanism | Urban Acupuncture | Public Space | Urban Rehabilitation | Caneças/Odivelas
III
Agradecimentos
Agradeço ao meu orientador, professor José Luís Crespo, pela compreensão, disponibilidade, incentivo, pelo sentido criterioso e pragmático com que acompanhou este trabalho, pela forma como me ajudou a superar problemas, dúvidas e pelos conselhos dados nos momentos mais oportunos.
Agradeço ao Valter pelo apoio, força, compreensão, companheirismo, dedicação e o seu contributo direto e indireto neste trabalho.
Agradeço aos meus pais, por me possibilitarem um desenvolvimento enquanto estudante e pela sua ajuda incondicional, à minha mãe por ser um exemplo de força na vida e à minha irmã Isabel, por me incentivar ao longo do meu percurso académico.
Agradeço a todos os professores, colegas e amigos que, ao longo destes anos, me acompanharam neste percurso académico e contribuíram para o meu crescimento pessoal.
Agradeço à Câmara Municipal de Odivelas por me ter facilitado todos os documentos pedidos e pela abertura demonstrada na prestação de esclarecimentos.
IV
Índice Geral
Resumo I Abstract II Agradecimentos III Índice geral IV Índice de figuras V Índice de tabelas IX Lista de Abreviaturas IX 1. INTRODUÇÃO 1 1.1. Tema e Motivação 11.2. Objetivos e Questões de trabalho 2
1.3. Metodologia 3
1.4. Estrutura da dissertação 4
2. PROCESSOS DE INTERVENÇÃO NO ESPAÇO URBANO 6
2.1. Processos de urbanização: áreas periféricas de urbanização difusa
6
2.2. A fragmentação do território e os espaços expectantes 18 2.3. O desenvolvimento da Área Metropolitana de Lisboa 40
2.4. O planeamento da Área Metropolitana de Lisboa 54
2.5. Síntese 65
3. ESTRATÉGIAS DE INTERVENÇÃO NO ESPAÇO URBANO 67
3.1. Reabilitar para qualificar 72
3.2. Acupuntura urbana 76
3.3. Urbanismo tático 83
3.4. O Espaço Público como elemento agregador tático 93
3.5. Síntese 102
4. CASO DE ESTUDO: CANEÇAS, ODIVELAS 104
4.1. Enquadramento e evolução de Caneças 106
4.2. Diagnóstico do território de Caneças 116
4.3. Planos, programas e projetos 133
5. PROPOSTA ESTRATÉGICA DE ESPAÇO PÚBLICO 134
5.1. Análise do território em estudo 134
5.2. Diagnóstico SWOT 146
5.3. Intenção da estratégia 148
6. CONCLUSÕES 154
V
Índice de Figuras
Fig. 1 – Lisboa 1755–1759 7
Fig. 2 – Periferia de Lisboa – Odivelas 8
Fig. 3 – Crescimento de Londres de 1784 a 1939 (Os dois círculos têm o diâmetro de 10 e 20 milhas)
9
Fig. 4 – Comboio real, locomotiva D. Luís (1862) 10
Fig. 5 – Zona urbana de Odivelas 11
Fig. 6 – Periferia do séc. XX, Portela, Loures 14
Fig. 7 – The Former City Hall in Amsterdam, 1657 18
Fig. 8 – Fragmentação do território, Cidade de Loures 19
Fig. 9 – Marcas de marginalização 21
Fig. 10 – Fila para o centro de emprego 22
Fig. 11 – Exclusão social, Favela da Rocinha, Rio de Janeiro, Brasil
23
Fig. 12 – Bairro Quinta da Fonte, Loures 24
Fig. 13 – Condomínio de luxo, colinas do cruzeiro, Odivelas 25
Fig. 14 – Subúrbios de Filadélfia, EUA 26
Fig. 15 – O automóvel na cidade 27
Fig. 16 – Centro comercial STRADA Outlet, Odivelas 28
Fig. 17 – Cidade Jardim Esquemática, Ebenezer Howard, 1898 29
Fig. 18 – Cidade Jardim Esquemática pormenor, Ebenezer Howard, 1898
29
Fig. 19 – Vazios urbanos na cidade de Campo Grande, Brasil 31
Fig. 20 – Prédio devoluto, Lisboa 33
Fig. 21 – Baptista Russo, Lisboa (revitalização) 35
Fig. 22 – Antigo 1º Batalhão de Artilharia, Lisboa 36
Fig. 23 – Vazios urbanos em locais infraestruturados 37
Fig. 24 – O tratamento do território como mercadoria 38
Fig. 25 – Terreiro do Paço e cais da ribeira em 1572 40
Fig. 26 – Descoberta do Brasil, 1500 41
Fig. 27 – Minas da Panasqueira, extração de volfrâmio 42
Fig. 28 – Desembarque de tropas coloniais portuguesas em Luanda (1962)
43
Fig. 29 – Pessoas carenciadas e marginalizas no bairro da Boavista, Lisboa, 1940
44
VI
Fig. 31 – Revolução de 25 de Abril de 1974 46
Fig. 32 – A independência das colónias trouxe meio milhão de portugueses para Lisboa
47
Fig. 33 – Mário Soares assinou o tratado de adesão à CEE, em representação de Portugal
48
Fig. 34 – Localização da Área Metropolitana de Lisboa em Portugal
49
Fig. 35 – Reabilitação no centro de Lisboa 53
Fig. 36 – Três ingredientes básicos para entender a cidade 56
Fig. 37 – Plano Geral de Urbanização e Expansão de Lisboa (PGUEL), de Etienne de Groer, 1948
58
Fig. 38 – Anteplano do Plano Diretor Regional de Lisboa, 1961 60
Fig. 39 – Plano Diretor da Região de Lisboa, PDRL, 1962 61
Fig. 40 – Plano Geral de Urbanização de Lisboa, PGUCL, 1967 62
Fig. 41 – PROTAML, 1991 64
Fig. 42 – Projeto High Line em Nova Iorque, transformação de uma antiga ferrovia num parque elevado
67
Fig. 43 – Park Duisburg, Alemanha 68
Fig. 44 – Paris, França: rasgos no tecido urbana para ampliação do traçado viário, preservação do espaço público cultural e implantação de áreas verdes
70
Fig. 45 – Requalificação urbana do Toural e Alameda, Guimarães 72
Fig. 46 – Reabilitação urbana na zona da Morro da Sé no Porto 73
Fig. 47 – Acupuntura urbana 76
Fig. 48 – Wire Opera House, Curitiba 78
Fig. 49 – Bus Rapid Transport em Curitiba 79
Fig. 50 – Moll de la Fusta 80
Fig. 51 – Treasure Hill 82
Fig. 52 – Herald Square, em Nova York: o urbanismo tático permitiu mais segurança e qualificar os espaços públicos
84
Fig. 53 – Antes e depois das intervenções de urbanismo tático na Prefeitura de São Paulo
86
Fig. 54 – Times Square antes e depois das intervenções 87
Fig. 55 – Bancos ilustrados perante o programa “Vivó Bairro” 89
Fig. 56 – Pearl Street Plaza, Brooklyn, New Yourk 89
Fig. 57 – Estratégias para um urbanismo tático de sucesso 90
Fig. 58 – Escada de participação de Arnstein 92
VII
Fig. 60 – Extrato da Carta Chorographica dos terrenos em redor de Lisboa (1814)
105
Fig. 61 – Planta Geral com o Património associado ao Aqueduto das Águas Livres e aos Aquedutos subsidiários
107
Fig. 62 – Aqueduto das Águas Livres 107
Fig. 63 – Caneças (1950) 110
Fig. 64 – Fonte das Piçarras 110
Fig. 65 – Fonte das Fontainhas 110
Fig. 66 – Fonte dos Castanheiros, Caneças 111
Fig. 67 – Enchimento das bilhas de barro onde era armazenada a água - Anos 60
111
Fig. 68 – Lavadeiras de Odivelas 111
Fig. 69 – Água de Caneças em Lisboa. A venda da água de Caneças fazia-se através de carroças ou galeras.
