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Como bem lembra Chiavenato (1999), as organizações não existem no vácuo, nem estão sozinhas ou isoladas do mundo. O ambiente da organização é influenciado por acontecimentos externos, como, por exemplo, as violências que ocorrem na sociedade, constituindo, assim, grande desafio aos seus administradores. Por sua vez, para Dubet (2006), a violência é multifacetada: ela pode ser individual, coletiva, organizada, imprevisível, irracional, ritualizada. E, ainda, silenciosa (CASTRO SANTANDER, 2007). São essas várias facetas que conferem ao termo violências múltiplas definições, justificando a queixa de tarefa delicada, entre os pesquisadores, já que não existe consenso na literatura. Todavia, é possível afirmar que não se trata de um fenômeno recente e de um desafio apenas brasileiro (GOMES,

2006; DEBARBIEUX, 2007), embora ela tenha se tornado uma das características da sociedade brasileira (NOGUEIRA, 2006).

Charlot (2005) tece alguns comentários relevantes acerca desse conceito. Para ele, a violência não existe, mas, sim, os atos, os gestos, as agressões, as ameaças, as palavras, as brincadeiras e até silêncios, que matam, ferem, machucam, ofendem, aborrecem, frustram etc. Considera que a palavra violência não é e não se pode tornar um conceito científico, por mais esforços que fizerem os pesquisadores. Trata-se, portanto, de uma palavra-valor, uma palavra que implica referências éticas, culturais e políticas. Considera Charlot (2005) que o pesquisador não pode definir a violência, porém, enquanto ser humano, não pode deixar de ter uma opinião, reconhecida ou oculta, acerca do que é impossível aceitar na forma como se tratam os seres humanos. Essa tensão entre postura científica e ética é ainda maior quando a pesquisa diz respeito à educação. Considera que, como pesquisador envolvido na questão da educação, se tivesse que propor uma definição de violência, esta seria a seguinte: “Violência” é o nome que se dá a um ato, uma palavra, uma situação etc., em que um ser humano é tratado como objeto, sendo negados seus direitos e sua dignidade de ser humano, de membro de uma sociedade, de sujeito insubstituível (CHARLOT, 2005, p. 24).

Nos últimos tempos vêm se desenvolvendo novos paradigmas da violência, pelos novos significados que assume, ampliando-se o conceito e incluindo eventos que passavam por práticas costumeiras nas relações sociais. Assim, pode-se afirmar que a definição do termo violências está em constante aprimoramento.

A dificuldade de definição da violência se deve ao fato de ser um termo dinâmico, relativo e mutável, dependendo, portanto, do momento histórico, da localidade, do contexto cultural e de uma série de outros elementos que lhe atribuem caráter de dinâmico (PRINA, 2003; ABRAMOVAY, 2005; DEBARBIEUX, 2007).

Estudos realizados evidenciam que a capital brasileira é também acometida pelas violências na escola e na sociedade, o que leva ao reconhecimento da necessidade de intensificar os esforços para superá-las (ALMEIDA, 1999, ABRAMOVAY et al, 2002; ABRAMOVAY, NUNES, 2005; GOMES, 2006).

Para Fernandez (2005), a violência não é uma conduta natural. Considera ser o uso desonesto, prepotente e oportunista do poder sobre o oponente, sem ser legitimado para isso. Esse fenômeno vem despertando várias áreas do conhecimento. As teorias psicológicas têm contribuído para compreender o comportamento agressivo. Entretanto, o debate sobre a natureza psicológica continua em aberto e as possibilidades de dispor de um padrão conceitual

para compreender o fenômeno das violências continuam remotas. Afirma Fernandez (2005, p. 25) que os processos psicológicos possuem duas grandes raízes: a biológica e a sociocultural, entretanto, nenhuma das duas justifica a violência.

