2. REVISÃO DA LITERATURA
2.3. ANÁLISE FINANCEIRA: NOVAS ABORDAGENS
2.3.2. Value Based Management
2.3.2.2. Value Based Management – a definição
É neste ponto que a VBM marca a diferença, ao criar uma métrica de
desempenho precisa e não ambígua – o valor. WEAVER e WESTON (2002)
aludem a um estudo realizado com 51 empresas, nos Estados Unidos da
América, que passaram a apresentar como medida de performance o lucro
económico (valor) em vez de usarem o tradicional lucro contabilístico.
Decorrente deste estudo, foi possível detectar em todas elas melhorias
significativas de desempenho, decorrentes da reformulação das metodologias
de planeamento dos negócios que passaram a ser orientadas para a criação de
valor.
OXELHEIM e WIHLBORG (2002) notam que a VBM se tornou num
instrumento chave na avaliação ex ante e ex post das estratégias e dos projectos
das organizações, tendo por base de referência a maximização do valor para o
accionista. Dentro da abordagem feita pela VBM, foram trabalhados vários
pontos de análise. Estes autores salientam dois: Shareholder Value Analysis,
desenvolvido por Rappaport (1986) e o Economic Value Analysis, desenvolvido
por Stern e Stewart (1990).
A VBM, nos termos em que é referida por ROCHA e SELIG (2001) e
implantação de um sistema de remunerações variável, onde cada funcionário
recebe de acordo com o diferencial de valor criado.
OLSEN (1996) nota
fossem os proprietários da empresa. Prossegue dizendo que esta nova
abordagem incita claramente os responsáveis
assumir com muito mais disciplina as suas responsabilidades em termos de
criação de valor.
Figura
Avaliação de desempenho
de um sistema de remunerações variável, onde cada funcionário
recebe de acordo com o diferencial de valor criado.
nota que a VBM faz os gestores pensar e agir como se
fossem os proprietários da empresa. Prossegue dizendo que esta nova
em incita claramente os responsáveis operacionais, nas organizações
assumir com muito mais disciplina as suas responsabilidades em termos de
Figura 2 – Gestão baseada no valor
VBM Gestão baseada no valor Criação de valor (principal objectivo) Sistema de incentivos Modelo stakeholder
Fonte: adaptado de YOUNG (2000)
27
de um sistema de remunerações variável, onde cada funcionário
faz os gestores pensar e agir como se
fossem os proprietários da empresa. Prossegue dizendo que esta nova
as organizações, a
assumir com muito mais disciplina as suas responsabilidades em termos de
Sistema de incentivos
28
A existência de uma boa comunicação entre a empresa e os investidores é
indispensável, de modo a que não surjam os denominados value gaps5. A
empresa poderá fomentar esta comunicação fluida redigindo relatórios
financeiros transparentes e apostando em medidas que permitam obter uma
maior liquidez do mercado (PEIXOTO, 2001).
RAPPAPORT (1998) refere-se à necessidade de a gestão se guiar por
planos estratégicos que testem quais as tomadas de decisão que criam valor e a
importância de avaliar o desempenho com base no valor.
Toda a gestão de recursos humanos, técnicos e financeiros deve ser
realizada em função dos factores determinantes de valor (value drivers), sendo
assim imperioso compreendê-los e agir em função deles. Este autor distingue
macro value drivers de micro value drivers.
Dos macro value drivers, por um lado, fazem parte (i) o crescimento das
vendas, (ii) o número de anos em que é possível actuar numa posição de
vantagem competitiva, (iii) a margem operacional, (iv) o investimento em activo
não corrente e em necessidades de fundo de maneio, (v) os níveis de fiscalidade
5 “Value gap is the difference between the value of the company if it were operated to maximize shareholder value and its current market value. (…) The only compelling takeover defense is to close the value gap by delivering superior shareholder value” (RAPPAPORT, 1998)
29
e (vi) o custo do capital. Dos micro value drivers, por outro, fazem parte os
factores que influenciam directamente os macro value drivers.
Relativamente à influência que os micro value drivers exercem sobre os
macro value drivers, RAPPAPORT (1998) continua, ilustrando as seguintes
situações: a dimensão e a quota do Mercado, bem como o mix de vendas que
afecta o crescimento das vendas; o custo das matérias-primas, da mão-de-obra,
o número de trabalhadores e os preços de custo influenciam a margem
operacional; a estrutura de impostos vigentes afecta os impostos a pagar; o
nível de rotação dos inventários, os prazos médios de recebimento e pagamento
e os termos dos contraltos influenciam as necessidades de fundo de maneio; a
vida útil dos investimentos e a sua substituição, reparação e manutenção
determinam as aplicações de capital em activos não correntes; o custo do
Capital Próprio, o custo da dívida e a estrutura de capitais afectam o custo do
capital.