111
Fig. 70 – Cidade de Odivelas 112
Fig. 71 – Odivelas na Área Metropolitana de Lisboa 113
Fig. 72 – Freguesias de Odivelas 114
Fig. 73 – Evolução de Caneças 115
Fig. 74 – Delimitação da área de estudo 116
Fig. 75 – Carta de altitudes 117
Fig. 76 – Rede Hidrográfica de Caneças 118
Fig. 77 – Carta de declives de Caneças 119
Fig. 78 – Gráfico de Edifícios Clássicos por Freguesia (%) 120
Fig. 79 – Gráfico de Edifícios Construídos por Época (%) 121
Fig. 80 – Gráfico de Número de Pisos por Edifício (%) 121
Fig. 81 – Gráfico de Número de Alojamentos Vagos (%) 123
Fig. 82 – Gráfico da Evolução da População do Município de Odivelas e da localidade de Caneças
124
Fig. 83 – Gráfico de Indivíduos Residentes por Estrutura Etária do Município de Odivelas e da localidade de Caneças (%)
125
Fig. 84 – Gráfico da Pirâmide Etária de Caneças (%) 126
Fig. 85 – Gráfico do Nível de Instrução em Caneças (%) 126
Fig. 86 – Gráfico de Indivíduos Residentes por Ocupação em Caneças (%)
127
Fig. 87 – Gráfico do tipo de Emprego em Caneças (%) 128
Fig. 88 – Gráfico de Indivíduos Residentes que Estuda no Município (%)
129
Fig. 89 – Gráfico de Indivíduos Residentes que Trabalham no Município (%)
VIII
Fig. 90 – Levantamento Funcional de Caneças 131
Fig. 91 – Carta da Hierarquia Viária de Caneças 132
Fig. 92 – Carta do Património de Caneças 135
Fig. 93 – Núcleo Antigo de Caneças 136
Fig. 94 – Paragem nº1 - Núcleo Antigo de Caneças 137
Fig. 95 – Paragem nº2 - Núcleo Antigo de Caneças 138
Fig. 96 – Paragem nº3 - Núcleo Antigo de Caneças 138
Fig. 97 – Paragem nº4 - Núcleo Antigo de Caneças 138
Fig. 98 – Foco de atividade humana na paragem nº1, Perfil do Largo Vieira Caldas, Esc.: 1/200
139
Fig. 99 – Foco de atividade humana, Perfil da Praça Dr. Manuel de Arriaga, Esc.: 1/200
139
Fig. 100 – Utilização do espaço público às 12h 139
Fig. 101 – Pessoas em permanência no espaço publico às 19.30h 140
Fig. 102 – Trânsito às 19.30h 141
Fig. 103 – Percursos dos vários autocarros 142
Fig. 104 – Coreto no centro de Caneças 143
Fig. 105 – Quantidade de pessoas em permanência no espaço público às 12.00h
144
Fig. 106 – Percursos realizados pelos indivíduos 145
Fig. 107 – Vista sobre Caneças 148
Fig. 108 – Plano de Intenções (esc.: 1:5000) 152
IX
Índice de Tabelas
Tabela 1 – Tabela com a Taxa de variação de famílias clássicas, alojamentos e edifícios por localidade 2001-2011 (%)
122
Tabela 2 –Tabela de Idade média dos edifícios por localidade 123
Tabela 3 – Tabela da Contagem de Indivíduos existentes no Espaço Público ao longo do dia
137
Tabela 4 – Tabela de contagem de veículos 140
Tabela 5 – Diagnóstico SWOT 146
Lista de Abreviaturas
AML – Área Metropolitana de Lisboa CMO – Câmara Municipal de Odivelas
DGOTDU – Direção Geral do Ordenamento do Território e Desenvolvimento Urbano
EN – Estrada Nacional
EUA – Estados Unidos da América FA – Faculdade de Arquitetura IC – Itinerário Complementar
INE – Instituto Nacional de Estatística ONG – Organização Não Governamental PDM– Plano Diretor Municipal
PDRL – Plano Diretor da Região de Lisboa
PNPOT – Programa Nacional da Política de Ordenamento do Território PP – Plano de Pormenor
PROT – Planos Regionais de Ordenamento do Território
PROTAML – Plano Regional de Ordenamento do Território da Área Metropolitana de Lisboa
1
1. INTRODUÇÃO
1.1. Tema e Motivação
O trabalho “PROCESSOS DE TRANSFORMAÇÃO EM ÁREAS URBANAS PERIFÉRICAS - CANEÇAS: ESPAÇO PÚBLICO VERSUS FRAGMENTAÇÃO” surgiu por várias razões: desde logo o facto de conhecer em primeira mão aquela área geográfica, sendo residente no município, e, por isso, ter a noção de algumas necessidades que ali se verificam, até ao desejo de estudar em maior detalhe uma área periférica de Lisboa, tendo a oportunidade de estudar intervenções possíveis para o território escolhido, sejam elas de carácter permanente ou temporário. A vila de Caneças, pertencente ao município de Odivelas, está localizada na periferia de Lisboa. Nessa zona existem problemas urbanísticos resultantes da aglomeração feita em torno da estrada nacional e das suas fontes de água locais. O município de Odivelas sofreu, tanto como muitos outros, de falta de planeamento urbano ou de um planeamento pouco eficaz, tendo como resultado um território fragmentado, onde os espaços urbanos vazios e expectantes são notórios, com um espaço público desadequado e espaços de estar e de lazer praticamente inexistentes. Caneças é um bom exemplo desta realidade.
Este tema foi selecionado por se considerar que é atual, pertinente nos dias que correm, e por se considerar que é premente a necessidade de valorizar o espaço público para que, consequentemente, se possa melhorar a qualidade de vida da população.
Por outro lado, o contributo da população é fundamental para existir uma interligação entre os diferentes atores (planeadores, comerciantes, população), todos contribuindo para a resolução dos problemas existentes no território. Há neste trabalho uma tentativa mitigada do recurso a um processo participado, com a utilização de estratégias participadas no urbanismo e na arquitetura, nomeadamente as conversas com os residentes e utilizadores do espaço em análise, mecanismos que podem perceber e tentar colmatar as necessidades dos habitantes, com medidas e ações que vão de encontro às expectativas e necessidades da população.
No trabalho serão analisados e discutidos os temas de periferia, da fragmentação urbana, dos vazios urbanos, e identificadas as estratégias que podem ser aplicadas
2 como complemento aos processos de planeamento urbano. As estratégias podem ser intervenções permanentes ou temporárias, sempre com o objetivo de revitalizar e reabilitar o espaço público, e os espaços devolutos, podendo deste modo melhorar as vivências da população.
1.2. Objetivos e Questões de trabalho
O que se propõe realizar nesta dissertação de natureza científica é identificar estratégias e diretrizes para colmatar alguns dos problemas verificados. Estes foram consequência dos processos de transformação urbana, designadamente, descontinuidade, fragmentação, vazios urbanos, entre outros. Em adição, pretende-se analisar como o espaço público sofreu com estes problemas e encontrar estratégias para colmatar certas lacunas.
