• Nenhum resultado encontrado

Destaque especial deve ser conferido ao que ora se denomina de van- tagens constitucionais complementares, a designar os direitos fundamen- tais sociais assegurados aos agentes públicos, consoante art. 39, § 3º, da CRFB/1988, que podem ser traduzidos em pecúnia, e também as parcelas de caráter indenizatório, que não devem ser computadas para fins de teto remuneratório, na forma do art. 37, § 11, da Carta Magna.

Entre os dispositivos expressamente mencionados pelo art. 39, § 3º, da CRFB/1988 estão os incisos VIII e XVII do art. 7º, que consagram a per- cepção de décimo terceiro salário e adicional de férias e, por conseguinte, devem ser pagos, igualmente, aos agentes políticos e servidores públicos.

Apesar de não constituírem verbas indenizatórias em essência, tais direitos sociais também não possuem o caráter remuneratório mensal, razão pela qual não estão abarcados pela “parcela única” do subsídio, consoante orientação do Pretório Excelso41.

Assim, é razoável o entendimento de que tais valores não devem se sujeitar ao “abate-teto” quando o seu somatório com a regular remuneração do agente superar os limites estabelecidos na Lei Maior, sob pena de total esvaziamento de tal garantia constitucional.

40 STF, RE 602043/MT, Tribunal Pleno, Rel. Min. Marco Aurélio, DJe 08.09.2017.

41 Acerca do tema, cumpre destacar a ementa do seguinte precedente: “Recurso extraordinário. Repercussão geral. Ação direta de inconstitucionalidade estadual. Parâmetro de controle. Regime de subsídio. Verba de representação, 13º salário e terço constitucional de férias. 1. Tribunais de Justiça podem exercer controle abstrato de constitucionalidade de leis municipais utilizando como parâmetro normas da Constituição Federal, desde que se trate de normas de reprodução obrigatória pelos Estados. Precedentes. 2. O regime de subsídio é incompatível com outras parcelas remuneratórias de natureza mensal, o que não é o caso do décimo terceiro salário e do terço constitucional de férias, pagos a todos os trabalhadores e servidores com periodicidade anual. 3. A ‘verba de representação’ impugnada tem natureza remuneratória, independentemente de a lei municipal atribuir-lhe nominalmente natureza indenizatória. Como consequência, não é compatível com o regime constitucional de subsídio. 4. Recurso parcialmente provido” (STF, RE 650898/RS, Tribunal Pleno, Rel. p/o Ac. Min. Roberto Barroso, DJe 24.08.2017).

Seria possível argumentar, ainda, que outros direitos assegurados pela Carta Magna também poderiam se sobrepor ao teto remunerató- rio, assim como o exercício de função gratificada, na forma do art. 37, V, da CRFB/1988, orientação que foi, recentemente, rechaçada pela Corte Suprema42.

Complexidade maior, no entanto, resulta da delimitação das parcelas de caráter indenizatório, a serem definidas por lei, que deveriam ser even- tuais, isoladas, impessoais e destinar-se à recomposição do patrimônio do agente público, por gastos decorrentes do exercício da função, excepcio- nadas do teto remuneratório tanto para os subsídios quanto para os venci- mentos.

A lógica da exceção é compreensível; afinal, não se pode onerar o agente político ou servidor público que tenha dispêndios para exercer a sua própria atividade, até porque a remuneração pelo trabalho extraordinário também é um direito fundamental social a eles garantido; logo, é certo que as parcelas em comento não podem ser incorporadas e tampouco levadas para aposentadoria.

Mas tais verbas têm sido utilizadas para escamotear situações que não constituem verdadeira reparação, na medida em que inúmeros auxílios vêm sendo instituídos por diferentes entes federativos e, muitas vezes, são pagos indistintamente para toda uma carreira, sem que tenham o efetivo substrato compensatório exigido pela Constituição.

Portanto, o que se verifica, na prática, é que, da mesma forma que o legislador não respeitava a diferença que se buscava entre adicionais e gratificações, ao se utilizar indistintamente de tais expressões, entre tantas outras, atualmente tem sido empregado nas leis o termo “verba indeniza- tória” para embasar a percepção de valores acima do teto remuneratório.

Ainda nesse tema, outra situação interessante já foi enfrentada pelo Pretório Excelso, em relação aos casos em que a remuneração do servidor, 42 Tal como se depreende do seguinte julgado: “Agravo interno em mandado de segurança. Tribunal de Contas da União. Teto constitucional. Procedimento de fiscalização. Ausência de afronta à Súmula Vinculante nº 3 e aos postulados do contraditório e da ampla defesa. Verbas indenizatórias a serem excluídas do abate-teto. Horas extraordinárias não caracterizadas. Acumulação de funções. Subserviência ao teto remuneratório. Agravo in- terno não provido. 1. O Supremo Tribunal Federal já reconheceu que as deliberações do Tribunal de Contas da União, em sede de procedimento fiscalizatório, prescindem de observância aos postulados do contraditório e da ampla defesa, eis que inexistem litigantes. Ausência de precedentes. 2. Não caracterizada contraprestação por serviços prestados extraordinariamente, não há falar em verbas indenizatórias a serem excluídas do cálcu- lo para efeitos de teto constitucional. 3. A acumulação de função comissionada com vencimento de cargo efe- tivo no âmbito de um mesmo órgão público deve estar em conformidade com o teto constitucional, consoante dispõe o art. 37, XI, da Carta Magna. Precedentes. 4. A inexistência de argumentação apta a infirmar o jul- gamento monocrático conduz à manutenção da decisão recorrida. 5. Agravo interno não provido” (STF, MS 32492-AgRg/DF, 2ª T., DJe 01.12.2017).

sujeita a “abate-teto”, constitui a base de cálculo para parcela de caráter indenizatório.