Assim, há várias definições apresentadas por pesquisadores do assunto. Para Michaud (1989, p.11), há violência quando, numa situação de interação, um ou vários atores agem de maneira direta ou indireta, maciça ou esparsa, causando danos a uma ou várias pessoas em graus variáveis, ou seja, em sua integridade física, moral, em suas posses, ou em suas participações simbólicas e culturais. Para Abramovay et al. (2002), em sentido estrito, entende-se violência como a intervenção física de um indivíduo ou grupo contra a integridade de outros indivíduos ou grupos e também contra si mesmo.

Embora não haja consenso entre os especialistas acerca do que deve ser entendido como ato de violência (ABRAMOVAY, 2006), verificou-se na literatura semelhança de interpretações por parte de alguns pesquisadores quando consideram que a violência não é uma conduta inata do ser humano, mas aprendida. Trata-se de fenômeno construído nas relações e interações entre os sujeitos (BOGGINO, 2005; KOEHLER, 2006; DEBARBIEUX, 2007; CASTRO SANTANDER, 2008). Fruto dos conflitos entre posturas diferentes e pontos de vista distintos que são rechaçados e, uma vez não tolerados, vai gerando culturas institucionais que contêm traços violentos (ABRAMOVAY, 2006). Por se tratar de um processo irregular e repetido entre vítimas e agressores, às vezes tênue e dificilmente perceptível, pode causar graves danos aos envolvidos (CASTRO SANTANDER, 2008). Portanto, as violências oriundas de conflitos, construídas e/ou aprendidas, podem ser desaprendidas e desconstruídas, mas, sobretudo prevenidas por meio dos laços sociais em qualquer meio de convivência para aprenderem a tolerar e respeitar uns aos outros.

Algumas vezes o conceito de violência é associado erroneamente a conflitos. Não se pode esquecer que o conflito é um processo usual da relação humana, onde há confronto de interesses, pois a convivência não é plana (ORTEGA; DEL REY, 2002; FERNANDEZ, 2005; CASTRO SANTANDER, 2008). Sendo assim, está errada a forma como os atores procuram resolvê-los, por meio de ações violentas. Nesse caso, destaca-se a importância de um adulto como mediador desses conflitos de modo a evitar as violências, aproveitando-os como oportunidade de questionamento e de diálogo, isto é, para aprender a dominar a própria agressividade, para não afetar os outros (FERNANDEZ, 2005).

6.2.1 As violências na organização escolar

A escola é, por excelência, local de aprendizagem e constituição do indivíduo como cidadão (CASTRO SANTANDER, 2008; SIFUENTES, 2008). Entretanto, ela não escapa às violências que ocorrem na sociedade. Comprometeu a escola pública, privada e, mesmo, a confessional (cf., p. ex., LIPPELT, 2004; GOMES, 2006) deixa de ser lugar de referência. No processo de democratização do país, o aluno, a relação escola-sociedade, a família e o sentido da escola mudaram (KOEHLER, 2006), isto é, a escola mudou em face da sociedade e recebe novos desafios.

Verifica-se que a educação é um fenômeno social e universal, sendo atividade humana necessária à existência e ao funcionamento de todas as sociedades que deve, juntamente com a família (Constituição Federal - CF)., Art. 205, BRASIL, 2008) propiciar o desenvolvimento de capacidades essenciais do indivíduo, isto é, aprender a conhecer, a fazer, a conviver e a ser (DELORS et al., 1998), preparando-o para participar das várias instâncias da vida social, isto é, cuidar da formação dos indivíduos (ABRAMOVAY; RUA, 2002; CASTRO SANTANDER, 2008). Para Koehler (2006, p. 214), a família e a escola são poderosas instituições que interferem na educação das crianças e adolescentes. Entretanto, além dos danos da violência na instituição familiar, cada vez mais repercute a ideia de que as escolas estão se tornando territórios de violências, ou seja, o espaço de ordem de outrora é hoje local que reina a “bagunça” (GOMES, 2005a). Entretanto, embora a escola não seja capaz de resolver todos os problemas, nem de compensar as desvantagens sociais, ela pode influenciar seu próprio clima e a violência que ocorre dentro de seus muros (BLAYA, 2002; NOGUEIRA, 2006). Assim, cabe à escola de hoje resgatar o seu papel, e vencer seus desafios. Deve, pois, cuidar da formação dos indivíduos, permitindo não apenas seu desenvolvimento intelectual, mas também moral, para a efetiva participação na vida em sociedade.

