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98 você tem razão sim; isso seria muito mais útil para

No documento Impressos / Caderno temático (páginas 99-101)

escola, falar sobre as habilidades que a criança tem, por exemplo, do que aquelas que ela não tem, e o CiD e os diagnósticos só falam, só apontam o que a criança não tem de recurso. Como eu já vi uma pes- soa comentando, acho que foi num vídeo “bom, se

um aluno é bom de matemática e ruim de português, você contrata um professor de português e não de matemática”. Quer dizer, se ele é bom de matemá-

tica, por que você não contrata um professor de matemática que é o que ele gosta, que é para ele poder desenvolver essas habilidades? A gente fica no discurso das deficiências. E a medicina faz isso e invade a escola com esse tipo de pensamento e o professor deveria resistir enormemente a isso, porque muitas vezes ali onde está o diagnóstico é justamente onde ele não tem nada para fazer, e ele pede o diagnóstico para explicar para ele o que ele tem de fazer. Quer dizer, é contraditório.

Já existe lei para que não precise de CiD, não é? Mas isso não funciona, eu tento brigar, todo ano eu preciso fazer uma lista de 800 CiD’s para Apae, paras crianças que estão lá dentro, porque a Secre- taria de Educação vai lá e quer ver no prontuário o encaminhamento do médico para a criança estar lá. Olha a demanda. Quer dizer, a criança é autista e todo ano eu tenho que dizer para ela que ela con- tinua autista. Para a família tem enormes consequ- ências esse tipo de coisa. Então, eu acho bastante pertinente isso que você colocou e lutarmos para que usemos um outro tipo de classificação para permitir, já respondendo um pouquinho a pergunta da Joana, que as crianças tenham acesso aos recur- sos, sem elas precisarem estar coladas em algum tipo de diagnóstico, não é? Esse é o nosso drama, você tem de dizer que o outro é inválido para ele ter um recurso, quer dizer, então se ele não é, você tem de esperar que ele seja. Ou então você antecipa que ele é, quando ele ainda não é para que ele tenha um recurso. Você vê, é uma coisa que tem enormes consequências na prática do dia a dia. Eu acho isso extremamente importante o que você colocou.

Bom, a Beatriz perguntou sobre o meu trabalho no Caps. A minha formação e esse modo de pensar foi construído no Caps, eu não cheguei lá com esse conhecimento, eu saí de lá com esse modo de traba- lho. Então eu eu tenho de agradecer às minhas co- legas, aos meus colegas. Lá eu compartilhei outros conhecimentos com a TO, com a fono, a construção desse modo de pensar e esse modo de trabalhar no Caps. Eu trabalho hoje numa instituição que é bas- tante rígida, que é uma Apae, mas eles me permitem fazer esse tipo de coisa, a minha consulta pode de-

morar um tempão. No começo eles encrencavam um pouco porque eu tenho de ter uma produção, certo? Mas depois foram entendendo e permitindo que eu atenda o tempo que precisar e eu faço da maneira como eu bem entender lá. Uma coisa que aconteceu no começo, não foi com a instituição. Vinha uma série de médicos atendendo naquele lugar e eu fui ocupar o lugar de médico que já estava antecipado, aquela cadeira, aquela mesa e o que se espera do médico já estava tudo antecipado lá. E quando eu comecei a atender dessa maneira foi uma coisa que produziu um efeito que a secretária veio me dizer assim “olha,

as pessoas saem atordoadas da sua sala; o que acon- tece? A pessoa quando sai da sua sala eu tenho que chamar, ‘a recepção é aqui ó’, para pessoa marcar o re- torno’”. Porque elas tão acostumadas a ir no médico

e falar se faz xixi, se faz cocô, se está mais agitado, se não está mais agitado, qual remédio vai tomar. isso dura 15 minutos. Mas quando você pergunta, “mas por quê? Mas como é que foi essa história? Como

é que você conseguiu esse diagnóstico? Mas você es- tava passando pelo quê?”.

Por exemplo: eu tive um caso de uma criança que fechou o diagnóstico com autismo quando a avó teve um problema hepático, foi transplantada e de- pois morreu. Depois que ela morreu, o pai do menino descobriu que também tinha um problema hepático, fez um transplante que deu errado, ficou nove meses internado, a mãe ficou nove meses com essa criança e com esse pai no hospital. E esse menino recebeu o diagnóstico de autismo ao mesmo tempo. Quer di- zer, essa mãe com medo de que o pai morresse, o pai achando que ia morrer porque tinha dado errado, entendeu? Então, os diagnósticos são feitos dessa maneira, totalmente descontextualizados. Como é que você pode pensar para uma criança que está re- servada, triste, ou deprimida com um risco de perder o pai, durante nove meses, um processo de patologia supercomplicado? Então, compartilhar, conversar, é uma coisa bastante importante na instituição, pro- duzir um efeito nos pacientes que não estão acostu- mados a conversar com o médico, eles não tão acos- tumados a falar de si para o médico. isso produziu um efeito bastante importante.

