• Nenhum resultado encontrado

4 CONCEITOS COMPLEMENTARES ÀS ETAPAS DO PÂNICO

4.4 Volatilidade – Conceitos Complementares

A escalada dos eventos traz também a escalada do noticiário de quarta a domingo, de modo que se torna quase natural um desaguar na glorificação da vitória e um alinhamento de vínculo e admiração com as forças policiais e militares. As frases se sucedem edição após edição como num enredo: ―força dobrada contra bandidos que impõem o terror‖, ―quartéis do exército estão em alerta máximo‖, ―na maior mobilização contra o crime das forças de segurança na História do Rio, policiais conseguem retomar a Vila Cruzeiro, área até então sob o controle absoluto do tráfico‖, ―a população aplaudiu e tirou fotos nos blindados‖ ― a dura rotina dos policiais, os heróis da resistência da ocupação na favela‖ e ― a conquista da paz tem um preço que cada um de nós deve pagar‖

. A ação se energiza até um grande momento, a invasão da vila Cruzeiro, saboreia o alívio da paz e novamente repousa já com a vitória estabelecida no reconhecimento dos heróis (os famosos louros da vitória) e na análise de tudo o que aconteceu e o que a cidade passou naqueles dias. Esta curva de adrenalina na sucessão dos acontecimentos assim como o fervor na defesa do Estado como guardião da população mostra que O DIA assim como O Globo chegam a mesma posição de enaltecimento do poderio e da presença do Estado apesar de construírem estes caminhos sob óticas diferentes. Porém em muitos momentos estas perspectivas se encontram em editoriais semelhantes como já citado (no caso, tratasse do editorial de O DIA da quarta-feira, 24, e de O Globo na quinta-feira, 25), e em matérias de quase o mesmo lide. No caderno especial de O DIA também houve mapas mostrando os detalhes da ação policial26 e reportagem de como são por dentro os blindados da Marinha27, ‗as estrelas da operação‘, assim como houve no suplemento especial de O Globo.

Através da incorporação de matrizes simbólicas presentes no imaginário popular, quotidiano e familiar, cria uma estesia propiciadora de catarse coletiva. É na catarse, enquanto função básica da experiência estética, que o gênero melodramático vai

buscar os seus efeitos. Por meio da estesia catártica, comunicam-se valores morais, normas de sociabilização e modelos de identificação heroicos (SODRÉ, 1992, pp102-3)

4.4.1 Euforia

A euforia é uma realidade dos eventos de novembro de 2010, porém não se concretizou amplamente em 2002/2003. Derivada do consenso, ela se manifesta como último estágio de um evento cíclico. É como se fosse o ponto máximo de uma curva de atenção do público e dos jornais que depois arrefeceria – não à toa trata-se do estágio da volatilidade no Pânico Moral. A euforia da vitória deriva da possibilidade de resolução de um problema. É como se em novembro de 2010, toda problemática do tráfico de drogas com a violência urbana carioca que se arrasta desde a década de 80 estivesse em um horizonte de resolução. Mais importante do que isso, tal como destaca Anthony Downs em seu estudo sobre a questão ecológica, é como se o problema pudesse ser resolvido sem que se alterasse o status quo, ou seja uma ruptura que não alterasse a hierarquia social:

A descoberta alarmante e o entusiasmo eufórico

Como resultado de uma dramática sucessão de eventos (como o distúrbio dos guetos em 1965 a 1967), ou por outras razões, o público subitamente começa a se preocupar e alarmar-se com os males de um problema em particular. Essa descoberta alarmante é invariavelmente acompanhada de um entusiasmo eufórico sobre a capacidade da sociedade de ―resolver o problema‖ ou ―fazer algo realmente efetivo‖ em um relativamente curto espaço de tempo. A combinação de alarme e resultados que inspiram confiança derivam em parte da forte pressão da opinião pública na América pelos líderes políticos que defendem que os problemas podem ser ―resolvidos‖. Essa perspectiva está enraizada na grande tradição americana de enxergar otimistamente a maioria dos obstáculos ao progresso social como externos a própria estrutura social. A implicação desta assertiva é que todo obstáculo pode ser eliminado e todo problema resolvido sem qualquer reordenamento fundamental da própria sociedade, basta apenas que devotemos o esforço necessário. (DOWNS, 1972, p. 3)