Os processos de transformação e os seus resultados, derivam de uma falta de programação e de planeamento?
Dado que a construção e, por consequência, a evolução da cidade não foi planeada como um todo, o território torna-se fragmentado. Inicialmente, não existia qualquer tipo de planeamento que orientasse e organizasse as construções e a forma urbana, quais os usos que deveriam ser assumidos, e não existindo preocupações no desenho do espaço urbano.
Qual a influência nas dinâmicas e na organização territorial?
A ausência, ao longo de várias décadas, de coesão territorial e planeamento estratégico reflete-se na fragmentação urbana, na desconexão urbana, na existência de vazios urbanos, na falta de interesse pelo espaço público, numa deficiente rede de transportes públicos a nível municipal e intermunicipal e na carência de harmonia do tecido edificado.
Quais são as consequências que derivam destes processos de transformação?
Não existem tantas oportunidades para um melhor crescimento e desenvolvimento urbano. O espaço público acaba por ser o espaço sobrante, acabando por não lhe ser dado a devida importância e, frequentemente, nem sequer tem a dimensão adequada. Por exemplo, em Portugal, é muito comum existir escassez de estacionamento e de acessos para pessoas com mobilidade reduzida. Estas carências refletem-se negativamente nas vivências da população.
3 Por norma, esta tipologia de território é bastante marcada por uma deficiente mobilidade e acessibilidade. As áreas periféricas de Lisboa, apesar da distância ser curta em relação a Lisboa como ao resto do município, é bastante difícil encontrar solução através de transportes públicos, daí o recurso ao automóvel nestes casos ser quase indispensável.
Qual é o impacte das mudanças na organização do espaço urbano sobre a vida dos habitantes?
Pode trazer um maior desenvolvimento no domínio cultural e do lazer, modernizar as atividades económicas, valorizar a imagem urbana e as condições de mobilidade da população.
1.3. Metodologia
A metodologia adotada consiste, inicialmente, num diagnóstico do território, procurando identificar os aspetos pertinentes para o trabalho a desenvolver. Neste diagnóstico serão utilizados os conceitos, como a cidade fragmentada, vazios urbanos, reabilitação urbana, revitalização urbana, entre outros, a recolha de dados estatísticos (socioeconómicos, demográficos e habitacionais), a sua tabulação, apresentação e posterior análise dos resultados obtidos. Será realizada ainda a observação direta e sistemática.
A análise do edificado, desde a distribuição e morfologia dos edifícios até à dimensão e ocupação dos lotes, passando pela localização e uso dos equipamentos e terminando na organização do espaço público, permite concluir a recolha de informação necessária à realização desta dissertação de natureza científica.
Todo o trabalho será apoiado por bibliografia relacionada com o tema, que permita associar a teoria e a realidade. Esta bibliografia é ser composta por literatura sobre o tema, por projetos de referência nacionais e internacionais, por cartografia, estatísticas e iconografias, entre outros. A consulta e análise de planos, programas e estratégias contribuirão com informação sobre as intenções e perspetivas para a área de intervenção, assim como o balizar da estratégia.
Com essa base, conseguiremos chegar à formulação do problema, identificar os motivos, a importância teórica e a pertinência atual da investigação proposta. De seguida, concretizaremos uma proposta esquemática, onde irão transparecer as conclusões retiradas desta aproximação aos problemas, potencialidades, ameaças e oportunidades (diagnóstico SWOT (Strenghts, Weaknesses, Opportunities and Threats)) do local de estudo. Nesta proposta esquemática estará incluída a
4 determinação dos objetivos gerais e específicos, a identificação de princípios estruturantes, a sua relação com a situação e elementos existentes, as ideias da dissertação e síntese conceptual.
Com esta fase concluída, estaremos preparados para a elaboração de uma estratégia escolhida e identificação das soluções selecionadas.
Tendo por base as reflexões, ideias e resultados obtidos nos momentos anteriores elaboraremos um estudo prévio, aprofundando a estratégia à escala do território e do edificado.
A consulta e análise de casos de referência, de outra bibliografia pertinente, bem como a elaboração do documento escrito, irão acompanhar todo o percurso de realização da dissertação de natureza científica.
1.4. Estrutura da Dissertação
De forma a organizar o trabalho realizado, estruturou-se a investigação em seis capítulos: 1. Introdução; 2. Processos de Intervenção no Espaço Urbano; 3. Estratégias de Intervenção no Espaço Urbano; 4. Caso de estudo: Caneças, Odivelas; 5. Proposta Estratégica; 6. Conclusões.
O primeiro capítulo refere-se ao enquadramento global, realizando-se uma introdução ao trabalho, explicando o tema e a motivação, apresentação dos objetivos e das questões de trabalho, bem como a metodologia e a estrutura da dissertação.
O segundo capítulo refere-se ao crescimento e à história da cidade, que resultou no aparecimento da periferia, desenvolvendo-se assim uma expansão territorial muitas vezes fragmentada que acaba por gerar vazios urbanos. Em termos práticos, damos o exemplo da Área Metropolitana de Lisboa e como o seu desenvolvimento e planeamento retratam estas questões.
O terceiro capítulo refere-se às estratégias de intervenção no espaço urbano, como a reabilitação urbana, a acupuntura urbana, o urbanismo tático e à sua aplicação indicando exemplos de projetos e programas desta génese.
O quarto capítulo é dedicado ao caso de estudo, o território de Caneças, em Odivelas. É feito um enquadramento territorial, histórico, analise dos planos e programas existentes. São também realizadas análises ao território nas suas diversas componentes, onde neste momento são refletidas bem como os resultados obtidos na investigação.
5 No quinto capítulo é apresentada a proposta estratégica para este caso de estudo, com indicação da intenção da estratégia e o plano de intenções e aplicação dos conceitos estudados.
O sexto capítulo espelha as conclusões gerais sobre o trabalho, explicando se é possível promover novas estratégias. É referido o potencial deste tipo de estratégias bem como o envolvimento das comunidades. São lançados desafios e oportunidades de desenvolvimento. São mencionadas algumas diretrizes quanto à continuação deste processo.
6
2.
PROCESSOS DE INTERVENÇÃO
NO ESPAÇO URBANO
Este capítulo procura explicar e analisar o crescimento e o desenvolvimento das cidades, em particular da Área Metropolitana de Lisboa, incidindo sobre os processos de urbanização, as áreas periféricas, a fragmentação do território, o planeamento e a gestão urbana.
O objetivo será compreender como a cidade tradicional se desenvolveu para uma cidade fragmentada, onde o rápido crescimento urbano não planeado ditou a evolução da gestão territorial, originando vazios urbanos na cidade e na sua periferia.
A fragmentação urbana e os vazios urbanos irão ser alvo de estudo para determinar o que representam para a cidade e para os cidadãos, e como determinadas questões podem ser encaradas como uma oportunidade de intervir e revitalizar zonas da cidade.
Irá ser estudada a evolução da Área Metropolitana de Lisboa, a mudança na sua paisagem, nas suas vivências e ainda o planeamento (ou a falta dele) que deu origem à realidade que hoje conhecemos.
2.1. Processos de urbanização: áreas periféricas de urbanização difusa A evolução da humanidade está correlacionada com a história das cidades, sendo visível a importância que as cidades têm na vida das pessoas. Não é por acaso que, a nível mundial, as pessoas escolhem maioritariamente a cidade para habitar. Mas, ao mesmo tempo, é cada vez mais difícil percebermos o limite da cidade, onde começa e onde acaba, tornando-se mais complexo entender o conceito de cidade. Assim, é notória a quantidade de autores que tratam este tema, acabando as conclusões por serem diversas e os contornos não serem precisos (FERRÃO, 2003). A cidade tradicional que se desenvolveu à medida da necessidade, depois evoluiu para uma urbanização por pacotes, nem sempre coordenados, conduzindo a uma implantação sectorial que deixa espaços vazios entre os sectores. Estes vazios que dividem a cidade tradicional são atualmente considerados como desejáveis, no sentido de separar os usos do espaço, de permitir um certo isolamento higiénico do espaço (CASTANHEIRA, 2012).
