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3.4 ADC 2: VOCÁBULO E COESÃO

3.4.1 Vocábulo

Para classificar as formas de atuação em termos de combate, prevenção e resolução de conflitos identificados nos textos dos estudantes, apresento na Tabela 8 as palavras que mais

foram recorrentes como sugestão para acabar com o bullying. Vale ressaltar que o processo de registro dos dados é feito manualmente no software, o que significa a necessidade de leitura de todas as respostas coletadas antes da realização dos registros.

Tabela 8 – Você tem alguma sugestão para acabar com o bullying? Recorrência

PALAVRA RECORRÊNCIA ESCOLA/ESCOLAS 54 RESPEITO/RESPEITAR 21 BRINCADEIRAS/BRINCADEIRA 20 PALESTRAS 12 BATENDO 6 Fonte: da autora (2020).

Todas essas sugestões para o combate ao bullying foram registradas nas respostas dos estudantes. Procuro não me ater apenas às sugestões positivas que mais aparecem na Tabela 8, “escola/escolas” (54), “respeito/respeitar” (21), “brincadeiras/brincadeira” (20) e “palestras” (12). Isso representa o caráter transformador presente no discurso dos/as alunos/as como prática ideológica que ‘constitui, naturaliza, mantém e transforma os significados do mundo de posições diversas nas relações de poder’ (FAIRCLOUGH, 2001).

A seguir, podemos ler os extratos dos textos, nos quais estão materializados os léxicos positivos nas sugestões dos/as alunos/as em uma tabela que foi criada no aplicativo Wordsmith

Tools (2008) através da ferramenta Concord. Dessa forma, os vocábulos foram printados do

Figura 5 – Léxicos positivos recorrentes contextualizados: “escola” e “respeito”

Fonte: da autora (2020).

As palavras se relacionam com os significados de “muitos para um e não de um para um”, portanto, as palavras possuem vários significados e estes são ‘lexicalizados’ também de diversas maneiras. Isso significa que, como protagonistas sociais, estamos diante de várias possibilidades de palavras para nos expressarmos e cada palavra, cada escolha pode produzir um sentido diferente e essas escolhas e/ou “decisões não são apenas de natureza individual, mas são construções sociais que podem ser ainda contestadas socialmente” (FAIRCLOUGH, 2001, p. 230).

Examino agora como a palavra “respeito” é usada nos discursos dos estudantes. Para isso, utilizaremos os diferentes significados convencionais que o dicionário Michaelis (2020, p. 1), nos apresenta.

respeito res·pei·to sm

1 Ato ou efeito de respeitar(-se).

2 Tratamento com profunda reverência ou consideração.

3 Consideração demonstrada por uma pessoa ou por alguma coisa. 4 Deferência considerável.

5 Aquilo que determina o acontecimento de algo ou a existência de algum fato. 6 Sentimento caracterizado pelo medo.

As observações seguintes se referem ao “respeito” como ato ou efeito de respeitar(se). Ele nos mostra como um significado pode ser revestido de ideologia e contribuir para a

construção discursiva de um conceito cultural chave. Encontramos nos textos resistência a ideias hegemônicas como da desigualdade social.

Respeitar o outro e se colocar no lugar do outro Respeitar o diferente

Ter respeito pelas outras pessoas

O respeito ajuda a todos (DA APESQUISA, 2020).

Esses extratos ilustram um dos significados da palavra “respeito”, mas não é o único, temos o exemplo número 6 o sentimento é caracterizado como empatia.

“Respeitar as pessoas da forma que queremos ser respeitados”

“Cada um deve ser respeitado e ter seus direitos” (DA APESQUISA, 2020).

Entre as palavras encontradas, “escola” foi a primeira mais utilizada como sugestão para acabar com o bullying. Isso reflete mudanças de caráter da Desigualdade para a Igualdade Social, principalmente em se tratando de promover a educação como oportunidade de construção de saberes. A escolha consciente desse vocabulário nos apresenta um exemplo da questão da hegemonia e da ideologia e, ainda, como a mudança social que pode ser promovida mediante o uso consciente da linguagem.

Escolas que incentivam Orientações nas escolas Falar sobre isso nas escolas

Deveriam ensinar na escola que todos somos iguais Conscientizar a escola e os alunos

Projetos sociais na escola, ajudam e combatem esse tipo de violência

As escolas poderiam ter um psicólogo de apoio aos alunos (DA APESQUISA, 2020).

Neste contexto de defesa das ideias hegemônicas, os extratos extraídos do corpus deste trabalho, que de uma forma geral, os estudantes tornaram-se defensores da educação. Dessa forma, eles/as abrem as portas da escola para o diálogo, acreditam que é na linguagem e pela linguagem que acontecem as lutas de poder isto é, a ‘liderança tanto quanto dominação nos domínios econômicos, político, cultural e ideológico de uma sociedade’ é feita através da linguagem (FAIRCLOUGH, 2001, p. 122).

