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SUMÁRIO

Capítulo 1 – O comportamento dos bancos em uma economia monetária

1.2. Teoria neoclássica da firma bancária: diferentes abordagens

1.2.1. A abordagem keynesiana ortodoxa da firma bancária

1.2.1.2. A “visão nova” de Tobin

O principal ponto em comum dos trabalhos de Gurley e Shaw (1955) e de Tobin (1987) relaciona-se à crítica que ambos fazem à teoria do multiplicador bancário, segundo a qual os bancos comerciais criam moeda bancária de forma passiva.

O tratamento dado à firma bancária na abordagem keynesiana ortodoxa ou velho keynesiana evoluiu de uma visão vinculada à teoria do multiplicador bancário, que Tobin (1987) denominou de “old view” (“visão velha”), para outra em que as instituições financeiras procuram satisfazer tanto as preferências de portfólio de agentes econômicos superavitários, quanto as dos deficitários; ao mesmo tempo em que procuram maximizar seus ganhos financeiros, que Tobin (1987), em contraposição à “visão velha”, denominou de “new view” (“visão nova”).

De acordo com a “visão velha”, os bancos comerciais teriam o poder de criar moeda bancária14 de forma ilimitada, sendo restringidos apenas pelos requerimentos legais de reserva determinados pelas autoridades monetárias. Dessa forma, o volume total de depósitos à vista dos bancos comerciais não passaria de

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uma mera questão de aritmética, representando apenas o resultado do produto do total de suas reservas pelo multiplicador bancário (correspondente ao inverso da taxa de reservas exigida pelo banco central).

Os principais questionamentos de Tobin (1987), concernentes à “visão velha”, estão relacionados ao fato de que a criação de moeda não depende exclusivamente de uma dada base de reservas e do requerimento de reservas determinado pela autoridade monetária e nem do protagonismo que a teoria do multiplicador bancário confere aos bancos comerciais no processo de criação de moeda. Tobin sustenta a sua argumentação com base em três críticas principais à “visão velha”.

A primeira delas diz respeito ao fato de que a “visão velha” trata o conjunto dos bancos comerciais como um ente único, reduzindo-o a um único banco comercial monopolista, conforme afirma Paula (2014). Dessa forma, os empréstimos concedidos por um determinado banco retornariam integralmente ao mesmo sob a forma de depósitos bancários, com as suas obrigações (depósitos à vista) acompanhando necessariamente o crescimento de seus ativos (empréstimos), o que, segundo Tobin (1987), seria o mesmo que afirmar: “[...] depositors entrust to

bankers whatever amounts the bankers lend” (Tobin, 1987, p. 272).

Segundo Tobin (1987), quando se toma um banco comercial de forma individual, dentre um conjunto de bancos comerciais, não há garantia alguma de que os empréstimos concedidos por aquele banco em particular retornem a ele sob a forma de depósitos bancários e nem de que seus depósitos à vista acompanhem

pari passu o crescimento de seus empréstimos, mesmo após sucessivas rodadas de

concessão de empréstimos e de criação de moeda bancária. Isto porque tais empréstimos15 poderiam acabar sendo depositados, parcial ou integralmente, em algum outro banco comercial ou ainda investidos em alguma das diversas alternativas de aplicações financeiras oferecidas pelos demais bancos comerciais ou por outras instituições financeiras não bancárias16.

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Na verdade, não são os empréstimos (ativos bancários) que são depositados em outras instituições financeiras, mas sim os depósitos à vista (passivos bancários) originados por aqueles empréstimos.

16 No Brasil, o conjunto de instituições financeiras não bancárias é composto por: associações de poupança e

empréstimo; bancos de desenvolvimento (incluído o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social - BNDES); bancos de investimento; companhias hipotecárias; sociedades de arrendamento mercantil; sociedades corretoras e distribuidoras de valores mobiliários; sociedades de crédito, financiamento e investimento; e sociedades de crédito imobiliário.

O autor ainda argumenta que outros dois fatores também devem ser considerados na determinação dos volumes de depósitos dos bancos comerciais: i) os bancos não estão limitados por quaisquer quantidades dadas de reservas, uma vez que também podem obtê-las por meio de empréstimos tomados do banco central17 ou no mercado interbancário, bem como pela venda de ativos; e ii) mesmo na hipótese de um banco comercial monopolista, este ainda poderia perder depósitos em função de eventuais fluxos de capitais para o exterior e da quantidade de moeda que o público decidisse manter em seu poder.