6.2.2 Tipos de violências na organização escolar

As violências se constroem nas relações interpessoais (KOEHLER, 2006), sendo por isso fatos multicausais, ocorrentes pela dificuldade que o indivíduo tem para comunicar uma

ideia, um ponto de vista, um estado de ânimo. A isso Castro Santander (2005) chama de analfabetismo emocional, em que o indivíduo perde a compostura e o equilíbrio emocional. Este pensamento é reiterado por Dubet (2006), ao considerar as violências como condutas que os atores sociais escolhem no momento em que são confrontados com elas ou com suas representações. Assim, as normas e as sanções aplicadas são necessárias para restabelecer o clima escolar, entretanto, elas sozinhas são insuficientes para controlar o ambiente, já que elas não modificarão a conduta violenta (CASTRO SANTANDER, 2005).

Vianna e Neves (2006) afirmam que as condições exteriores definem as formas de violência escolar, mas se trata também de fenômeno produzido pela própria instituição. Charlot (2002) considera que existe a violência na/da e contra a escola. Para ele, a violência escolar classifica-se em três níveis: violência física (golpes, ferimentos, violência sexual, roubos, crimes, vandalismo), incivilidades (humilhações, palavras grosseiras, falta de respeito) e violência simbólica ou institucional (ex., ensino como desprazer, relações de poder entre alunos e professores etc.). No que se refere à violência institucional, a avaliação do clima escolar por meio da percepção de seus atores é imprescindível para o planejamento das ações e superação das violências. Não pode, pois, declarar-se contra as violências, sendo também autora dela.

Prina (2003, p. 154) considera que as violências no espaço escolar possuem diferentes acepções (voz, reação, identidade, protesto e conformismo), estreitamente relacionadas, por um lado, às referências culturais do contexto no qual vivem as crianças e adolescentes (família e contexto social) e, por outro, ao funcionamento da instituição escolar (clima geral, percepção do problema, formas de reação a suas manifestações por parte das autoridades escolares, dos professores, do pessoal não - docente). A ocorrência dessas, no espaço escolar, aparece na maioria das vezes de forma interligada, formando uma teia ou um círculo vicioso onde nenhum de seus atores está livre. Contribuem para a insegurança de toda a comunidade, construída em práticas cotidianas dentro da escola (ABRAMOVAY, 2005), além das violências que ocorrem fora dos seus muros.

Quando as situações de violências, mesmo sob a forma de incivilidades, não são resolvidas corretamente, implica insegurança, impunidade, absenteísmo, reprovação, evasão dos alunos e, ainda, em consequências mais graves, como o aumento de crimes/ contravenções e atos infracionais, influenciando, assim, a apreciação que os atores têm pela escola que frequentam.

Deste modo, nota-se que as violências em suas diversas manifestações violam o direito à educação de qualidade, já que não basta frequentar a escola para se considerar inserido (SIFUENTES, 2008). As violências intra e extramuros não permitem alcançar êxito em suas ações educativas. Portanto, a banalização dos fatos, a falta de conscientização de alguns atores escolares, bem como o “cruzar os braços” e, mesmo, a falta de sabedoria e/ou consciência para tentar resolver os conflitos e as violências contribuem consideravelmente para o descrédito da escola enquanto instituição formadora, já que ela fica estigmatizada, além de contribuir para o fracasso escolar e as desigualdades sociais.