Consolidou-se, neste ponto, a orientação no sentido de que deve ser levado em conta o valor da remuneração com a devida redução para re- alização do cálculo, considerando ser o quanto o agente perceberia caso estivesse no exercício da função, de modo que a exceção do art. 37, § 11, da CRFB/1988 se aplicaria ao somatório da remuneração com as verbas indenizatórias, que poderia validamente superar o disposto no art. 37, XI, da CRFB/198843.

CONCLUSÃO

A própria ideia de República mostra-se refratária ao pagamento de supersalários pela Administração Pública brasileira.

Afinal, aquele que exerce função administrativa ou de Estado merece ser bem remunerado pela sua atividade, mas não pode pretender enriquecer à custa do Erário e, por conseguinte, de toda a população.

A Constituição de 1988, desde sua redação originária e com suas posteriores modificações, busca reduzir o espaço para gastos vultosos com seus agentes, que tanta indignação causa na opinião pública.

Contudo, a análise estritamente jurídica do tema demonstra como foi possível a manutenção de dispêndios tão altos, por tanto tempo, consi- derando, sobretudo, as perplexidades suscitadas pelo teto remuneratório, diante das oscilações da jurisprudência do Pretório Excelso acerca do tema.

Além disso, apesar da importância e do enorme préstimo para a so- ciedade, os valores divulgados mensalmente nos portais de transparência não podem ser tomados isoladamente, pois devem ser analisados em har- monia com demais normas constitucionais.

Desse modo, é possível que a remuneração de um agente político ou servidor público ativo ou inativo ultrapasse em um determinado mês, ou por 43 Neste sentido, destaca-se, entre outros: “Agravo regimental. Suspensão de segurança. Teto constitucional. Conversão de licença-prêmio em pecúnia. Incide o art. 37, XI, da Constituição Federal na base de cálculo de verba indenizatória, e não no valor total devido. Precedentes. Agravo regimental a que se nega provimento. I – No caso da licença-prêmio não usufruída, paga em pecúnia ao servidor aposentado, a conclusão pela natureza indenizatória é válida apenas no que se refere ao seu valor total (§ 11 do art. 37 da Constituição, na redação da EC 47/2005). II – O caráter indenizatório da parcela não se estende à remuneração do servidor, ainda que para o fim específico de cálculo da licença-prêmio, sob pena de violação do inciso XI do art. 37 da Constituição, na redação da EC 41/2003. III – Entendimento deste Supremo Tribunal Federal no sentido de que afronta a ordem pública a decisão que afasta a aplicação do teto constitucional. IV – Agravo regimental a que se nega provimento” (STF, SS 4404-AgRg/SP, Tribunal Pleno, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, DJe 19.09.2016).

certo período, o subsídio determinado por lei para os Ministros do Supremo Tribunal Federal, pois a ele pode estar acrescido o pagamento das ora de- signadas vantagens constitucionais complementares.

O que não se pode admitir, sob pena de violar uma série de princípios constitucionais, em especial o da moralidade e aqueles fundantes do Estado Democrático de Direito, é que a expressão parcela de caráter indenizatório seja utilizada pelo legislador para burlar os caros limites estabelecidos na Constituição.

REFERÊNCIAS

BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de direito administrativo. 32. ed. São Paulo: Malheiros, 2015.

BRESSER-PEREIRA, Luiz Carlos. A Reforma do Estado dos anos 90: lógica e mecanismos de controle. Disponível em: <http://www.bresserpereira.org.br/ documents/MARE/CadernosMare/CADERNO01.pdf>. Acesso em: 31 jan. 2018. CARVALHO FILHO, Jose dos Santos. Manual de direito administrativo. 30. ed. São Paulo: Atlas, 2016.

DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 30. ed. São Paulo: Atlas, 2017.

______. Servidores públicos na Constituição de 1988. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2015.

DUARTE NETO, Claudionor. O Estatuto do Servidor Público (Lei nº 8.112/90), à luz da Constituição e da jurisprudência. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2011.

JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de direito administrativo. 11. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015.

MEDAUAR, Odete. Direito administrativo moderno. 14. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010.

MEIRELLES, Hely Lopes; ALEIXO, Délcio Balestero; BURLE FILHO, José

Emmanuel. Direito administrativo brasileiro. 40. ed. São Paulo: Malheiros, 2014. MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de direito constitucional. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2013. MODESTO, Paulo. Remuneração, subsídio e indenização: notas para uma semântica republicana. Disponível em: <http://www.direitodoestado.com.br/ colunistas/paulo-modesto/remuneracao-subsidio-e-indenizacao-notas-para-uma- -semantica-republicana>. Acesso em: 2 fev. 2018.

______. Teto constitucional de remuneração dos agentes públicos: uma crônica de mutações e emendas constitucionais. Disponível em: <http://www.bresserpereira. org.br/Terceiros/Autores/Modesto,Paulo/Modesto1.pdf>. Acesso em: 31 jan. 2017.

Improbidade Administrativa. Indisponibilidade de Bens. Inclusão da