Para analisar o vocábulo, brincadeira/brincadeira faz-se necessário ressaltar que a linguagem tem potenciais para significar tanto pelos recursos disponíveis no sistema semiótico quanto pelos recursos disponíveis nas (redes de) ordens do discurso: momento de prática social. Temos universalizado o vocábulo “brincadeira” em nosso dicionário da Língua Portuguesa. Para a análise que se segue utilizo as definições do dicionário Aurélio Online (DICIO, 2020, p. 1).

Significado de Brincadeira substantivo feminino

Ação de brincar, de se divertir; divertimento.

Jogo, passatempo, divertimento infantil ou desenvolvido para crianças.

Dito engraçado; aquilo que se diz para zombar, fazer graça; gracejo, zombaria: ele faz umas brincadeiras sem graça!

Qualquer coisa que se faz por imprudência ou leviandade e que custa mais do que se esperava: quase morreu naquela brincadeira!

Algo fácil de ser resolvido ou realizado: entrar naquela faculdade foi brincadeira! Festa feita de maneira improvisada, sem grandes preparações.

Etimologia (origem da palavra brincadeira). Brincado, particípio de brincar, + eiro.

O terceiro sentido apresentado no dicionário é utilizado nas práticas sociais no contexto escolar e utilizado pela sociedade como poderosa ferramenta para a manutenção hegemônica da prática do bullying que é descrito como “brincadeira”, “brincadeirinha” mapeado na tabela 9.

Tabela 9 – Vocábulo: brincadeira/brincadeiras/brincar” contextualizado

Vocábulo:” brincadeira/brincadeiras/brincar” contextualizado

1. “Mesmo que nos fizemos como brincadeira as vezes as brincadeiras podem machucar sem percebermos..”.

2. “acho que hoje em dia a sociedade está mais mais compressível e sabendo brincar e aceitar!” 3. “Algumas brincadeiras para alguém que já não é feliz em si próprio, tem auto-estima baixa, ou

passa por problemas (humilhações...) Na família causa uma dor ainda maior”

4. “Acho que as pessoas teria que ter mais conciencia e nao pensa que e so uma brincadeirinha para a pessoa que esta recebendo o bullyng pode ser o fim para ela as pessoas tinham que pensar antes de fazer um brincadeira e tmb serem mais concientizados sobre as consequenciais do bullyng”

5. “se a gente mostra para todos que o bullying e coisa séria talvez isso posso muda, se também denuciamos as pessoas que fazem esse tipo de brincadeira”.

Fonte: da autora (2020).

É no/pelo discurso que construímos os conceitos de hegemonias e propagamos a ideologia. A palavra brincadeira em quatro extratos da tabela 9 está relacionada ao bullying e sendo mantida na escola nos discursos dos estudantes. Com isso, observa-se que a relação da palavra brincadeira e o bullying corroboram para a manutenção dos discursos de que o bullying é uma brincadeira de criança.

O extrato (2) chamou-me atenção, pois é o único que traz um marcador de tempo “hoje em dia” com o complemento de que “a sociedade está mais compressível e sabendo brincar e aceitar!”. Esse discurso está ligado à ideologia da desigualdade social e a intolerância a diversidade. O uso da expressão “eu acho” é uma sugestão de modalidade deôntica que segundo Halliday (1985) é uma avaliação afetiva de ter a impressão, do sentimento desse falante em relação ao bullying.

Considero necessário olharmos as exceções também e atentarmos as sugestões negativas que aparecem nos dados como o “batendo” (6). Percebo que essas sugestões aparecem na mesma proporção da “orientação” (6). Esses itens lexicais, portanto, são avaliados num paradoxo significativo (RESENDE; RAMALHO, 2017) e nos remete ao dito popular "Olho por olho, dente por dente" que é uma expressão que significa vingança, e que o castigo deve ser dado na mesma proporção do dano causado. Dessa forma, contraria a lógica da educação que é um processo constante de criação do conhecimento e de busca da transformação-reinvenção da realidade pela ação-reflexão humana (FREIRE, 2003).

Faço aqui uma pequena pausa na análise para fazer uma reflexão sobre a relação ação- reflexão humana e ética na educação de acordo com os estudos do Professor Paulo Freire. Todos nós professores, de todas as áreas do conhecimento, temos nossas tarefas éticas na nossa profissão de docente. A ética de que falo é:

A que se afronta na manifestação discriminatória de raça, de gênero, de classe. É por esta ética inseparável da prática educativa, não importa se trabalhamos com crianças, jovens ou adultos, que devemos lutar (FREIRE, 2011, p. 17-18).

A ação-reflexão humana para Freire deve ser consciente no mundo o que nos torna responsáveis com a ética. Somos “seres condicionados, mas não determinados”, ou seja, carregamos nossos condicionamentos genéticos, culturais e sociais, porém não somos determinados por eles, porque temos tempo de possibilidades com um futuro “problemático” e não “inexorável” (FREIRE, 2011, p. 20). Quanto mais desenvolvemos a capacidade de aprendermos criticamente, tanto mais teremos condições de adquirirmos conhecimentos sobre nossos condicionamentos e enxergaremos as possibilidades no futuro.

A prática educativa tem de ser, em si, um testemunho rigoroso de decência e de pureza. Mulheres e homens, seres históricos sociais, nos tornamos capazes de comparar, de valorar, de romper, por tudo isso, nos fizemos seres éticos (FREIRE, 2011, p. 34).