7
Fig. 1 – Lisboa 1755–1759
Fonte: https://collections.leventhalmap.org/search/commonwealth:9s161f84q (Consultado a 6 de Junho de 2019)
A cidade Moderna, relutante em aceitar um desenvolvimento voltado para a coesão e integração com a cidade tradicional, está ainda presente no nosso quotidiano. A cidade tradicional, construída sobre os vestígios do passado, assenta a sua estrutura nos elementos parcela e rua, acompanhados do conceito cheio e vazio, correspondendo estes ao espaço construído e espaço livre, respetivamente (CASTANHEIRA, 2012).
8 Fig. 2
Na periferia permaneceram vestígios de malhas rurais que condicionaram o sistema de ruas, a localização do cheio e do vazio. Associado este facto à criação, em tempos mais recentes, de vias de circulação desconexas e oportunistas, passamos a estar perante um espaço construído descontínuo (CASTANHEIRA, 2012).
Para ultrapassar esta nova realidade, torna-se necessário implementar um sistema urbano, que possa unificar o espaço fragmentado da periferia e ligá-la diretamente à cidade que lhe está adjacente. Este sistema deverá determinar a mudança do espaço considerando as características próprias e a história do lugar periférico. No final do séc. XX, temos uma amostra dos processos urbanísticos a desligarem-se da ideia de unidade. Nesdesligarem-se momento, foi possível compreender que a realidade urbana era composta por uma diversidade de fragmentos e que se devia atuar nestes objetos. Daí emerge uma nova lógica, diferente de todas as outras conhecidas até então, que se centra na cidade existente, tendo em conta a sua reconstrução a partir do reconhecimento de uma realidade complexa e fragmentada (ARREDONDO, 2009).
Neste espaço de tempo, a periferia foi uma das áreas que ganhou notoriedade por ser um objeto de transformação, consequência da expansão urbana que teve origem na segunda metade do séc. XIX.
Com o nascimento das cidades na periferia, caso de Odivelas (Fig.2), com os seus centros a dar sentido e significado a estes espaços, evoluindo para gerar ordem e
Fig. 2 – Periferia de Lisboa – Odivelas
9 coesão nestas novas urbes. Urbes que se caracterizam inicialmente pela inexistência de continuidade ou sistema em relação à cidade tradicional (CASTANHEIRA, 2012).
Este novo fenómeno de transformação urbana, a coexistência de várias ordens urbanas, está relacionado com uma nova estrutura económica. O desenvolvimento dos processos de produção, de distribuição e consumo, juntamente com a densificação do sistema viário, resultam numa utilização alargada do território.
A mobilidade e as telecomunicações são novos fatores que conduzem para a dispersão das atividades e da população (PINHAL, 2016). A movimentação dos indivíduos passa a realizar-se em diferentes centros, consoante as suas funções e necessidades. A rede relacional evolui de forma mais extensa e articulada: “Com estas novas mobilidades,
novos centros emergem, novas funções urbanas surgem e constroem-se novas conjugações e configurações territoriais.” (MARQUES, 1999, pp.22)
É frequente a atribuição duma conotação negativa aos conceitos de periferia urbana e de subúrbio. A identificação de subúrbio assenta na ideia de fragmentação do espaço urbano, como um território impreciso e não consolidado do ponto de vista urbanístico. Este território nasce de
“processos espontâneos de urbanização de maior ou menor densidade pouco ou nada regulados por qualquer figura de plano e, quase sempre, caracterizados por níveis muito baixos de infraestruturação básica.” (DOMINGUES, 1994/5).
A periferia corresponde à primeira coroa de expansão, que se desenvolve e consolida durante as primeiras décadas do séc. XX na Europa, sendo o gatilho para este fenómeno, primeiramente, a industrialização e, mais tarde, as fortes ondas migratórias de população (Fig.3).
A periferia é, na altura, marcada pela habitação económica, apresentando-se como uma alternativa ao centro das cidades, quando estas não proporcionavam condições de vida básicas, sendo comum a falta de salubridade, por exemplo.
Fig. 3 – Crescimento de Londres de 1784 a 1939 (Os dois círculos têm o diâmetro de 10 e 20 milhas) Fonte: https://humanismo2016us j.wordpress.com/2016/06/ 01/10_individualismo-urbano/ (Consultado a 1 de Fevereiro de 2019)
10 Simultaneamente, a periferia é uma parte da cidade que cresceu sem qualquer tipo de planeamento visto não ser tratada como parte integrante desta. A periferia decorre de um processo errático, formado por sucessivas adições, fruto de decisões isoladas de investimento privado, influenciado pela variabilidade do mercado. As primeiras periferias foram qualificadas como espaços sem urbanidade, pois a sua forma urbana era caótica, não estruturada, incompleta e instável. Segundo Campos Venuti, a periferia tem como característica principal a continuidade com a rede viária da cidade compacta em alguns pontos historicamente relevantes, a partir do qual o crescimento é desenvolvido por partes ou fragmentos (ARREDONDO, 2009).
Enquanto o caminho de ferro (Fig.4), foi considerado um instrumento centralizador da população, o automóvel tornou-se num instrumento descentralizador. Assim o caminho de ferro correspondia à cidade compacta, ligando subúrbios coesos, já o automóvel trouxe um espaço menos coeso (GASPAR, 1998).
Assim a periferia derivou desta expansão não controlada, foi ainda comprometida por políticas e intervenções que giravam em torno da melhoria do espaço, com vista à transformação física e social, mas que não olharam para a periferia como parte da cidade, contribuindo assim para uma periferia desajustada.
Os ajustamentos político-administrativos e institucionais não acompanham a rapidez da evolução desta dinâmica urbana, pela inexistência de organismos locais que facilitem um clima de democracia participativa, afetando consideravelmente a capacidade de exercício da cidadania do subúrbio e dos seus habitantes.
Esta realidade apresenta dois vetores, o territorial e o social. Ao nível territorial, sabemos que o processo de suburbanização deriva de um crescimento extensivo das formações urbanas na periferia de um centro motor de crescimento e desenvolvimento urbano.
O resultado é um afastamento entre os espaços do quotidiano e o “recorte
político-administrativo que regula a participação democrática formal, a “vida política””, entre
o centro e a periferia, entre os municípios ricos e influentes e os municípios onde as populações menos favorecidas se vão instalar (GASPAR, 1998).
Fig. 4 – Comboio real, locomotiva D. Luís (1862)
Fonte:
https://live.staticflickr.com/3589/33225 52132_31fccfba06_b.jpg (Consultado a 3 de Março de 2019)
11 As finanças públicas locais são oneradas com uma maior despesa pública ao nível das políticas sociais, de investimento nas infraestruturas e por uma captação de recursos muito baixos, conduzindo a défices orçamentais recorrentes. Uma solução para inverter este processo é uma perequação das receitas e das despesas públicas. Ao nível social, compreende-se que a marginalização geográfica leve a uma marginalização social, mais notória em áreas de residência de emigrantes, por vezes em situação de clandestinidade, anuladora dos direitos de cidadania.
