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Uso de Agrotóxico e sua Ampla Potencialidade Lesiva

CAPÍTULO 5 – I MPACTOS A MBIENTAIS DO S ETOR S UCROALCOOLEIRO

5.3 As Usinas de Açúcar e Álcool e os Impactos Relativos aos Recursos Hídricos

5.3.4 Uso de Agrotóxico e sua Ampla Potencialidade Lesiva

Em uma sociedade na qual o consumo por alimentos cresce gradativamente, é inegável a necessidade da utilização de agrotóxicos.339 Entretanto, há que se respeitar

335 Itens 5.4, 5.4.1, 5.4.1.1 e 5.4.2 da Norma Técnica P. 4.231, de dezembro de 2006, da CETESB. 336 Item 5.7 da Norma Técnica P. 4.231, de dezembro de 2006, da CETESB.

337 Item 6 da Norma Técnica P. 4.231, de dezembro de 2006, da CETESB.

338 Assim como na parte que tratamos da vinhaça, justificamos o fato de tratar dos agrotóxicos no item do

trabalho onde abordamos os recursos hídricos porque, embora tal produto químico tenha seu primeiro contato com o solo, a potencialidade maior de impacto dar-se-á sobre os recursos hídricos. Aqui também não se descarta a possibilidade de degradação do solo, porém, vez mais, adotamos o critério de graduação de impactos.

certos limites. É exatamente neste ponto que a legislação se impõe, especialmente diante de seu alto potencial danoso.

No Brasil, a pesquisa, a experimentação, a produção, a embalagem e rotulagem, o transporte, o armazenamento, a comercialização, a propaganda comercial, a utilização, a importação, a exportação, o destino final dos resíduos e embalagens, o registro, a classificação, o controle, a inspeção e a fiscalização de agrotóxicos, seus componentes e afins340 encontram-se regulados pela Lei federal 7.802/89 e pelo Decreto 4.074/2002.

Os agrotóxicos341 são componentes químicos destinados a afastar, manter sob controle ou a eliminar organismos indesejáveis aos interesses humanos. São componentes, em sua maioria, de elevado grau de periculosidade e, se manejados, armazenados ou descartados indevidamente, podem causar sérios danos ao meio ambiente, à saúde e bem- estar humano. O uso indiscriminado, descontrolado, excessivo ou abusivo pode gerar, gradativamente, a degradação dos recursos hídricos, do solo e do ar.

Inicialmente, é importante ressaltar que, em relação aos agrotóxicos, embora entendamos ser possível aos Estados e Municípios legislarem sobre a matéria, hoje não se tem notícia de qualquer legislação estadual ou municipal que regule exclusivamente a utilização de agrotóxicos pelo setor sucroalcooleiro, devendo-se então observar a rigorosa Lei federal 7.802/89.

Destarte, as atividades agroeconômicas, dentre as quais se enquadra o setor sucroalcooleiro, que utilizam agrotóxicos devem se submeter ao procedimento de licenciamento ambiental e respectivo Estudo de Impacto Ambiental – EIA. Embora tenhamos reservado item específico para o licenciamento ambiental das atividades do setor sucroalcooleiro, neste momento faremos considerações quanto ao licenciamento ambiental especificamente em razão da utilização de agrotóxico pelo segmento.

339“Não se pode ignorar que é inafastável o uso de agrotóxicos, dada a crescente necessidade de se aumentar

a oferta de alimentos, pois são indispensáveis para reduzir perdas ocasionadas por seres nocivos. Mas esse uso deve atender, simultaneamente, a necessidade de se preservar o meio ambiente. Devemos atentar para a sustentabilidade” (MARQUES, José Roberto. Agrotóxicos (Lei 7.802, de 11 de julho de 1989). In: AZEVEDO, Mariangela Garcia de Lacerda; DELMANTO, Fabio Machado de Almeida; MORAES, Rodrigo Jorge. As leis federais mais importantes de proteção ao meio ambiente comentadas. Rio de Janeiro: Renovar, 2005. p. 190).