Pelo raciocínio de Downs vemos o quão ilusório é o discurso que aglutina a solução dos problemas da violência no Brasil pela ação militar inicial do Alemão e Vila Cruzeiro - tal como a revista Veja noticiou na semana, o Brasil estaria começando a vencer o crime. A semana de novembro é a sede do Pânico Moral pois nela o discurso totalizante uniu anos de insegurança pública em uma virada espetacularizada pelos jornais. Talvez aí esteja o fator que torna a dinâmica da euforia tão atrativa ao público e aos jornais em 2010. Vislumbrava-se uma mudança eficiente e pragmática. Alocava-Vislumbrava-se o germe do problema do tráfico e

resolvia-se com a ocupação policial. O raciocínio era extremamente mecanicista, o Estado estava ausente. Agora ele está presente. De certo modo, também era cômodo uma mudança de uma ruptura de uma vez só e militarizada. Não se necessitou alterar nada na superestrutura social. A ruptura começou com o sucesso da ação militar. Este discurso apesar de extravasado pelos jornais, não eram necessariamente o discurso de todas as autoridades. Várias vezes o secretário Beltrame alertara que as UPPs sem uma reforma social ampla seria um plano sem futuro. Inclusive, atualmente 4 anos após a ocupação, esta temática é uma constante no questionamento dos jornais e das autoridades. Porém na euforia de 2010, a economia do medo fora extremamente austera e eficiente em sua solução. A ameaça moral dos traficantes seria vencida pela ação militar.

Cabe ressaltar que alterar a estrutura social no que condiz ao Complexo do Alemão e a Vila Cruzeiro, envolveria mais do que um Dia D tal como descrito pelo Globo em sua cobertura, mas um verdadeiro Plano Marshall. Após a ação militar, o otimismo expresso em várias ações de cunho, social, cultural e econômico não conseguiu romper plenamente estas fronteiras, apenas alterar a designação das forças dominantes. Ambas geridas pelo Estado, Rio de Janeiro, Vila Cruzeiro e Complexo do Alemão ainda possuem seus limites dentro da dinâmica sociedade-espaço. Apesar da ação estatal legitimadora, os indicadores sociais de ambas as comunidades permanecem menores em relação à média da cidade do Rio de Janeiro: Índice de longevidade (IDH-L) Índice de Educação (IDH-E) Índice de Renda (IDH-R) Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) Rio de Janeiro 0,754 0,933 0,840 0,842 Bairro da Penha 6 0,743 0,908 0,761 0,804 Complexo do Alemão 0,663 0,834 0,637 0,711

Fonte: Prefeitura do Rio

Tal como descrito por Downs, após a euforia entusiasmada, a sociedade realiza a verdadeira dimensão do problema:

A conscientização do real custo de um progresso significante

O terceiro estágio consiste numa gradual e coletivizada tomada de consciência de que o custo de ―resolver‖ o problema talvez seja muito alto. (...) Entretanto, nossos

6 Não estavam disponíveis indicadores sociais da Vila Cruzeiro, somente do Bairro da Penha. Os dados sobre o Complexo do Alemão estavam disponíveis pela Prefeitura pois, desde 1993, este é considerado um bairro. Porém, concebendo a Vila Cruzeiro uma favela inserida no bairro da Penha, local de ampla vida comercial – dois shopping centers – mercado, comércios de rua e mais de uma dezena de colégios públicos e privados, torna-se factível considerarmos que os indicadores específicos da Vila Cruzeiro torna-seriam ainda menores do que os descritos no quadro acima.

maiores problemas de pressão social usualmente envolvem a deliberada ou inconsciente exploração de um grupo da sociedade pelo outro, ou a prevenção para que um grupo mantenha a exclusividade dos privilégios que desfrutam. Por exemplo, a maioria dos brancos de classe média alta valorizam a separação geográfica que os isola da população mais pobre e dos negros. Deste ponto nenhuma igualdade de acesso às vantagens de morar nos ricos subúrbios pode ser adquirida por pobres e negros sem algum sacrifício dos ―benefícios‖ da separação para os brancos de classe média. O crescente reconhecimento desta causalidade entre problema e ―solução‖ constituem uma parte chave deste terceiro estágio (pós-euforia). grifo nosso. (DOWNS, 1972, tradução nossa,p.3.)