Por vezes existem contradições, D. Rusk fala-nos das “Cities Without Suburbs”, onde as crises sociais dos guetos das “Central Cities” são equilibradas por taxas e impostos provenientes de subúrbios de classe média e alta, anexados ao espaço administrativo das Áreas Metropolitanas. Esta “elasticidade” é uma forma de aumentar a coesão da metrópole, apesar de, territorialmente, esta ocupar um espaço muito alargado: “É este o território das práticas sociais do “Nimbismo” (“not
in my back yard”), uma forma desvirtuada de participação cívica onde o corporativismo se impõe completamente como forma de autodefesa e de negação de uma maior solidariedade e coesão social de uma população social e territorialmente muito fragmentada.” (RUSK, 1994 citado por DOMINGUES, 2005, p. 9).
Existe, de facto, no subúrbio uma precariedade ao nível político e de participação cívica (Fig.5), mas, as diferenças entre o urbano e suburbano, não podem ser analisadas apenas a este nível, é necessário encontrar outros níveis de concertação e gestão de políticas (DOMINGUES, 2005).
Fig. 5 – Zona urbana de Odivelas
Fonte:http://www.apambiente.pt/_zdata/DAR/Ruido/SituacaoNacional/PlanosReducaoRuido_PlanosA ccao/PAcomCodigos/PT_a_ag0004_PA_ConsPub_Odivelas.pdf (Consultado a 15 de Dezembro de
12 Os critérios mais comuns que estiveram subjacentes à intervenção nas cidades europeias foram: corrigir os pontos mais graves herdados de uma construção incompleta, dar qualidade ao espaço urbano e superar o isolamento, fazendo uma interligação à estrutura urbana (ARREDONDO, 2009).
Em geral, nas cidades europeias, a periferia foi um território que teve especial atenção apenas durante o último quarto do séc. XX. Durante este tempo as intervenções urbanísticas foram dinâmicas e em constante evolução, transparecendo para transformações urbanas e sociais. Atualmente, falamos da cidade que resulta da revolução industrial em conjunto com o projeto moderno, onde coexistem estratos de tempo diferentes com novas formas de ocupar o território, novas formas de mobilidade, de acessibilidade, de funções e novas referências.
Com todos estes novos fatores em jogo foi fundamental ir em busca de uma nova forma de viver a cidade com unificação. Ou seja, perante uma total dispersão das novas periferias foi necessário recorrer a um urbanismo de integração, responsável por fazer uma cidade para todos, onde todos têm direito a ela.
Nesta segunda fase, o território semi-urbanizado é colmatado de uma forma rápida, produto de uma segunda industrialização. Este processo é caracterizado por novos modelos residenciais com uma lógica própria de justaposição e a entrada na obsolescência de recintos industriais. A liberdade com que dispõe as diferentes peças no território que o constituem (diversidade de parcelas residenciais, tanto quanto à sua origem, morfologia e ideologia) representa a forma de construção individual em vez da unidade, a ausência de um modelo unitário da cidade (ARREDONDO, 2009).
A periferia ou o subúrbio em tempos tiveram diversas terminologias. Nos anos 60, nos Estados Unidos da América, nasce o termo Sprawl1, que significa crescimento urbano extensivo, não controlado, não planeado, sem forma, sem regras no desenvolvimento urbano de territórios que existiam na periferia da cidade (DOMINGUES, 2005).
Surgem assim teorias como a teoria do Ciclo de Vida das Cidades (urbanização, suburbanização, desurbanização, re-urbanização), cujo modelo caracteriza as dinâmicas de crescimento urbano com base nos valores de população residente, dividindo a cidade em duas subáreas, o centro (“Core”) e a área periférica (“Ring”),
1 Sprawl: cobrir uma grande área de terreno com edifícios que foram adicionados em momentos diferentes, para que pareça desarrumado; estender-se; amontoar-se (Cambridge Dictionary).
13 circundante ao centro, lugar de origem de movimentos pendulares (BERRY (1976), VAN den BERG et al. (1982); HALL (1984); FIELDING, (1989); etc).
A “urbanização” é caraterizada por uma vigorosa concentração das atividades económicas e da população no centro da cidade e a “suburbanização” é caracterizada por uma desconcentração dos empregos e da população para a periferia.
As críticas a este modelo são várias: “excessivo reducionismo do modelo territorial de
crescimento urbano a uma dinâmica centro/periferia; uma excessiva formalização e carácter descritivo do modelo; uma visão simplista e redutora da complexidade da estrutura e da dinâmica urbana e uma rigidez não apropriada às dinâmicas que caracterizam as novas formas urbanas.” (DOMINGUES, 2005, p.11).
O conceito já não se ajusta, pois, o subúrbio já não é um anel residencial ajustado pelas dinâmicas de um centro, deixou de ser caracterizado por uma ordem urbana que era estruturada pela proximidade física e passou a ser caracterizado por eixos, pelo espaço relacional (densidade de relações num território alargado e urbanizado) e pelo tempo, este encurtado pelo automóvel e pela autoestrada. O conceito de urbanizar implica a necessidade de existirem determinadas infraestruturas que são requisitos mínimos, como redes de saneamento, abastecimento de água, energia e vias, a existência de serviços que vão permitir o desenvolvimento económico do local. Desta forma, é notório que a urbanização e o desenvolvimento socioeconómico estão interligados. Porém, a velocidade do crescimento económico não está totalmente dependente da velocidade do crescimento da urbanização, o que é visível, por exemplo, nos países mais pobres, onde a taxa de urbanização estima-se que duplique nos próximos 25 anos e que até se pondera que virá a ser ultrapassada. Já nos países mais ricos, a velocidade do crescimento da urbanização tem vindo a desacelerar, os níveis demográficos das metrópoles têm vindo a diminuir. O que se constata é que a população tem vindo a ocupar territórios mais extensos, surgindo novas aglomerações e diminuindo a densidade populacional das áreas urbanas (GASPAR, 2005).
O conceito de metrópole dualista dá lugar à área metropolitana e à cidade-região onde se intensifica o “urban sprawl”2, e também a uma nova conceptologia, onde
se destaca:
2 urban sprawl: alastramento urbano, alastramento suburbano ou espalhamento urbano, é a expansão de uma cidade e dos seus subúrbios sobre a área rural às margens de uma área urbana (Cambridge Dictionary Plus).
14 - o pós-subúrbio: subúrbio residencial alterado numa área de posicionamento de atividades diversas (centros comerciais, parques de escritórios, centros multiusos, etc.) que estruturaram a nova centralidade da Edge City (GARREAU, 1991);
- a metrópole policêntrica: mosaico urbano descontínuo fragmentado onde surgem centralidades distintas e periféricas.
Este novo cenário urbano é apoiado por uma rede viária de alta capacidade, mudando a ideia de subúrbio, de subserviente para um local de maior heterogeneidade e imprevisibilidade nas suas transformações (DOMINGUES, 2005).
A partir dos anos 80, a periferia foi alvo de várias políticas e intervenções, dada a grande necessidade na intervenção nestes territórios (Fig.6). O objetivo era realizar uma melhoria significativa na periferia, de modo a transformar a qualidade de vida nesta zona, ultrapassando deficiências, como os problemas sociais e urbanos, o grande nível de marginalidade, entre outros.
Fig. 6 – Periferia do séc. XX, Portela, Loures
Fonte: http://espacodearquitetura.com/articles/5af5a0e9c38cabb94d2e6d0b (Consultado a 30 de Novembro de 2018)
Na cidade existem várias realidades, realidades estas que são fragmentos que se articulam entre si, gerando uma unidade, mas, ao mesmo tempo, mantendo cada uma a sua própria autonomia. A periferia é vista como um território construído e transformado a partir da fragmentação, que, por sua vez, é caracterizado por uma
15 ausência de urbanidade. A periferia utiliza o fragmento como um instrumento de análise da sua própria realidade e também da sua transformação.