340 Art. 1.°, Lei 7.802/89.

341 Consideram-se agrotóxicos: “(a) os produtos e os agentes de processos físicos, químicos ou biológicos,

destinados ao uso nos setores de produção, no armazenamento e beneficiamento de produtos agrícolas, nas pastagens, na proteção de florestas, nativas ou implantadas, e de outros ecossistemas e também de ambientes urbanos, hídricos e industriais, cuja finalidade seja alterar a composição da flora ou da fauna, a fim de preservá-las da ação danosa de seres vivos considerados nocivos; (b) substâncias e produtos, empregados como desfolhantes, dessecantes, estimuladores e inibidores de crescimento” (art. 2.º, I, Lei 7.802/89). Os componentes dos agrotóxicos, por sua vez, são “os princípios ativos, os produtos técnicos, suas matérias- primas, os ingredientes inertes e aditivos usados na fabricação de agrotóxicos e afins” (art. 2.º, II, Lei 7.802/89).

Segundo o artigo 1.º, I, da Resolução Conama 237/97, o licenciamento ambiental é o “procedimento administrativo pelo qual o órgão ambiental competente licencia a localização, instalação, ampliação e a operação de empreendimentos e atividades utilizadoras de recursos ambientais, consideradas efetiva ou potencialmente poluidoras ou daquelas que, sob qualquer forma, possam causar degradação ambiental, considerando as disposições legais e regulamentares e as normas técnicas aplicáveis ao caso”, ou seja, o licenciamento é um conjunto de etapas que compõem um procedimento administrativo para a concessão de uma licença ambiental que visa atestar a regularidade ou possibilidade do desenvolvimento da atividade analisada.

Por sua vez, o Estudo de Impacto Ambiental – EIA é o estudo técnico sobre impactos ambientais que deve ser realizado previamente à instalação e funcionamento de obras ou atividades potencialmente lesivas ao Meio Ambiente. Faz parte do procedimento administrativo do licenciamento ambiental e tem como objetivo a prevenção e o monitoramento dos danos ambientais. É considerado como um mecanismo de planejamento de obras e atividades que, no desenvolver de seus trabalhos venham, de alguma forma, a repercutir no meio ambiente e na qualidade de vida da sociedade.

Tal obrigação encontra guarida, notadamente, na Lei 6.938/81 e no artigo 225 da Constituição Federal de 1988, que tratou especificamente do meio ambiente, além de ter respaldo nos princípios da prevenção e da precaução, nos moldes já abordados neste trabalho.

No setor sucroalcooleiro encontraremos basicamente três situações em relação a utilização de agrotóxicos e, portanto, o dever de observação das rigorosas disposições da Lei 7.802/1989.

A primeira quando a própria usina é proprietária de terras sobre as quais, em nome próprio, desenvolve todas as fases entre o plantio e a colheita da cana-de-açúcar. Nesta situação é responsável direta e exclusiva pela atividade agroeconômica desenvolvida e no caso da utilização de agrotóxicos deve se submeter ao licenciamento ambiental sob pena de ter sua atividade impedida, bem como responder nas esferas penal, civil e administrativa.

A segunda situação é aquela em que a usina não é proprietária das terras onde a matéria-prima é plantada, mas promove o plantio e respectiva colheita através de parceria ou arrendamento da propriedade rural de um terceiro. Nesse caso, havendo a utilização de agrotóxicos também deverão ser observadas as disposição da lei federal citada, bem como deverá ser providenciado o procedimento administrativo do licenciamento ambiental. Aqui, a diferença reside no fato de que a responsabilidade será solidária (e não exclusiva)

entre a usina e o terceiro, devendo ambas as partes redobrarem os cuidados quanto às prescrições da lei, de forma a não abandonar os seus encargos acreditando na sua suposta irresponsabilidade eventualmente estipulada em instrumento particular de parceria ou arrendamento.

A terceira situação é aquela em que a usina apenas e tão somente é compradora da cana-de-açúcar plantada e cuidada por terceira pessoa. Aqui, a responsabilidade de observação das disposições da Lei federal 7.802/89 é tão somente do proprietário da terra, que cultivou e fez uso do agrotóxico. Contudo, em nosso entender, nesse caso surge a responsabilidade subsidiária da usina por eventuais ilícitos ou danos ambientais.