DAMODARAN (1998) conjuga os factores determinantes de valor com as
medidas correspondentes a ser adoptadas, apresentando uma cadeia de aumento
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Quadro 1 – Cadeia de aumento de valor
Maior controlo Payoff no curto prazo
Menor controlo Payoff no longo prazo VALUE DRIVERS
Activos actuais 1. Desinvestir em
activos/projectos com um valor de desinvestimento superior ao valor de continuação;
2. Liquidar projectos com valor de liquidação superior ao valor de continuação
3. Eliminar gastos operacionais que não gerem receitas ou crescimento;
4. Tirar partido da fiscalidade para aumentar o fluxo de caixa.
1. Reduzir as necessidades de fundo de maneio, reduzindo os inventários ou dívidas a receber, ou aumentando as dívidas a pagar;
2. Reduzir gastos de manutenção dos activos actuais;
3. Reduzir a taxa de imposto marginal.
1. Alterar a estratégia de preços dos produtos, de forma a maximizar as margens de lucro e o rácio de rotação;
2. Adoptar tecnologia mais eficiente para as operações com o intuito a reduzir gastos e melhorar as margens.
Crescimento esperado
Eliminar investimentos de capital cujo retorno seja inferior ao custo de capital.
Aumentar a taxa de reinvestimento ou de retorno marginal do capital, ou ambas, nos negócios.
Aumentar a taxa de
reinvestimento ou do retorno marginal do capital, ou ambas, em novos negócios.
Duração do período de crescimento elevado
Se qualquer um dos produtos ou serviços da empresa puder ser patenteado ou protegido, agir nesse sentido.
Utilizar economias de escala para obter um maior retorno do capital.
1. Criar uma marca;
2. Aumentar o custo de mudar de produto e reduzir o custo de mudar para o mesmo.
Custo de financiamento
1. Utilizar swaps e derivados para tornar o matching da dívida mais próximo dos activos da empresa;
2. Recapitalizar para ir ao encontro do rácio de endividamento óptimo.
1. Alterar o tipo de
financiamento e utilizar títulos inovadores;
2. Utilizar um mix de financiamento óptimo para os novos investimentos; 3. Tornar a estrutura de gastos mais flexível para reduzir a alavancagem operacional.
Reduzir o risco operacional da empresa, tornando os produtos menos discricionários aos clientes.
Fonte: adaptado de DAMODARAN (1998)
Os criadores e detentores da patente da métrica de avaliação que mais
31
empresarial – o EVA® 6 - apresentam um rol de ideias que clarificam um
conjunto de aspectos referentes a este novo modelo de gestão empresarial e que
a seguir se apresentam7.
As estratégias desenvolvidas e implementadas na VBM têm por objectivo a criação de ganhos superiores e sustentáveis para os accionistas. A gestão baseada no valor deve ter como metodologia de actuação um conjunto de procedimentos, a saber, nomeadamente:
Numa primeira fase, são feitas a investigação e a identificação da composição de activos que maximizam a criação de valor. De seguida, procede-se ao levantamento do modo como a empresa deve financiar esses activos, uma vez determinada a proporção ideal entre a dívida e o capital próprio. Com base nessas informações, a empresa procede ao planeamento e implementação da sua estratégia de criação de valor, com o objectivo de gerar ganhos para seus accionistas. Conforme a situação específica de cada empresa, a estratégia de criação de valor pode passar por diversos comportamentos que, ao serem postos em prática, conduzirão ao aumento do valor de capitalização da empresa.
6 O EVA® será adiante abordado de forma mais aprofundada.
7 EVA® é uma marca registada pela empresa de consultoria norte americana Stern Stewart & Co e esta informação foi retirada do sítio internet da empresa, com endereço www.sternstewart.com.
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A VBM pode ser entendida, seguindo a interpretação de KOLLER (1994),
como a conjugação8 de uma mentalidade baseada na criação de valor com os
processos e procedimentos de gestão necessários para transpor esta
mentalidade para o campo de acção. Assumindo individualmente cada um
destes itens, a sua performance é insuficiente. Assumindo-os em conjunto, é
possível obter impactos significativos e sustentados.