Falar em periferia envolve uma realidade teórica, para o planeamento urbano tradicional, as periferias têm sido consideradas como um fenómeno espontâneo, sem exemplo anterior, diferentes da cidade tradicional. Desde a época industrial até aos dias de hoje, a periferia é considerada como um fenómeno específico da cidade contemporânea, onde os limites que separavam a cidade do campo dão lugar a outra cidade, aquela onde a mudança é possível. Como afirma Rossi, a periferia representou em grande parte a face da cidade contemporânea (ARREDONDO, 2009).
A periferia, ao longo do séc. XX, representa, a nível europeu, o dinamismo do crescimento urbano, tendo um contexto social e espacial muito diversificado. Primariamente, a periferia era um local onde a classe alta se estabelecia para aproveitar as qualidades ambientais do campo. Mais tarde, foi encarado como um local interessante para o sector industrial e, ao mesmo tempo, para a classe média, que conseguiu neste local ter acesso à posse de uma propriedade. A periferia também foi procurada para resolver o problema de habitação das classes mais pobres. Mesmo assim, independentemente do escalão social dos seus habitantes, o subúrbio é frequentemente visto como um lugar predominantemente residencial.
Contudo, o conceito de periferia foi mudando ao longo do tempo. Até aos anos 70, era vista como de menor importância em comparação com a cidade tradicional, era um lugar incompleto, sem identidade, que não possuía características nem do campo nem da cidade.
Os autores distinguem entre a periferia planificada e a periferia “espontânea”. A periferia “espontânea” é caracterizada por um perfil dominantemente residencial, pela ausência ou défice do espaço público, pelo crescimento em sucessivos acrescentos, usando uma malha viária pré-existente, por um espaço construído não consolidado, por índices de densificação elevados com vazios intersticiais, pela ausência de planos, sub-infraestruturação, défice de serviços e de equipamentos públicos e privados e má qualidade ambiental.
A periferia planificada, está presente nos “Grands Ensembles” ou nas
“Cidades-Novas” dos années-béton da política urbana francesa, enquanto instrumento de
regulação urbana, e nas periferias das cidades dos países do ex-bloco de Leste. Esteve também presente nas utopias das “Cidades-Jardins”, das “Levittowns” (GANS, 1967), da “Broadacre City” de Frank Lloyd Wright, ou da “Ciudad Lineal” de Arturo Soria (WALL, 1994).
16 Estas realizações foram diluídas pela Crise do Plano, pelo surgimento de ideologias liberais desreguladoras do Plano e pela crise do Estado-Providência. O Plano perdeu o seu papel principal como único elemento regulador do crescimento urbano e o Estado já não é o promotor da construção. Neste contexto, a promoção das construções das novas formações urbanas deriva do sector privado e do próprio mercado (DOMINGUES, 2005).
Segundo Clementi (1990), a noção de periferia cobre uma realidade profundamente heterogênea. Hoje em dia, a periferia é um espaço maduro, compacto e estável nas suas funções. Foi valorizada, porque já não é comparável à cidade tradicional, erguida a partir de vários fragmentos e de outras características que a cidade tradicional não possuí, encontrou a sua própria logica de existência, onde podem existir novas formas de ocupar o território, e isto é o reflexo de novas formas de viver a cidade (ARREDONDO, 2009).
Segundo Solà-Morales (2008), a periferia é um “território ativo” enquanto matéria do “projeto contemporâneo da metrópole”. Anteriormente considerada um espaço sem sentido de lugar, devido à sua falta de história e de carácter, passa a ser considerada como um espaço com um novo sentido de lugar, devido aos vazios urbanos e às suas oportunidades, contrastando com a pouca diversidade ou quantidade das funções das atividades económicas e da construção. Aqui a confusão aparente transforma-se em força, em oportunidade, identidade e numa característica deste lugar, torna-se na oportunidade de pensar e construir a cidade atual (ARREDONDO, 2009).
Os sucessivos ciclos de expansão urbana, que se vão desenvolvendo por diferentes lógicas de ocupação, dão-nos a perceber as diferenças entre as primeiras periferias e as periferias mais recentes, em termos de qualidade de vida urbana, habitação, conteúdo social e posição. Assim, Ascher (1995) opina também neste sentido, defendendo que passámos da metropolização para a metapolização. Na metápole não existem limites precisos, o crescimento urbano passa a ser descontínuo em vez de contínuo e compacto. A ocupação territorial torna-se extensiva e a relação entre territórios distantes torna-se próxima, com outras lógicas de concentração de população, serviços e atividades.
Especificando, a periferia, na cultura europeia, é constituída pela união de três fatores:
A distância: em relação à sua formação, na posição no território, está localizada no limite da cidade tradicional compacta, onde o limite entre a cidade e o campo começam a diluir-se; é distante do centro, com níveis de acessibilidade bastante
17 reduzidos; surge a noção de relação centro-periferia, caracterizada por níveis baixos de acessibilidade, mas conseguindo alcançar uma posição central;
A dependência: o território urbanizado em torno da cidade compacta começa a estabelecer uma forte relação de dependência com o centro, esta dependência consegue ser vista a partir da ausência de atividades centrais (especialmente do setor terciário) e na carência de locais tradicionais de socialização na periferia, sendo as atividades predominantes as de produção e residencial;
A deficiência: durante uma expansão urbana acelerada, surge a especulação dos solos centrais, juntamente com o elevado défice de habitação económica, na periferia a construção de áreas residenciais é realizada de uma forma incompleta; as áreas destinadas à habitação, urbanização e equipamentos, apesar de abordadas, não são especificadas, as atividades necessárias para uma vida urbana completa estão ausentes nestas áreas, e, deste modo, a falta de planeamento, de urbanização e equipamentos leva a uma deficiente qualidade de vida urbana (ARREDONDO, 2009).
Aprofundando o conceito de acessibilidade, é possível descrevê-lo como bastante vasto e pode ser encarado por várias perspetivas, tais como: a sua existência e conectividade. Estas são características de natureza exclusivamente espacial, relacionadas com a possibilidade de chegar a um determinado local de forma expedita, através de vias que, por sua vez, farão a conexão a outra localidade ou a uma área periférica. Outras perspetivas deste conceito são a disponibilidade, adequação e capacidade económica. Estas estão relacionadas com a procura e oferta, de modo a permitir à população poderem alcançar determinados bens e serviços.
A periferia destaca-se por ser diferente do lugar no sentido clássico, repleto de marcos da história do local. Ao pensar na periferia, pensamos em locais vazios, indiferentes quanto ao seu conteúdo e organização do espaço. O lugar periférico é marcante pela ausência de repetição e de diferença (SOLÀ-MORALES, 1985). Este carácter distinto torna a periferia um espaço extramente apetecível para o projetista, que pode preencher este espaço irrelevante, sujo, desorganizado, esteticamente débil, com a sua visão do futuro, livre de influências do passado e passível de aplicação de novas formas e tipos de urbanidade (SOLÀ-MORALES, 1985).
Os centros históricos têm sido, nos últimos anos, na Europa, um entrave à imaginação de novos tecidos urbanos, devido ao que representam no tecido urbano: símbolos de história e convenção. O edifício surge, neste contexto, como
18 um elemento crucial: ao ser encarado como um objeto, objeto esse que serve para uniformizar a tipologia no espaço, levou a abandonar a necessidade de entender o porquê da existência de infraestruturas ao lado de vazios, de centros de serviços ao lado de pequenas vivendas, de vias que suportam grande mobilidade ao lado de recantos de extrema privacidade (SOLÀ-MORALES, 1985).