Isto porque é a atividade desenvolvida pelas usinas que criam o interesse e a opção do terceiro plantar cana-de-açúcar para fornecimento àquela, de forma que é também responsável por eventuais danos ambientais que possam ser causados pelo plantio e utilização de agrotóxico. Por tudo isso é que, mesmo nessa situação, deve a usina manter certo controle sobre a produção da sua matéria-prima, de forma a certificar-se que o terceiro não está desenvolvendo sua atividade sem o devido licenciamento ambiental.

Quanto a responsabilidade administrativa, civil e penal pelos danos causados à saúde das pessoas e ao meio ambiente, no que diz respeito a produção, comercialização, utilização, transporte e destinação das embalagens vazias de agrotóxicos, dos seus componentes e afins, cabem a todas as pessoas, físicas ou jurídicas, envolvidas com tais produtos, ou seja, a responsabilidade exclusiva, solidária ou subsidiária recai sobre as usinas de álcool e açúcar, bem como sobre aqueles que com tal atividade se relacionam, nos moldes tratados.

Nos termos do artigo 14 da Lei 7.802/89, a tríplice responsabilidade recai sobre o profissional que prescreve indevidamente a utilização de agrotóxico; ao usuário ou prestador de serviços pela incorreta utilização; ao comerciante que não exige o receituário; ao registrante quando omite informações; ao produtor quando desenvolve sua atividade de forma ilícita; e ao empregador quando não adota as medidas necessárias de proteção ao seu trabalhador.342

342 “Art. 14. As responsabilidades administrativa, civil e penal pelos danos causados à saúde das pessoas e ao

meio ambiente, quando a produção, comercialização, utilização, transporte e destinação de embalagens vazias de agrotóxicos, seus componentes e afins, não cumprirem o disposto na legislação pertinente, cabem: “a) ao profissional, quando comprovada receita errada, displicente ou indevida;

“b) ao usuário ou ao prestador de serviços, quando proceder em desacordo com o receituário ou as recomendações do fabricante e órgãos registrantes e sanitário-ambientais;

“c) ao comerciante, quando efetuar venda sem o respectivo receituário ou em desacordo com a receita ou recomendações do fabricante e órgãos registrantes e sanitário-ambientais;

Em relação às usinas, quanto a utilização de agrotóxicos, a tríplice responsabilidade tem maior espaço quando na qualidade de usuária ou de empregadora, pois, na primeira condição pode ser responsabilizada pela incorreta aplicação desses produtos altamente danosos e, na segunda, pode ser responsabilizada caso seus empregados ou os empregados de seus parceiros operem em desacordo com as regras da lei.

Da forma exposta, nota-se que a lei tratou das responsabilidades administrativa, civil e penal, descrevendo as condutas de forma individualizada quanto ao receituário, às informações sobre o produto, à produção e manutenção dos equipamentos, regulando amplamente a matéria, não deixando espaço para eventuais situações de exclusão de responsabilidades.

Assim, considerando-se que a responsabilidade sobre os danos causados ao meio ambiente é tríplice e independente, andou bem o legislador ao descrever, especificamente, as condutas individuais de cada agente ligado ao processo que envolve os agrotóxicos, desde a fabricação até a fase pós-consumo.

Estabelecida a tríplice responsabilidade das usinas de álcool e açúcar, veremos então cada uma delas no desenvolver de sua atividade em relação aos agrotóxicos.

A responsabilidade administrativa encontra-se disposta no artigo 85 do Decreto 4.074/2002, descreve como infrações administrativas: “Art. 85. São infrações administrativas: I – pesquisar, experimentar, produzir, prescrever, fracionar, embalar e rotular, armazenar, comercializar, transportar, fazer propaganda comercial, utilizar, manipular, importar, exportar, aplicar, prestar serviço, dar destinação a resíduos e embalagens vazias de agrotóxicos, seus componentes e afins em desacordo com o previsto na Lei 7.802/89, e legislação pertinente; II – rotular os agrotóxicos, seus componentes e afins, sem prévia autorização do órgão registrante ou em desacordo com a autorização concedida; e III – omitir informações ou prestá-las de forma incorreta às autoridades registrantes e fiscalizadoras”.