Ao referir-se a uma mentalidade baseada na criação de valor, este autor
reporta-nos para o facto de na VBM todos os gestores de topo (senior managers)
terem de estar perfeitamente cientes (i) que o objectivo último da empresa é
maximizar o seu valor; (ii) que existem regras claras no que concerne a decidir
quando outros objectivos podem sobrepor-se ao imperativo de criação de valor
e (iii) que eles próprios possuem uma sólida compreensão sobre quais as
variáveis de desempenho que fomentam e impulsionam a criação de valor na
empresa.
A obtenção de níveis de desempenho elevado exige que sejam
implementadas na organização medidas concertantes com a estratégia da
empresa que, por seu turno, requerem motivação por parte das equipas que as
8 KOLLER (1994) chama-lhe “marriage”, tendo-se no entanto achado mais conveniente utilizar a tradução “conjugação” em vez da tradução “casamento”.
vão implementar. YOUNG
como um sistema adicional para gerir a motivação de todos, alinhando
os interesses gerais da empresa.
Na figura seguinte resumem
criação de valor:
Figura 3 – Ciclo e princípios da gestão orientada para a criação de valor
Um sistema de remuneração ligado à criação Uma comunicação financeira eficaz
YOUNG (2000) nota que o sistema de incentivos se assume
como um sistema adicional para gerir a motivação de todos, alinhando
os interesses gerais da empresa.
Na figura seguinte resumem-se os princípios da gestão orientada para a
Ciclo e princípios da gestão orientada para a criação de valor
Fonte: adaptado de RAPPAPORT (1998)
Uma estratégia que fixe os objectivos da criação de valor Gestão dos recursos em função dos factores determinantes de valor Uma medida de desempenho de criação de valor Um sistema de remuneração ligado à criação de valor comunicação Princípios da gestão orientada para a criação de valor 33
nota que o sistema de incentivos se assume
como um sistema adicional para gerir a motivação de todos, alinhando-a com
da gestão orientada para a
Ciclo e princípios da gestão orientada para a criação de valor
de RAPPAPORT (1998) Gestão dos recursos em função dos factores determinantes de valor
A implementação destes princípios obedece a
baseado em quatro pilares
Figura 4
Measurement (Medida)
“We were doing very well
boom of the ‘90s. But, when our markets began to we
dropped pretty sharply, and our market value (…) went down along with them.” Sal Fazzolari, Journal of Applied Corporate Finance, Fall 2001
Os factos comprovam a discrepância entre o valor de mercado de
algumas empresas e o seu valor contabilístico. As práticas contabilísticas
9 Adaptado de www.sternstewart.com
implementação destes princípios obedece a um sistema de gestão
baseado em quatro pilares9:
Figura 4 – Gestão baseada no valor
Fonte: adaptado de www.s
edida)
We were doing very well – or at least appeared to be performing well – during the economic boom of the ‘90s. But, when our markets began to weaken in 1999, our returns on capital dropped pretty sharply, and our market value (…) went down along with them.”
Sal Fazzolari, Journal of Applied Corporate Finance, Fall 2001
Os factos comprovam a discrepância entre o valor de mercado de
algumas empresas e o seu valor contabilístico. As práticas contabilísticas
de www.sternstewart.com
VBM
34 um sistema de gestão de www.sternstewart.comduring the economic aken in 1999, our returns on capital dropped pretty sharply, and our market value (…) went down along with them.”
Sal Fazzolari, Journal of Applied Corporate Finance, Fall 2001 (SINGER, 2003)
Os factos comprovam a discrepância entre o valor de mercado de
35
tradicionais podem apresentar um quadro distorcido da realidade económica,
contrariando muitas vezes o próprio bom senso económico. Durante a
implementação da VBM, devem identificar-se quais são os ajustes requeridos
nos dados contabilísticos para aumentar tanto a precisão quanto a correlação
entre a medida de desempenho e a realidade económica. Em decorrência, são
criados incentivos para que os administradores tomem decisões que
maximizem o valor da empresa.
Mindset (Cultura)
“We are changing the culture of the organization. People are really starting to think about capital efficiency and shareholder value as their number one priority.”