Nem todos encaram a periferia como um espaço menor, que resulta da degradação da cidade central. Há quem entenda que a periferia é uma parte integrante do projeto contemporâneo da metrópole.
Mas esta periferia contemporânea não é necessariamente ordenada, contínua, repetitiva ou sistemática. Não se trata de um espaço que precisa de ser remediado ou redimido. A periferia pode necessitar de ordem, mas esta deve ser pensada de forma independente e numa perspetiva de reivindicação social (SOLÀ-MORALES, 1985).
2.2. A fragmentação do território e os espaços expectantes
“(…) considerar a cidade como palco de apropriações diferenciadas por parte dos diversos agentes sociais que nela foram interatuando, daí resultando, uma multiplicidade de expressões simbólicas heterogéneas, e assim, uma descontinuidade.”(GUERRA, 1992, p. 145)
Desde a cidade grega que, na sua organização, existia uma estratificação social, onde era visível uma diferenciação social, através da desigualdade na distribuição do poder (político, religioso, social, económico) entre a população. O poder de intervir na cidade não era um direito de todos os grupos sociais, como refere Guerra, “(…) a «Polis» era o lugar de
realização do ideal democrático só para algumas categorias sociais (…)”
(GUERRA, 1992, p. 148). Também os atores sociais dominantes geravam diferentes usos nas cidades medievais e barrocas, apropriando-se de espaços da cidade (GUERRA, 1992).
A cidade anterior à Revolução Industrial era um lugar cheio de vivências (Fig.7), coexistindo a residência e o trabalho, e por
Fig. 7 – The Former City Hall in Amsterdam, 1657
Fonte:https://anetorresiniblog.wordpress.com/2015/0 6/11/a-cidade-pre-industrial-como-centro-de-informacao-e-comunicacao/ (Consultado a 20 de
19 consequência os espaços de consumo, lazer e produção, sendo um local de união e de consagração do sistema social. Assim o indivíduo fazia parte de um todo, estava integrado, onde as relações de solidariedade existiam. Contrariamente ao indivíduo das cidades atuais que sofre com a individualização (GUERRA, 1992). Como salienta Guerra (1992) “a cidade, como fenómeno social, antecede a
industrialização” (GUERRA, 1992, p.149), mas a fragmentação do território é
notória a partir da era pós-industrial, marcada pela descontinuidade com a estrutura sócio espacial existente, caracterizada pela existência e rutura com os vários grupos sociais, organizações e territórios (SALGUEIRO, 1998). Como nos fala Guerra (1992), a estrutura da vida que se conhecia, até então, é demolida.
Inicialmente, na cidade industrial existia uma segregação funcional e social entre espaços homogéneos. Estes estavam ligados por relações de complementaridade e interdependência, que se traduziam num centro, ou numa área residencial, que dirigia o comércio e os serviços, estabelecendo assim uma hierarquia social (SALGUEIRO, 1998).
O fenómeno da segregação nasceu na cidade industrial e moderna, onde o urbanismo funcionalista moderno tem como pilar o zoneamento. Com a industrialização vem um afluxo de capital, a mobilidade social tornou-se exequível, transformando o local onde se habita num fator de reconhecimento. A organização dos bairros em função de razões culturais e sociais, traduz-se na valorização ou na desvalorização do solo (SALGUEIRO, 1998).
Fig. 8 – Fragmentação do território, cidade de Loures
Fonte:https://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/e/ec/Vista_A%C3%A9rea_do_Fanqueiro.jpg (Consultado a 5 de Março de 2019)
20 Guerra (1992), trata este assunto falando da continuidade e da descontinuidade social. A continuidade social tende a existir numa estrutura que é caracterizada por homogeneidade em termos de espaço e relações sociais, sendo que na apropriação do espaço não existem enclaves sociais significativos. Já a descontinuidade social é caracterizada pela heterogeneidade latente, por relações sociais complexas, que se traduzem em apropriações do espaço urbano completamente diferentes. Assim, segundo a autora, as relações sociais vividas no tecido urbano não são igualitárias. O resultado é uma cidade dividida por grupos sociais e atividades económicas, onde se desenvolve uma solidariedade orgânica, fruto da divisão do trabalho e das interdependências geradas (Fig.8). Deste modo, o centro é poderoso e diversificado, o oposto da periferia (SALGUEIRO, 1998).
Como consequência destas divisões, Rémy e Voyé (1997) falam-nos da importância de uma “ordem formal”, que tenha como base a necessidade de controlar as práticas sociais.
O espaço urbano toma uma configuração influenciada pela lógica capitalista. Verret (1973) debruça-se sobre este tema e chega a teorizar sobre a influência do capitalismo no espaço urbano. Indica assim a existência da manifestação de um
“espírito de racionalidade analítica” resultante do aumento da divisão do trabalho,
dos espaços e das funções, consoante o grupo social; a manifestação de um
“espírito de racionalidade económica”, bastante claro na organização da vida
doméstica, composto por uma racionalização dos meios; a manifestação de um
“espírito de racionalidade privativa” caracterizado por um retrocesso a nível público,
referente ao uso dos meios de consumo e produtos que anteriormente eram públicos e que passaram para a mão do privado.
Deste modo, percebemos como a cidade continua a gerar descontinuidades, dando origem a fenómenos como as periferias (GUERRA, 1992).
As periferias e os subúrbios rapidamente passaram a ser considerados lugares onde a estigmatização social abundava, pelo facto de os seus habitantes serem pessoas com poucos recursos e que não conseguiam alcançar os espaços de centralidade, gerando-se assim várias lacunas a nível social, cultural e económica (GUERRA, 1992).
Autores como Lefebvre e Régulier (1986) caracterizam as cidades mediterrânicas pela sua longa história, apesar das modificações a que foram sujeitas. Mas a descontinuidade também faz parte da história. Porém, a existência de descontinuidades espaciais e temporais na cidade, não é razão para partirmos para um exagero. Ou seja, as descontinuidades podem e devem existir, desde que sigam
21 as articulações e o existente e não desarticulem a cidade. Lefebvre (1986) chega à conclusão de que a cidade atual é contraditória, pela segregação que nela existe, fazendo com que a cidade não seja igual para todos, já que o modo de aceder à cidade não é idêntico (GUERRA, 1992).
Deste modo, é percetível que as pessoas das sociedades atuais são aglomeradas de acordo com a sua classe. Para percebermos melhor esta matéria, temos de entender como se desenvolve este processo de formação das identidades sociais. J. Pinto (1991) explica-nos isto através de um duplo processo, o processo de identificação e o processo de identização. O processo de identificação adequa os agentes sociais integrados em grupos sociais específicos. O processo de identização é uma operação que dá autonomia a esses grupos sociais em relação à sociedade, “(…) separando e separando-se, excluindo e excluindo-se, ou ainda,
distinguindo e distinguindo-se” (GUERRA, 1992, p.161).
Pinto (1991) explica que os grupos excluídos acabam por desenvolver uma vergonha cultural e, deste modo, assimilando certas inibições que se sobrepõem à sua potencialidade de criação de história e simbolismo. Assim, a identidade destes grupos é afetada, por lhes serem impostos novas fés, normas e valores, mesmo no que diz respeito à estrutura dos espaços públicos e privados. O mesmo acontece às pessoas que vêm de meios rurais para as grandes cidades, pois têm de aprender a reconstruir o seu próprio modelo de identidade. Podemos concluir que, por falta de referências próprias, certos grupos são alvo de marginalização. Isto acaba por se manifestar na interação do quotidiano, onde podemos observar grupos
“dominantes” simbolicamente e outros “dominados”. Isto leva a que exista um
desenvolvimento de lutas simbólicas, formando alguém que marginaliza e de quem é excluído, desencadeando sentimentos de injustiça social.
