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Capítulo 4 Bonfim: a festa que mobiliza a cidade

4.5. Zoom em devoção histórica

A coleção imagética sobre os festejos do Bonfim no Cedoc A Tarde é constituída por registros que têm como tema, de forma mais constante, o cortejo, as baianas, a lavagem do adro e personagens que chamaram a atenção dos fotojornalistas, geralmente por irreverência ou adoção de uma pose que vai integrar uma abordagem mais plástica dos festejos. O conjunto sobre a Festa do Bonfim tem como sua foto mais antiga apenas uma unidade. Trata-se da imagem com foco no rosto de um homem que, no verso da fotografia, é identificado como Pedro do Pote, mas não encontrei explicação sobre a presença da imagem na coleção sobre o Bonfim, pois trata-se da história de um personagem ligado a curiosidades sobre o clássico, no âmbito do futebol, entre Bahia e Botafogo, um time baiano homônimo do carioca107.

Figura 41: Pedro do Pote

Elementos constitutivos da fotografia Fotógrafo: Miguel Marti

Assunto: Pedro do Pato Personagem: Pedro do Pote Tecnologia: analógica P&B

Catalogação em A Tarde: Pasta nº 2040-A (Fotos antigas até a década de 70) Coordenadas de situação:

Tempo: 15/12/1958 Espaço: Não identificado

107 O texto intitulado O pote tanto vai à fonte que um dia se quebra está assinado pelo jornalista Genésio Ramos.

Segundo o texto, Pedro, torcedor do Botafogo, ia a jogos carregando um pote na cabeça com a promessa de que o quebraria se o Botafogo derrotasse o Bahia. A oportunidade apareceu em 1933, quando o time de Pedro venceu e ele jogou o pote no chão, quebrando-o em dezenas de pedaços, que, conta ao repórter, ter conhecimento de que viraram amuletos para muita gente, A TARDE, 15/12/1958, p.4, Esportes.

Na década de 1960, a predominância de imagens é sobre o cortejo e as barracas. Estes equipamentos ocuparam um lugar de destaque no registro de imagens sobre as festas populares. A sua padronização foi uma das intervenções mais visíveis do Estado, no processo do que podemos definir como ação para atender um público acostumado a equipamentos semelhantes aos bares, por exemplo, seguindo normas rígidas para o preparo de comida, o que retirou a autonomia dos comerciantes sobre o que servir, pois nem todos estavam preparados para cumprir os cada vez mais exigentes regulamentos108.

Figura 42: Barracas

Elementos constitutivos da fotografia Fotógrafo: não identificado

Assunto: Preparativos

Personagens: não identificados Tecnologia: analógica P&B

Catalogação em A Tarde: Pasta nº 2040-A (Fotos antigas até a década de 70) Coordenadas de situação:

Tempo: 17/1/1969

Espaço: não identificado

108 Uma interessante etnografia fotográfica sobre as barracas e ambulantes nas festas de largo está em LOURAU

SILVA, Julie Sarah. Barraqueiros, ambulantes e fiéis: Etnografia visual nas festas populares e no Carnaval de

Salvador da Bahia. Cadernos do CEAS: Revista crítica de humanidades, [S.l.], n. 239, p.994-1023, fev. 2017. Cf.

A imagem mostrada anteriormente aparece na matéria intitulada Povo já lavou a igreja para a Festa do Bonfim109, publicada um dia antes da data registrada no verso da imagem, o que é

comum, pois muitas vezes o arquivamento só acontecia no dia seguinte. O texto descreve como foi a lavagem e anuncia os outros ritos que devem acontecer nos próximos dias. A fotografia que mostra os preparativos dos barraqueiros não está diretamente vinculada ao que o texto descreve, mais concentrado em listar os serviços, como alterações no trânsito.

A legenda refere-se a uma “cidade das barracas”, o que indica que elas ficavam concentradas em um espaço específico e destaca a mudança dos barraqueiros entre uma festa e outra. No caso em questão, o translado veio da Conceição da Praia. Atualmente, as barracas estão resumidas às padronizadas e oferecidas por cervejarias, que, por meio de contratos específicos com a prefeitura, recebem o direito de comercializar, de forma exclusiva, suas marcas durante as festas populares e o Carnaval. Nos últimos anos, esta medida tem gerado muito polêmica, pois os acordos não permitem que bebidas das empresas concorrentes sejam comercializadas no perímetro dos eventos, o que causa o descontentamento de comerciantes e consumidores.