A segunda crítica de Tobin (1987) refere-se ao tratamento especial que é dado aos bancos comerciais em razão da natureza de seus depósitos à vista, considerados meios de pagamento, assim como o papel-moeda em poder do público, o que acaba por dividir as instituições financeiras entre aquelas que criam meios de pagamento ou moeda escritural18 (bancos comerciais) e as que não criam (as instituições financeiras não bancárias). Tobin não concorda com esse tratamento especial dado aos bancos comerciais, deixando a sua opinião evidente na seguinte passagem: “The special attention given to commercial banks in economic analysis is

usually justified by the observation that, alone among intermediaries, banks ‘create’ means of payment. This rationale is on its face far from convincing” (TOBIN, 1987, p.

275).

Além disso, em que pese o fato de os bancos comerciais poderem criar moeda bancária apenas por meio da concessão de empréstimos, ao creditarem, em contrapartida, as contas correntes de seus clientes, Tobin (1987) o entende como superficial e irrelevante para ser utilizado como argumento que possa diferenciar os bancos comerciais das demais instituições financeiras não bancárias. Isto porque, se por um lado, essas últimas não podem criar moeda escritural da mesma forma que

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Apesar de Tobin reconhecer que os bancos comerciais podem tomar reservas emprestadas diretamente da autoridade monetária ou no mercado interbancário, o autor afirma que aqueles bancos não criam meios de pagamento, isto é, novo poder de compra, por considerar a oferta de moeda como exógena, ponto que será abordado adiante.

18 Segundo Simonsen e Cysne (1995, p. 21): “Por definição, moeda escritural [ou moeda bancária] corresponde

aos depósitos à vista do público nos bancos comerciais e no banco central, excetuando-se aí os depósitos da União no banco central”. No caso específico do Brasil, a Constituição de 1988 determina que os recursos do Tesouro Nacional sejam depositados exclusivamente no BCB, enquanto os recursos de pessoas físicas e demais pessoas jurídicas (incluindo governos estaduais e municipais, autarquias e sociedades de economia mista) sejam depositados nos bancos comerciais. Na prática, como o BCB não aceita depósitos do público (exceto os da União), a moeda escritural no Brasil pode ser representada apenas pelos depósitos do público nos bancos comerciais.

os bancos comerciais, por outro lado, os recursos que aqueles bancos depositam nas contas de seus clientes (em contrapartida aos empréstimos) são imediatamente utilizados, aumentando o volume de seus depósitos à vista não mais do que por um breve momento (TOBIN, 1987, p. 276).

O autor também afirma que a vantagem proporcionada pelas contas correntes dos bancos comerciais seria limitada, uma vez que os depósitos à vista, embora sejam considerados meios de pagamento, não pagam juros19, de tal sorte que não conferem nenhuma imunidade àqueles bancos na competição por fundos com as demais instituições financeiras, as quais também podem atrair recursos para as suas operações de crédito por meio de diferenciais de juros em seus depósitos a prazo, dada a variação da demanda do público por depósitos à vista em função das taxas de juros pagas pelas demais alternativas de investimentos (TOBIN, 1987, pp. 275-276).

Assim, no sentido da argumentação de Tobin, um aumento das taxas de juros dos depósitos a prazo implicaria uma diminuição da demanda do público por depósitos à vista; enquanto uma diminuição das taxas de juros dos depósitos a prazo implicaria um aumento da demanda por depósitos à vista.

Outro ponto importante destacado por Tobin (1987) e ainda relacionado à sua segunda crítica diz respeito ao seu questionamento sobre o que deve ser considerado meios de pagamento. Por convenção, meios de pagamentos são ativos de liquidez imediata representados pela moeda corrente em poder do público e pela moeda escritural (depósitos à vista nos bancos comerciais). Todavia, segundo Tobin (1987, p. 275), além de os depósitos a prazo compartilharem muitos dos atributos dos depósitos à vista, as instituições financeiras não bancárias raramente exercem o seu direito de exigirem aviso prévio para o resgate de recursos investidos naqueles depósitos.

Tobin (1987) argumenta que alguns depósitos a prazo e outros ativos financeiros de elevada liquidez tornariam pouco nítida a separação entre os ativos que são considerados “moeda” daqueles que não são; ou seja, os contornos de ambos os conjuntos de ativos não seriam precisos ou não estariam bem definidos, com um se sobrepondo ao outro.

19 As legislações de alguns países permitem o pagamento de juros sobre os depósitos à vista, porém, é comum

Dessa forma, a “visão nova” tende a tornar difusa tanto a distinção entre os ativos que são considerados “moeda” e aqueles que não são, quanto a distinção entre bancos comerciais e os demais intermediários financeiros.

