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A filosofia como criação de conceitos contra a reprodução de saberes

5.1 O ensino de filosofia no ensino médio: suas aguilhoadas e provocações no viver da vida

5.1.2 A filosofia como criação de conceitos contra a reprodução de saberes

uma materialização do que acontece nas salas de aulas e que são reproduzidas friamente nos sistemas online de armazenamento – Sistema de Gestão do estado de Alagoas (SAGEAL) – e traduzidas em competências e habilidades objetivadas por diretrizes e burocracias que devem ser criteriosamente preenchidas nesse sistema.

Por outro lado, abrangendo a prática do pesquisador, nosso horizonte é com o cotidiano manifestado pelo estudante, a maneira de ele produzir seu pensar, dizer e viver no mundo. Não tratamos de um sujeito que reproduz, mas de um aluno que é instado a pensar e a problematizar sobre aquilo que lhe é colocado. Aqui, a teoria trabalhada nas práticas instrumentalizadas ganham novos discursos e novos significados, pois, quando tratamos do dia a dia, quando debruçamos nosso olhar no cotidiano, as vozes, os gritos e os silêncios excluídos das diretrizes e dos livros florescem no terreno da interdiscursividade em sala de aula. Sim, é nesse ponto que se encontram o estudante, o docente e o pesquisador. A sala de aula torna-se, então, um locus, onde o espaço dos acontecimentos discursivos não se torna fechado, isolado ou silenciado em si mesmo, mas, ao contrário, torna-se um local onde os discursos passam a ser livres para descrever, sem limites, todos os discursos que possam aparecer (FOUCAULT, 2008a).

Para entender a relação envolvente que compõe o professor e o pesquisador, basta compreender que a prática docente em sala de aula aparece quando utilizamos os temas filosóficos presentes nas diretrizes do ensino básico e passamos a confrontá-los com nossa forma discursiva/problematizadora de pensar, de dizer e de viver o mundo. Passamos, então, a pensar, perceber, interpretar e compreender a maneira como vivemos a nossa própria vida. Isso remete-nos a um processo de interpretação de si mesmo e de uma possível ressignificação de nosso olhar anterior sobre o nosso ser-estar no mundo. Assim, a ideia é conceber a filosofia como uma forma de habitar o mundo desde a emergência de indagações próprias até o processo do tornar-se sujeito que se ancora em postulações que lhes são peculiares.

por meio dos filósofos e de seus questionamentos sobre o mundo e, principalmente, no confronto da realidade com os olhos de uma interpretação sobre si mesmo, pois, segundo Foucault (2008a), é conveniente olhar para si mesmo sobre aquilo que queremos saber.

O ensino do conhecimento filosófico no ensino médio mostra-se como parte de uma formação humana, especialmente quando buscamos um sentido crítico para a vida e para as coisas que nos cerca. Para Walter Lima (2010, p. 76), “o trabalho da filosofia nos dá condições de debruçarmo-nos sobre nossa experiência, discutindo nossa prática e transformando nossas ações”. Vale ressaltar que não podemos confundir a busca de um sentido “crítico para viver”

com um modelo paradigmático. Lima (2010) convida-nos a nos desdobrar sobre a experiência;

nesse caso, esse debruçar sobre o viver pode revelar incompatibilidades e divergências.

Pensamos que o debruçar sobre si mesmo pode contribuir na interpretação de nosso modo de ser-estar no mundo das experiências.

Ghedin (2008, p.76) sugere conceber a filosofia como um saber sobre a experiência e compreende que “a filosofia oferece condições teóricas para superação da consciência ingênua e o desenvolvimento da consciência crítica, pela qual a experiência vivida é transformada em experiência compreendida”. Nesse aspecto, a nossa prática na escola e o desenvolvimento da nossa pesquisa estão fundamentados em uma perspectiva para além dos modelos reprodutores de saberes e de conteúdo. Partimos de um pressuposto no qual é relevante destacar a importância de criar conceitos discursivos na formação básica junto aos estudantes do ensino médio – Foucault (2008a) trata dessa prática como uma questão metodológica de interpretação e de análise do mundo à nossa volta.

Claro, como visto anteriormente, quanto mais questiono, quanto mais busco saber sobre as coisas, mais tenho a possibilidade de entendimento dessa coisa. Nesse caso, é adequado caminhar para uma problematização sobre a necessidade de interpretar a vida, criando percepções, novos conceitos e novos discursos, tanto por meio do conhecimento filosófico trabalhado em sala de aula quanto a partir da formação de uma criticidade frente ao modo como indivíduos vivem a própria vida fora do ambiente educacional. Nosso intuito não é desfilar juízos pré-definidos ou preconcebidos acerca do melhor ou do pior modo de viver a vida, mas contribuir com os sujeitos no problematizar-se diante da atual maneira de pensar, ver, e viver no mundo.