Assim, segundo Rémy e Voyé (1981), surge o conceito de violência simbólica, caracterizada pelo sentimento de quem está submetido a este exercício, deriva da sociabilização, é uma espécie de censura, aliás é uma construção social que passa a ser considerada normal.
Fig. 9 – Marcas de marginalização
Fonte: https://pixnio.com/pt/arquitetura/rua/grafite-rua-urbana-cidade-vandalismo-beco-velho-beco-colorido (Consultado a 1 de
22 Por outro lado, também não existe uma posição social em relação à marginalidade, acabando por se perpetuarem estas lutas simbólicas, de imposição de certas classes sobre outras (Fig.9). Algumas vezes, assiste-se a uma aceitação em relação à marginalização existente. Esta hétero e automarginalizarão patente pode ser um resultado da vida moderna, na sua complexidade. Da mesma forma que se foram criando subcidades, estes guetos urbanos, é da mesma forma que se geraram os seus sub-cidadãos. Pois ambos acabam por transportar uma imagem negativa, através do seu conformismo, da submissão em relação à restante sociedade (GUERRA, 1992).
Podemos dizer que a descontinuidade é construída através dos processos de marginalização e tende a delimitá-los espacialmente. Ou seja, os mais pobres, para além de serem colocados nas classes mais baixas da estrutura social, são também segregados pela sociedade, afastando-os dos seus direitos. A segregação, como conceito, está por norma enraizada em situações de marginalidade, seja por questões raciais, religiosas, educacionais ou económicas. Ultimamente, a palavra segregação tem sido empregada em momentos em que existe uma diferenciação num determinado processo social, principalmente no que diz respeito à questão da oportunidade, ou seja, de como os equipamentos coletivos, numa determinada região, estão acessíveis às várias classes sociais ou não (Fig.10). A possibilidade ou a não possibilidade de apropriação dos espaços urbanos, como motor de vivências, está estreitamente ligado à segregação socio-espacial. O conceito de apropriação torna-se num ponto decisivo, pois culmina na possibilidade de movimentação, de ação, de posse, de aprendizagem. Deste modo, podemos analisar três dimensões que a apropriação do espaço congrega:
Fig. 10 – Fila para o centro de emprego
Fonte:https://jornaleconomico.sapo.pt/wpcontent/uploads/2016/09/iefp_desempreg o_centro_emprego_2.jpg?w=850&h=531&q=60&compress=auto,format&fit=crop
23 - A apropriação económica: relacionada com o domínio quantitativo e qualitativo da evolução dos espaços de habitação, equipamentos e serviços;
- A apropriação sociocultural: que compromete a possibilidade de sociabilidade de um grupo, influenciando o modo como se desenvolve o seu estilo de vida próprio; - A apropriação psicossocial: relacionada com o modo como uma pessoa se identifica com os espaços, com base nos seus sonhos e expetativas, desenvolvendo uma memória coletiva, bem como a “preservação de (re)criação de redes de relações
de ordem afetiva” (GUERRA, 1992, p. 168).
Em grande parte das cidades atuais, o que se torna visível é que alguns grupos sociais, como idosos, desempregados, minorias étnicas, não possuem nenhum tipo de apropriação a nível económico e assim por consequência não intervêm na estrutura do espaço urbano e desta maneira tornam-se habitantes de zonas mais enfraquecidas economicamente e simbolicamente. Como resultado, surge a apropriação de zonas degradadas, construções clandestinas e bairros camarários, os quais, sendo espaços pouco valorizados, levam a dificuldades de apropriação psicossocial e sociocultural (GUERRA, 1992).
Podemos também perceber que a habitação e a sua localização também são o espelho de outra forma de exclusão, seja ela económica, simbólica e/ ou cultural (Fig.11). Os indivíduos que sofrem desta segregação, acumulam várias desvantagens em relação ao resto da população, seja a nível habitacional, de emprego, de formação e até social (GUERRA, 1992).
Fig. 11 – Exclusão social, Favela da Rocinha, Rio de Janeiro, Brasil
Fonte: https://4.bp.blogspot.com/--QQQLbs3Eys/WdoZBJGflqI/AAAAAAAAFPE/DFnCzc_vA-cBpUJS6X1Ddy2hakdLqcl0wCLcBGAs/s1600/rocinha.jpg (Consultado a 20 de Abril de 2019)
24 Com a progressiva especulação imobiliária, que está presente em quase todas a cidades, a habitação social aumenta, bem como os bairros camarários, transformando muitos destes lugares em guetos, muito por conta das separações sociais (Fig.12). No entanto, são já atualmente visíveis exemplos de junção de classes sociais no mesmo espaço. Esta estratégia tem como objetivo aliviar a segregação existente nos nossos dias. Porém, a mesma já se revelou insuficiente porque, apesar das pessoas partilharem o mesmo espaço, a distância social parece ser ainda mais ativada (GUERRA, 1992).
Tentando entender melhor o significado da estigmatização, como resultado da segregação, passaremos a descrever este conceito. O estigma pode ser sentido e visto de várias formas, pode estar na descredibilização de um determinado grupo social, considerando-o como fora da norma, quando em comparação com os restantes grupos. Desta forma, este grupo pode ser indesejado e posto de parte. As pessoas, por seu lado, sentem-se rejeitadas e inferiorizadas pela sociedade. Por vezes, podem ter mais dificuldades em encontrar trabalho, na obtenção de crédito na banca e na aquisição de determinados serviços. Além disso, os bairros onde habitam são extremamente vigiados pela polícia e serviços sociais (GUERRA, 1992).
Fig. 12 – Bairro Quinta da Fonte, Loures
Fonte:https://www.mundoportugues.pt/wp-content/uploads/sites/3/2018/09/quinta-fonte-600x400.jpg (Consultado a 20 de Abril de 2019)
25 Uma das principais características da cidade fragmentada é a capacidade de construir algo que gere uma diferença brusca em relação ao tecido pré-existente, como “um centro comercial numa periferia rural ou um condomínio de luxo no meio de
um bairro popular” (SALGUEIRO, 1998, p.41) (Fig.13). Desta maneira, surgem
ruturas entre os tecidos anteriormente ligados, anulando a continuidade do território, mesmo a existente entre o centro e a periferia, seja pelo aparecimento doutras centralidades ou porque o centro passa a ter outras funções (SALGUEIRO, 1998).
A cidade fragmentada tem propensão para uma mistura de usos, de menor especialização, porque os espaços que, outrora, eram áreas especializadas, hoje são espaços de atividades mistos (SALGUEIRO, 1998).
É também de salientar que a aleatoriedade de processamento destes novos acontecimentos urbanos pode surgir no centro, na periferia, podem nascer de imóveis degradados que foram reabilitados, de áreas obsoletas que sofreram renovações ou de habitação social. Esta aleatoriedade é fruto do mercado imobiliário pouco regulado e da especulação, não é fruto dos locais ou das suas condições, da distância ao centro ou às zonas de emprego (SALGUEIRO, 1998).
Fig. 13 – Condomínio de luxo, Colinas do Cruzeiro, Odivelas
Fonte: https://www.remax.pt/Apartamento-Venda-Odivelas-Odivelas_120611392-64 (Consultado a 12 de Junho de 2019)