Diante de tais disposições nasce a responsabilidade administrativa das usinas de álcool e açúcar pelo uso de agrotóxicos nas hipóteses em que armazenar, transportar, utilizar, manipular, importar, exportar, aplicar, prestar serviço, dar destinação a resíduos e embalagens vazias de agrotóxicos, seus componentes e afins em desacordo com a lei

“e) ao produtor, quando produzir mercadorias em desacordo com as especificações constantes do registro do produto, do rótulo, da bula, do folheto e da propaganda, ou não der destinação às embalagens vazias em conformidade com a legislação pertinente;

“f) ao empregador, quando não fornecer e não fizer manutenção dos equipamentos adequados à proteção da saúde dos trabalhadores ou dos equipamentos na produção, distribuição e aplicação dos produtos.”

federal que trata dos agrotóxicos,343 ou na hipótese de omitir ou prestar incorretas informações as autoridades competentes.344

Assim, uma vez apurada a infração nos moldes traçados pelos artigo 14 da Lei dos Agrotóxicos e artigo 85 do Decreto 4.074/2002, caberá, isolada ou cumulativamente, independente de medidas cautelares de estabelecimento e apreensão de produtos ou alimentos contaminados, a aplicação das seguintes sanções, segundo o artigo 17 da mesma lei especial: “I – advertência; II – multa de até 1000 (mil) vezes o Maior Valor de Referência – MVR, aplicável em dobro em caso de reincidência; III – condenação de produto; IV – inutilização de produto; V – suspensão de autorização, registro ou licença; VI – cancelamento de autorização, registro ou licença; VII – interdição temporária ou definitiva de estabelecimento; VIII – destruição de vegetais, partes de vegetais e alimentos, com resíduos acima do permitido; IX – destruição de vegetais, partes de vegetais e alimentos, nos quais tenha havido aplicação de agrotóxicos de uso não autorizado, a critério do órgão competente”.

As sanções administrativas acima referidas foram devidamente regulamentadas pelo artigo 86 do Decreto 4.074/2002 e a forma de autuação e os procedimentos específicos referentes a aplicação de cada sanção foram estabelecidas nos artigos 87 a 92 da mesma norma regulamentadora.

Cumpre esclarecer que, caso venha a existir alguma conduta que não tenha sido prevista nos dispositivos acima mencionados da legislação especial, deve então a responsabilidade administrativa ser buscada através do quanto dispõe o artigo 70, caput, da Lei 9.605/98, o qual considera “infração administrativa ambiental toda ação ou omissão que viole as regras jurídicas de uso, gozo, promoção, proteção e recuperação do meio ambiente”. O Decreto 6.514/2008 regulamentou a Lei de Crimes Ambientais e prevê as infrações administrativas ambientais.

Quanto a responsabilidade civil ambiental, segundo o artigo 14, § 1.°, da Lei da Política Nacional do Meio Ambiente (Lei 6.938/81), é cediço que é objetiva. Isso quer dizer que independe da comprovação de culpa para a responsabilização do sujeito causador do dano, sendo suficiente a demonstração do nexo causal entre a conduta (omissiva ou comissiva) e o resultado danoso.

Especificamente quanto aos agrotóxicos, uma vez apurada qualquer das condutas descritas no artigo 14 da Lei 7.802/89, as usinas de açúcar e álcool, bem como os demais agentes envolvidos responderão pela infração cometida.

343 Art. 85, I, Decreto 4.074/2002. 344 Art. 85, III, Decreto 4.074/2002.

Na esfera criminal, os ilícitos da Lei dos Agrotóxicos que fundamentam a responsabilização penal do agente infrator foram tratados pelos artigos 15 e 16345, a qual foi posteriormente alterada pela Lei 9.974/2000.346 Entretanto, diferentemente da responsabilidade civil objetiva, a condenação pela prática de ilícitos penais dependerá da comprovação do elemento subjetivo culpa ou dolo.