Além disso, as barracas eram importantes espaços de sociabilidade durante os festejos. Esses equipamentos funcionavam como pontos de encontro entre amigos e referência para a clientela de bares, além de se apresentarem como elementos decorativos das festas. Mas, além da estética, os barraqueiros tornaram-se parte central dos serviços nos festejos, afinal são os responsáveis pelo abastecimento de comida e bebida essenciais na comemoração. Tanto que, em 10 de janeiro de 1995110, A Tarde deu chamada de capa, em lugar de destaque (parte superior à direita), para a informação sobre um movimento dos barraqueiros contra a prefeita Lídice da Mata. A queixa era por conta do que consideravam atraso na liberação dos alvarás que permitiriam o funcionamento111.

A venda de quitutes e cerveja, a principal bebida consumida nas festas de largo, seduz moradores do trajeto de oito quilômetros da festa. Durante o trabalho de campo realizado em 2016 contabilizei dezenas de residências transformadas em restaurantes, como foi o caso de uma localizada em Caminho de Areia, que tinha cobertura com toldos e som mecânico. O prato mais presente nessa festa já foi o caruru, como informa uma matéria da edição de 15 de janeiro de 1934:

109 Povo já lavou a igreja para a Festa do Bonfim, A TARDE, 16/1/1969, p.3

110 Barraqueiros do Bonfim em “pé de guerra” com Lídice, A TARDE, 10/1/1995, p.3

111 A prefeita Lídice da Mata, opositora ao governo de Antônio Carlos Magalhães, enfrentou sérios problemas

para administrar a cidade por conta da falta de recursos, que o não alinhamento ao governador transformou em crise.

O REDUCTO DAS COMIDAS DE AZEITE – Como acontece todos os annos, a parte posterior ao logar onde estão situadas as “casas dos romeiros” constitue o vasto acampamento das nossas grandes cozinheiras, famosas no paiz, pela variedade e sabor das iguarias. [...] Lá estão installadas centenas de barracas com o “material de guerra” – enormes panellas-panellas mães-na phrase de velho jornalista – onde já se preparam carúrus, efós, acarajés, abalás (sic), moquecas, frigideiras de diâmetro colossal accumulando-se os stocks de xareós, dourados e albacoaras.[...] Outro género para os que têm fome de verdade – são os “toneis” de folhas de Flandres cosinhando feijoadas e mocotós, emfim um grande preparo culinario para a multidao que vae acampar desde hoje no Bomfim. (N.S. do Bomfim, A TARDE, 13/1/1934, p.2).

Atualmente, o caruru e outras comidas de azeite mais incrementadas estão ausentes do cardápio de festas como o Bonfim. A quantidade de acompanhamentos para consumir o caruru, por exemplo (arroz, vatapá, galinha de xinxim, farofa de azeite de dendê e outros), inviabiliza o consumo na ocupação de um espaço destinado a milhares de pessoas. A exceção é para o acarajé e o vatapá, que podem ser consumidos em meio a uma caminhada. Dos itens citados na matéria de A Tarde, os pratos que continuam reinando nas festas de largo são a feijoada e o mocotó. Predomina entre os foliões a ideia de que quanto mais “pesada”, ou seja, caprichada em gordura, a comida dá mais força para aguentar as longas jornadas de festa.

Elementos constitutivos da fotografia Fotógrafo: Haroldo Abrantes

Assunto: Feijoada

Personagens: Tâmara Tamandaré Tecnologia: digital cor

Catalogação em A Tarde: Pasta nº 14 - Lavagem do Bonfim Coordenadas de situação

Tempo: 13/1/2005

Espaço: não identificado

Outro prato muito comum atualmente são os “churrasquinhos” de carnes bovina e de frango, assados em pequenos espetos de madeira. Na Bahia há a brincadeira de que a carne é, na verdade, de gato, daí que são também conhecidos como “churrasquinhos de gato”. A madeira dos churrasquinhos já chegou a ser apontada como um problema para a segurança, pois se transformavam em objetos de agressão durante as festas de largo, quando usadas para perfurar o ouvido de adversários em uma briga, por exemplo.