Para dar continuidade a análise dos dados, utilizo a ferramenta de pesquisa por palavras no contexto proporcionada pelo software, o concord, e procuro por especificamente pelas palavras “punição”, “punições”, “bater” e “batendo” para chegarmos aos contextos específicos que os citam.

Tabela 10 – Extratos dos textos que sugerem “punição” e “castigo” para acabar com o bullying

Extratos dos textos que sugerem “punição” e “castigo” para acabar com o bullying. 1. “Batendo em quem pratica isso”

3. “Parar de ofender as pessoas, bater nas pessoas. E aprender mais a conviver como uma verdadeira sociedade”

4. “apoio para aqueles que sofrem o bullying e muita punição para aqueles que fazem o bullying”

5. “Punir os responsáveis pelo bullying”

6. “Punir os responsáveis”

7. “Processar todos que cometem bullyng e aplicar punições graves”

8. “Da um cacete em quem pratica este ato” Fonte: da autora (2020).

Como mostra a tabela 10, todos os extratos são sugestões que nos remetem aos discursos que legitimam e reforçam a ideologia de manutenção do discurso de intolerância e ódio no contexto escolar. E, ao falar de discursos, entendo que este é uma forma concreta que significa compreender que há maneiras específicas de representar, de agir e de interagir e de identificarmos o mundo, as pessoas e a nós mesmos (VIEIRA; RESENDE, 2016). Ao sugerir acabar com o bullying através de itens lexicais como, por exemplo, “punição”, “punições”, “bater” e “batendo” que aparecem na tabela nos textos dos estudantes, estão fornecendo um acesso empírico que indica a forma que os estudantes estão reagindo à situação de bullying e sobre a perspectiva de mundo deles no contexto escolar. As exceções são os exemplos que ocorrem nos extratos de número 7 e 8. No primeiro, os itens lexicais “Processar e punições graves” nos remetem ao discurso policial: sabemos que o ato de processar e aplicar punições graves são atribuídos a atores sociais que violam a lei, assim nesse extrato, embora o contexto e atores sociais sejam – escola e alunos – há uma atribuição negativa pesando sobre os atores que praticam o bullying. No extrato número 8, aparece a expressão, “da um cacete”, que nos aproxima também ao domínio de discurso policial. O “cassete ou cassetete” é um nome da arma que o policial usa para bater em bandidos.

Quando discursos como esses de propagação da violência aparecem na tabela 10, e são difundidos como universais, contribuem para a propagação de práticas hegemônicas, de intolerância e de violência. É preciso frisar que o ato de violência nos extratos 1, 2 e 8 deslizam para uma atitude de agressividade crescente: “batendo”, “bata até sair sangue” e dar um “cacete”. E, ainda, através da escolha do verbo “pratica”, “praticar” os estudantes apresentam em seus discursos um dos seis tipos do bullying que é a violência física. Por isso, é importante investigar como ocorre a representação desse fenômeno na escola porque pode contribuir para a compreensão das práticas sociais desses alunos.

Então, foi necessário investigar mais atentamente outros itens lexicais com indícios de discursos que contribuem para a manutenção do bullying no contexto escolar. Esse mapeamento

pode ser observado na tabela 11 que apresento os extratos de textos com discursos de apologia a violência nas escolas.

Tabela 11 – Extratos dos textos que sugerem discursos de apologia a violência

Extratos dos textos que sugerem discursos de apologia a violência 1. “Matando os valentoes”

2. “Matando quem faz o ato”

3. “Única coisa que eu consigo pensar é em vingança” 4. “palestras na escola e caso de expulsão”

Fonte: da autora (2020).

A categoria, significado de palavra, está relacionada ao significado representacional, por ser tratar da construção de representações de mundo. O sistema lexical, por sua vez, é parte do sistema semiótico prévio dos textos, dessa forma, o léxico é compartilhado revelando as maneiras como a sociedade representa a realidade.

Ainda que o compartilhamento social de modos de uso regulados do léxico, a agência do/a produtor/a de texto não seja apagada; ao contrário, ela se mostra também na seleção lexical e na atribuição de significados elaborada nos textos, já que os sentidos das palavras são dependentes de escolhas de padrões de colocação, ao ser, também, foco de disputas discursivas. Essa escolha coocorre com a escolha (consciente ou não) de posicionamento político-ideológico em relação ao mundo representado (RESENDE; ACOSTA, 2018).

O posicionamento político-ideológico expressos na tabela 11 são itens lexicais que por analogia, depreende-se que, ao contrário da proposta freiriana de educação, o resultado da dinâmica social estabelecida nesse contexto aprisiona os/as agressores/as do bullying em um ciclo de violência com base no aprisionamento e morte.

Trata-se aqui de representação da violência simbólica à qual os/as agressores do bullying devem ser submetidos/as de acordo com as sugestões expressas nos textos dos alunos. Assim, as sugestões para acabar com o bullying são ideias hegemônicas paradoxais, que corroboram para a manutenção dos discursos de intolerância às diferenças e a violência nas escolas.

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