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Parte II – Temas Desenvolvidos ao Longo do Estágio

2. Consumo de Benzodiazepinas

2.1.3. Uso Prolongado das Benzodiazepinas

Já foi dito anteriormente que o consumo continuado de BZ pode levar a sintomas reflexos que, por sua vez, levam a dependência. A dependência acaba por induzir a continuação do tratamento e, com ela, a prescrição crónica e as consequências a longo prazo.

Grande parte da preocupação em torno das consequências das BZ emerge na população idosa. Tal como já foi explanado, a população idosa é aquela que mais consome este tipo de fármacos e com maior cronicidade.68 Esta constatação é paradoxal com o facto de que são os idosos que têm

maior risco de morbilidade associada às BZ mas, por outro lado, é expectável uma vez que o número de idosos a fazer tratamento prolongado com BZ reflete o entusiasmo que houve quando estas atingiram o seu pico de popularidade.

De facto, o uso de BZ por parte da população idosa está associada a um maior risco de queda, fraturas – cerca 50% mais elevado com o consumo de BZ 72 - acidentes rodoviários – 60 a 80% maior

risco72 - , dependência e, ainda, degeneração cognitiva.68, 72, 73, 78, 79

A degeneração cognitiva é algo preocupante nos idosos já que leva a perda de autonomia e a um declínio geral do indivíduo. Para além do défice a curto prazo, causado pelo efeito da amnésia retrógada e pela diminuição da atenção, está estudada a relação entre as BZ e a deterioração cognitiva e demência73, 80 Mesmo com a suspensão do tratamento, pensa-se que a deterioração da

cognição seja irreversível na totalidade para os utilizadores de longa data, apesar de uma melhoria do estado da cognição72, 73 A nível da demência, se já existir uma condição pré-existente, o uso das

BZ vai agravar a patologia, embora sejam frequentemente prescritas visto que um dos sintomas mais observados nas demências é a ansiedade.73, 80 Nessa linha, o estabelecimento claro de uma

causalidade entre as BZ e a demência não é ainda consensual uma vez que, muitas vezes, as BZ podem estar a ser usadas para controlar sintomas de um declínio cognitivo já instalado.73, 80

No geral, é claro que os riscos na utilização das BZ, especialmente nos adultos mais velhos, causa uma grande preocupação. Como já foi referido, a EMA emitiu em 1991 normas orientadoras que recomendam a utilização de BZ apenas em casos onde são necessárias, isto é, quando a doença é incapacitante e grave.71 Assim, nos RCM’s dos fármacos benzodiazepínicos está descrita esta

advertência, mostrando uma vez mais a importância do consumo e prescrição consciente.

O consumo exacerbado de BZ levou à criação de diferentes normas emitidas por diferentes organismos. Por exemplo, a Organização Mundial de Saúde (OMS) classificou o diazepam, lorazepam

34 e midazolam como fármacos essenciais. Por outro lado, a Sociedade Americana de Geriatria classificou todas as benzodiazepinas como fármacos que estão associados a piores resultados em saúde nos idosos63

As alterações às normas e os avisos feitos aos clínicos mencionados anteriormente são estratégias utilizadas para diminuir o número de novas prescrições. No entanto, é necessário que haja uma intervenção nos utentes que já são utilizadores de longa data de BZ. A suspensão abrupta do fármaco pode provocar síndrome de abstinência.73 Deste modo, é necessário planear uma

intervenção planeada e adequada ao doente.

Assim, estas medidas podem ser do tipo farmacológicas ou não farmacológicas. As farmacológicas consistem na substituição da BZ utilizada por outro fármaco.78 Um dos fármacos

utilizados para a substituição de BZ hipnóticas, em diferentes estudos, foi a melatonina78, 81 que, tal

como já foi referido no primeiro capítulo deste relatório, é um composto endógeno indutor do sono. Alguns trabalhos demonstraram que a substituição das BZ por melatonina tinha efeitos positivos na interrupção, sendo que os utentes que iniciavam o tratamento conseguiam ter um bom resultado na avaliação da qualidade de sono78, 81 Contrariamente, também foram publicados trabalhos onde a

melatonina não teve sucesso na descontinuação de BZ.73 Ainda, alguns tratamentos farmacológicos

consistem na substituição de uma BZ de curta-duração por uma de longa-duração para facilitar o desmame consequente.67, 73 No entanto, alguns autores constataram que esta não será uma opção

viável, quando comparada às outras existentes, nomeadamente às não farmacológicas combinadas com um desmame gradual.68, 73 As medidas não farmacológicas, por sua vez, passam por

intervenções cognitivas e comportamentais, aliadas a uma diminuição gradual da posologia que dura várias semanas.67, 73. A terapia cognitiva comportamental é um tipo de intervenção dirigida à resolução

de fatores que provocam ansiedade, ao desenvolvimento de competências para lidar com situações de stress psicológico e, ainda, à aquisição de ferramentas ansiolíticas.67 Para além desta última, a

aquisição de uma boa higiene de sono, através de hábitos que já foram mencionados neste relatório, permite a gestão de distúrbios relacionados com a insónia, durante a diminuição da dose.67

O tempo para a descontinuação é bastante variável. Por exemplo, um estudo demonstrou que indivíduos que fizeram um desmame durante 4 semanas, sendo que em cada semana diminuíam cerca de 25% da dose, obtiveram 60% de sucesso.73 Mas, o tempo necessário para descontinuar o

fármaco depende de cada indivíduo e deve ser sempre avaliado para cada caso.73

Existe um fator comum tanto a um tipo de intervenção como a outra que é a informação. Informar os doentes acerca dos benefícios da suspensão do tratamento e dos riscos do uso a longo prazo permite melhorar a adesão e facilita as restantes intervenções.65, 67 Deste modo, não é surpreendente

que as intervenções promovidas pelos profissionais de saúde e com foco nas medidas não farmacológicas tenha uma boa taxa de sucesso – 60% a 80% - em diferentes estudos.78

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2.2. Desenvolvimento do Projeto

2.2.1. Motivações e Planeamento

Desde os primeiros dias no atendimento, ficou claro que as BZ eram um grupo de fármacos largamente prescrito entre os utentes da FB. Para além disso, durante várias unidades curriculares foi evidenciado que a prescrição inadequada e o consumo excessivo de BZ eram um problema em Portugal. Sendo assim, um interesse pessoal aliado à observação acima referida, levou à ideia de desenvolver um questionário que avaliasse não só os fármacos mais utilizados e a sua indicação terapêutica, mas também, a duração do tratamento e a idade da primeira prescrição de fármacos benzodiazepínicos.

2.2.2. Questionário acerca do Consumo de Benzodiazepinas – Resultados e