Reconhecendo as dificuldades encontradas nas diretrizes-limites do ensino e aprendizagem de filosofia no ensino médio, percebemos que, além de provocar uma discussão sobre a instrumentalização da filosofia nessa etapa de ensino, ensejamos sugerir práticas

instigantes para análises e investigações na busca de favorecer o ensino crítico aos discentes da educação básica, algo que pode ser específico nessa disciplina. A valer, o pensamento crítico, por exemplo, pode ser uma dessas sugestões para o cotidiano tanto em sala de aula quanto intrínseco à maneira de viver no mundo fora da escola. Afinal, provocar o estudante a questionar o mundo e auxiliá-lo com o pensamento filosófico nas suas problematizações acerca do dia a dia pode aproximá-lo, cada vez mais, de uma compreensão acerca de sua própria condição de vida, na medida em que o questionamento e a problematização da realidade à nossa volta podem contribuir com a interpretação do nosso viver nesse mundo.

Tratando desse aspecto, Pierre Hadot (2016) coloca que a filosofia tem se distanciado cada vez mais do cuidado da vida dos sujeitos, por estar presa às formalidades das diretrizes burocráticas do mundo:

Perdeu-se o aspecto pessoal e comunitário da filosofia. Além disso, a filosofia se embrenhou cada vez mais nessa via puramente formal, na busca a qualquer custo da novidade por si mesma: trata-se, para o filósofo, de ser o mais original possível, se não pela criação de um sistema novo, ao menos pela produção de um discurso que para ser original, se faz muito complicado. A construção mais ou menos hábil de um edifício conceitual vai se tornar um fim em si mesma. A filosofia se distanciou cada vez mais, portanto, da vida concreta dos homens (HADOT, 2016, p. 79-80).

Pensamos que a filosofia, nessa etapa da vida estudantil dos jovens, pode se preocupar com as questões não ditas dos livros, com as perguntas que aparecem nas dobras das vivências e nas entrelinhas da relação discursiva com o outro. De outro modo, é lamentável perceber, na contemporaneidade, uma filosofia no ensino médio com vestígios conteudistas, confinada à reprodução das temáticas e com objetivo máximo de preparar os sujeitos para os processos seletivos.

Deve-se pensar, no entanto, em um ensino de filosofia atento aos abundantes modos de viver do mundo cotidiano. Em outras palavras, deve-se preocupar com uma formação que inclua um olhar interpretativo de si no mundo, dado que uma filosofia de vida fundamentada no sujeito hermeneuta pode estar voltada à interpretação e compreensão de si mesmo, das diversidades discursivas, dos saberes distintos, de conhecimentos elaborados, difundidos – pela sociedade, pela família e pela cultura – e presentes na interdiscursividade.

Essas interpretações podem contribuir para a compreensão de si mesmo. É revigorante quando destruímos conceitos e discursos pré-estabelecidos e paradigmáticos e passamos a reconstruir um modo sempre novo e diferente de pensar, de dizer e de viver no mundo. Nesse caso, vale ressaltar que tratamos aqui de um estudo fundamentado em um ensino de filosofia

que favorece os sujeitos do ensino médio como hermeneutas e que pode ser sugerido como um relevante modo de interpretar a vida.

Ora, no âmbito das relações, “a abundância discursiva também precisa ser interpretada”

(MEZAN, 1985, p. 112). Claro, essa interpretação não pode acontecer sob uma concepção mútua de compreensão, mas sob contraposições e discursos conflitantes, refletidos nas diferentes faces de uma configuração discursiva. Consideramos, assim, que o estudante torna- se uma das melhores ou piores preocupações para si mesmo, pensando e repensando seu ser- estar no mundo como sujeito e autor de sua prática discursiva no cotidiano.

Nesse sentido, é considerável correlacionar os discursos transformados e reconstruídos, pois, tratando-se da filosofia, a busca pelo criar pode ser um exercício contínuo do pensar.

Quando nos demoramos no pensar sobre algo de maneira descentrada e multifacetada, passamos a criar possibilidades de conceitos e práticas que, até então, poderiam estar ocultas.

O discurso centralizador e/ou conservador restringe o olhar para além daquilo que se diz, vê e vive. As coisas são mais do que aquilo que dizemos, vemos e vivenciamos e, quanto mais demoramos no pensar, quanto mais amplificamos nosso olhar, mais temos a oportunidade de nos identificarmos com os conceitos e discursos que criamos. “Aparece, assim, o projeto de uma descrição dos acontecimentos discursivos como horizonte para a busca das unidades que aí se formam” (FOUCAULT, 2008b, p. 30).

Desse modo, a convicção principal deste estudo está no discurso filosófico em sala de aula, materializado na correlação das problematizações filosóficas com o cotidiano dos sujeitos presentes, e na criatividade desses estudantes/autores de sua própria maneira de pensar, dizer e viver a vida. Tais entendimentos autoriza-nos a discutir e a propor um ensino de filosofia muito além das imposições dos discursos legais.

5.1.3 A filosofia de vida na relação da interdiscursividade: para além das regulamentações e

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