Sal Fazzolari, Journal of Applied Corporate Finance, Fall 2001 (SINGER, 2003)
A implementação completa do sistema de gestão VBM somente se dá
num ambiente corporativo em que as pessoas estejam voltadas para a criação
de valor para o accionista. Essa visão de negócios é atingida após um intenso
programa de formação e comunicação. A VBM também ajuda a centralizar as
tomadas de decisão tendo em conta que responsabiliza – e recompensa – os
administradores pela criação de valor. A VBM é a génese de uma nova cultura
organizacional: a partir dela os administradores pensam e agem como os
próprios donos do negócio.
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Management System (Sistema de Gestão)
“Raising the financial sophistication of our managers was one of the key goals of our value-based management program… And as evidence of our commitment, one of the key deliverables in our (…) Project is what we call the Harsco ‘Corporate Finance Manual’. This manual contains a very detailed and comprehensive analysis of a variety of corporate transactions, everything from lease-versus-buy decisions to evaluation of major capital projects. In fact, we have tried to cover every type of financial situation that a manager is likely to encounter in the field.”
Sal Fazzolari, Journal of Applied Corporate Finance, Fall 2001 (SINGER, 2003)
A criação de valor somente será alcançada se os administradores
tomarem as melhores decisões. Medir apenas o valor económico não garante a
criação de valor: é necessário fazer dele o ponto central do sistema de gestão da
empresa, de tal forma que processos como a orçamentação, a análise de
investimentos, o estabelecimento de metas, a análise de fusões e aquisições e
quaisquer outros processos operacionais sejam encarados sob a óptica da
criação de valor. A utilização da VBM deve ser basilar para o sistema de gestão,
nomeadamente para todas as políticas, processos e métodos que guiam as
operações e a estratégia da empresa.
Motivation (Remuneração Variável)
“As we further grow our businesses, improve our processes, and provide the highest quality service to our customers, VBM will act as a framework to help ensure that the business decisions we make every day are focused on creating value”.
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Um dos aspectos mais importantes da implementação da VBM consiste
em definir um sistema de remuneração variável, capaz de redireccionar o foco
da gestão para o aumento do valor económico. Na gestão tradicional, os
administradores são incentivados a negociar orçamentos facilmente alcançáveis.
Normalmente os bónus atribuídos têm um tecto, induzindo os administradores
a nunca ultrapassar a meta sob pena de aumentar a expectativa sobre o seu
desempenho para o ano seguinte.
Com a VBM, as metas do plano de incentivo não são estabelecidas de
acordo com o orçamento mas sim pela expectativa de maximização da riqueza,
o que torna as bonificações ilimitadas. O sistema de remuneração variável cria
recompensas que estimularão o senso de propriedade dos administradores da
empresa.
Aquando da implementação da VBM é necessária prudência, para que
da adopção deste método de gestão não resulte um aumento da burocracia. De
realçar ainda que a empresa deve ficar atenta às informações geradas,
garantindo que estas são relevantes e que as comunicações de ocorrências
circulam bidireccionalmente, permitindo retornos de e para todos os níveis da
38
Mesmo sendo um processo longo e complexo (ROCHA e SELIG, 2001,
citando COPELAND, 2000), é possível apresentar uma lista de características
necessárias à implantação da VBM:
- Demonstrar apoio explícito e visível por parte da administração de topo;
- Estabelecer uma massa crítica de conhecimento sobre o modelo em todas as áreas da empresa;
- Integrar fortemente a VBM com todos os elementos do planeamento;
- Minimizar as questões metodológicas e privilegiar aplicações práticas;
- Analisar questões estratégicas específicas para cada unidade de negócio, ao invés de adoptar uma abordagem genérica;
- Assegurar a disponibilização de informações básicas (por exemplo, informações contabilísticas das unidades de negócio e parâmetros
externos de desempenho);
- Oferecer modelos de avaliação e formatos de relatórios de gestão comuns e fáceis de usar para agilizar a entrega dos mesmos;
- Vincular incentivos à criação de valor;
- Exigir que as solicitações de capital e recursos humanos tenham como justificação a criação de valor.
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O objectivo deste modelo de gestão passa por conseguir reunir uma
massa crítica de pessoas que irão usar a VBM através de workshops para a
familiarização com o modelo, modelo este que deve ser padrão para todas as
unidades de negócio, pois desta forma facilitar-se-á a sua consolidação. A VBM
deve pois, de forma contínua, maximizar o valor da empresa, orientado o
processo decisório desde as opções estratégicas até às decisões operacionais
(ROCHA e SELIG, 2001).