Mas no Caps isso não é uma coisa complica- da, porque eu acho que o Caps já tem uma visão diferente, já não é tão centrada no médico a avalia- ção, não sei como é que está hoje porque as coisas andaram bem pra trás, não é? Eu fiz bastante aten- dimento compartilhado com outros profissionais. No lugar onde eu trabalho, a criança para poder acessar a escola, ela tem de ter o diagnóstico e eu tenho uma pressão enorme para produzir o diagnóstico. Agora,

C a d e r n o s T e m áT iC o s C r P s P Psicologia em emerg ências e desastres C a d e r n o s T e m áT iC o s C r P s P Psicologia em emerg ências e desastres C A D E R N O S T E M ÁT iC O S C R P S P P a

tologização e medicalização das vidas: reconheciment

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no Caps não, a gente vai trabalhando e o diagnósti- co é a última coisa que a gente faz, porque a gente consegue fazer o projeto de trabalho com a criança sem ter o diagnóstico estabelecido, fechado, a gen- te tem uma ideia, não é? O laudo traz um fechamen- to de diagnóstico. Trabalhar com diagnóstico aber- to na clínica é muito melhor porque a criança pode dizer várias vezes para você que você está errado, que não era isso, não era aquilo e você vai mudando o diagnóstico conforme vai mudando a direção do seu trabalho ali. Essa pressão que a Joana colocou que se você não produz laudo você deixa a escola também desamparada, foi isso, né? Então você tem que dar um laudo para que a escola também pos- sa acessar dentro da burocracia os recursos que ela tem. isso não pode, eu não gosto. Eu trabalho numa instituição como uma Apae, mas eu procuro subverter bastante também as coisas por lá, eu não sou uma pessoa que trabalho de acordo com aquilo que acontece lá, se existe uma chance de eu mudar a situação de várias crianças, então eu brigo bas- tante e eu tenho tido um acolhimento também das minhas questões lá, tem mudado um pouco as coi- sas. E eu também tenho aprendido muito uma coisa que eles fazem que eu acho incrível: que a Apae lá é uma AMÃE. É um Oasis, porque as crianças chegam, têm um atendimento que elas não têm em lugar ne- nhum. Então por mais que existam contradições no processo, também existe ali uma coisa que funciona e que acaba criando condições para várias daque- las crianças. Só de autista são 120 em sala de aula, só para você ter ideia do meu desespero. Às vezes eu falo para os pais “olha, eu vou pôr um diagnóstico

aqui que é pra você conseguir lá os recursos, porque ele precisa, isso ele precisa. Então vou pôr esse aqui, mas depois se precisar a gente troca”. Então eu dei-

xo sempre uma certa insuficiência, eu sempre deixo uma ideia de que aquilo ali é mais ou menos o que eu estou achando, que por enquanto aquilo vai aju- dar, depois a gente revê, eu sempre deixo em aberto, o diagnóstico eu sempre procuro deixar em aberto. Mas a gente tem de fazer o diagnóstico porque se- não você não faz os recursos surgirem, não só na escola, mas nos convênios, não é? É assim que eu tento fazer, às vezes dá certo, às vezes não dá, às vezes o pessoal sai com o laudo e pronto.

Adriana: Eu estava vendo aqui nas minhas anotações da mesa de ontem e o Rossano terminou a fala dele falando da necessidade da história da criança, da história do ambiente, da história de quem cuida daquela criança, e acho que durante a mesa, com a fala da Biancha e da Cláudia, a gente foi au- mentando, com a história de quem faz o diagnóstico,

e quando eu digo “história”, não é a história pessoal. Mas em que lugar que eu estou, qual é o tempo que eu tenho e, portanto, da história da construção des- se dispositivo. Lembrei de uma questão que a Bian- cha colocou que é: se fica tão claro para gente que há coisas extrínsecas na demanda, tanto é que ago- ra a Joana fala de uma pressão, portanto, como que se considera aquilo que é extrínseco na avaliação junto com as pessoas que estão nessa engrena- gem da avaliação? Então, se há algo extrínseco, há algo do campo político que precisa ser trazido. En- tão, eu aproveito essas falas para falar que eu não estou defendendo que a mudança seja política, ela é, eu estou defendendo que além da mudança ser política, qualquer dessas nossas ações, está imer- sa numa política, numa política no sentido de estar num campo de forças. E eu acho muito interessante como talvez a gente esteja fortalecendo. Vários de nós trouxeram a ideia de que é como que a gente consegue, na relação com essas pessoas, este co- mum que é enfrentar esses elementos. Então, se o Moreira fala para um pai, para uma mãe “então é o

seguinte, deixa eu dar uma olhada aqui. Eu acho que... eu acho que eu vou colocar o CID 78 que daí dá pra pegar condução, e isso e aquilo ‘tarara, tarara’”, con-

quistar esse momento é incrível, e eu acho que é isso que nós estamos colocando, porque conquistar esse momento significa que estamos considerando na construção de um laudo a existência da pressão, a existência de um tipo de discurso de pensamento que é: “precisamos fazer de uma maneira que depois

a gente não seja prejudicado”.

Não tem como a gente ampliar esse trabalho sem riscos, num momento discursivo que é contra o risco. Não tem. E não tem como fortalecer o pro- cesso de subjetivação. O que significa fortalecer o processo de subjetivação? Ser alguém que arrisca, que aposta, que cuida, mas que não tem certeza, senão a gente não faz. Como os meus colegas do Caps de itapeva falam, tem uma forma de a gente garantir que o paciente não vai se matar. Qual é? A gente o mata antes, amarrando. Amarra, impede, deixa vegetando, é essa a certeza que nós quere- mos? Nem assim, não é? A gente tem certeza, mas de qualquer forma estou falando sim à bolha, não é? Então mais para poder dizer, acho muito bacana, Helô, a gente poder pensar como conseguir que uma outra classificação faça parte. Essa é uma ação. E essa ação, como está nesse campo de forças, ela é uma ação política que eu acho muito interessante, muito interessante. Pensei na história do tempo que a Beatriz trouxe, porque eu fiquei brincando, eu falei “eu acho que a gente tem que escrever assim: ‘diag-

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