Tobin (1987) considera que os bancos comerciais e as demais instituições financeiras não bancárias operam de forma similar, isto é, competem pelos recursos dos agentes econômicos superavitários com o objetivo de constituir o

funding necessário às suas operações de crédito destinadas a financiar os agentes

econômicos deficitários, da mesma forma como preconizam Gurley e Shaw (1955). Segundo o autor, as diferenças entre ambos os tipos de instituições financeiras estariam mais relacionadas aos requerimentos legais de reservas e ao não pagamento de juros sobre os depósitos à vista do que ao fato de os mesmos serem considerados meios de pagamento.

Embora Tobin reconheça que a natureza dos depósitos à vista20 confira certos privilégios aos bancos comerciais, como a possibilidade de poderem captar reservas diretamente do banco central ou no mercado interbancário, o autor não percebe a relevância desse ponto para a sua análise, muito provavelmente por se concentrar na demanda e na oferta de todo o espectro de ativos, bem como por considerar a oferta de moeda como determinada exogenamente pelo banco central, que administraria a base monetária por meio de controles quantitativos21.

A terceira crítica está vinculada ao papel que cabe às preferências do público na determinação do volume dos depósitos à vista. Tobin (1987) divide o público entre tomadores e emprestadores de recursos, cada qual com as suas respectivas preferências de portfólio, com os primeiros desejando se endividar para adquirir novos ativos, seja para consumo ou investimento, e os últimos desejando aplicar parte de sua riqueza em ativos financeiros com baixo risco de default. Os empréstimos concedidos aos tomadores de recursos constituem os ativos das instituições financeiras, enquanto seus passivos são constituídos pelos ativos dos emprestadores de recursos. Segundo Tobin, o propósito primordial das diversas instituições financeiras, incluindo os bancos comerciais, seria o de satisfazer simultaneamente as preferências de portfólio de agentes econômicos deficitários e superavitários, ao mesmo tempo em que procuram maximizar a sua rentabilidade,

20 Aspecto que será discutido com maiores detalhes mais adiante. 21

por meio da administração de seus ativos e passivos, sendo essa a essência da “visão nova”.

Apesar de Tobin (1987) reconhecer que os bancos comerciais procuram maximizar seus resultados financeiros por meio do gerenciamento diligente de seu portfólio de ativos e passivos, o autor ainda não percebe que aqueles bancos criam novo poder de compra22. Tobin considera que tanto as instituições financeiras bancárias, quanto as não bancárias, têm como principal característica a simples intermediação financeira. Assim, as oportunidades de aplicações dos bancos comerciais (do lado do ativo) também estariam limitadas pelos seus depósitos (do lado do passivo), com seus balanços sendo afetados pelas preferências dos agentes econômicos, da mesma forma que ocorreria com as instituições financeiras não bancárias.

O pesquisador também avalia que a expansão dos balanços de ambos os tipos de instituições financeiras seria limitada pela receita marginal de seus empréstimos e investimentos, no momento em que essa igualasse o custo marginal de captação de novos depósitos junto ao público. Dessa forma, os bancos comerciais não seriam qualitativamente diferentes das demais instituições financeiras não bancárias, uma vez que o processo que limita a expansão dessas últimas, também limitaria a expansão dos primeiros (TOBIN, 1987, p. 277).

O autor também destaca que em um regime monetário no qual não houvesse requerimentos de reservas, as preferências dos agentes econômicos superavitários e deficitários desempenhariam um papel ainda mais relevante na determinação dos depósitos à vista e a prazo. Nesse caso, os volumes dos ativos e dos passivos de todas as instituições financeiras, bancárias ou não, seriam determinados em um equilíbrio competitivo, em que as taxas de juros dos empréstimos de cada instituição financeira igualariam, na margem, as taxas de juros pagas aos seus depositantes (TOBIN, 1987, p. 278).

Entretanto, Tobin observa que em um regime em que a autoridade monetária impõe requerimentos de reservas e no qual os depósitos à vista não pagam juros (ou são limitados por um teto de taxa de juros), o referido equilíbrio competitivo nunca é atingido, com os retornos marginais dos empréstimos e

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investimentos sempre excedendo os custos marginais de captação de novos depósitos junto ao público.

Nessas circunstâncias, os bancos comerciais, ao adquirirem novas reservas, seriam sempre capazes de auferir ganhos financeiros, ao aplicá-las em empréstimos e em outros ativos e, embora a expansão desses ativos reduzisse as suas taxas de juros, tal redução, segundo Tobin, não seria capaz de eliminar as margens de lucros entre as receitas proporcionadas pelos novos depósitos e os seus custos de captação, mas seria suficiente para induzir o público a aumentar o volume de seus depósitos à vista, dada a diminuição das taxas de juros dos demais ativos (TOBIN, 1987, p. 279).

Em seguida, abordaremos o trabalho de Tobin de 1982, em que o autor percebe que a decisão de emprestar dos bancos precede a dos depositantes.